Retomada econômica deve ter ação de incentivo a mulheres

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Realocar as sete milhões de brasileiras que deixaram o mercado de trabalho desde o início da crise sanitária começa na garantia de vacinação em massa e na retomada do auxílio emergencial com um valor acima do que tem sido cotado. Ações estatais e empresariais para aumentar vagas voltadas para o público feminino e mudanças culturais, focadas no combate a estereótipos e ao assédio, também são centrais.

A análise foi defendida por especialistas no webinário Mulheres no Mercado de Trabalho, promovido pela Folha na quinta-feira (4), com apoio do Instituto Nelson Wilians (INW). Oriundas de diferentes áreas, as participantes concordaram que a retomada econômica terá que ser focada em uma perspectiva de gênero.

A diretora-executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades e colunista da Folha, Cida Bento, enfatizou que o valor de R$ 250 mensais, que vem sendo cotado para o novo auxílio, é insuficiente. Ela defende o mínimo de R$ 600.

O valor ajudaria a mitigar as consequências do alto número de mulheres desempregadas. Antes da pandemia, dados do IBGE mostravam que quatro em cada dez famílias brasileiras vivem em insegurança alimentar, em especial lares chefiados por mulheres negras.

Quanto à vacinação, que permitiria um retorno ao trabalho e às escolas sem o risco do colapso sanitário, a advogada Anne Wilians, presidente do INW, destaca que o setor privado deve agir. “Precisamos chamar mais empresas que ainda não aderiram aos movimentos de cobrança da vacinação”, diz.

Ela destaca a importância de políticas de médio e curto prazo. “Ações governamentais e empresariais, além de mudanças culturais internas, que eliminem os estereótipos que sobrecarregam as mulheres, são fundamentais.”

A economista Solange Gonçalves, professora adjunta da Unifesp, explica que parte considerável da queda na taxa de participação feminina no mercado se deve à sobrecarga de trabalho. Destaca, porém, que o fator afetou as mulheres de formas diferentes.

Levantamento do IBGE divulgado na quarta-feira (4) revelou que mães com filhos de até três anos participam menos do mercado de trabalho, índice que muda a depender da raça. Enquanto o nível de ocupação de mulheres pretas ou pardas nessa situação foi de 49,7% em 2019, entre brancas era de 62,6%.

“Taxas como a de desemprego, inatividade, rotatividade e informalidade já eram díspares entre homens e mulheres. Isso tende a ser fortalecido na pandemia”, explica.

As debatedoras acrescentam que mulheres sentiram mais os efeitos da crise por estarem muito presentes em áreas classificadas como trabalho doméstico remunerado, setor de beleza e serviços.

Entre os mais de seis milhões de trabalhadores domésticos que o Brasil tinha em 2018, por exemplo, 92% eram mulheres -em sua maioria negras-, segundo dados do IBGE. Somente entre maio e agosto de 2020, a área perdeu 1,4 milhão de postos de trabalho em decorrência da crise.

Parte do cenário também se deve a dinâmicas intrafamiliares. “O poder de barganha das mulheres dentro dos domicílios é desigual. Muitas vezes é ela quem opta por ficar de fora do mercado”, diz a professora da Unifesp.

A procuradora regional do trabalho Adriane Reis de Araujo, que está à frente da Coordigualdade (Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho), menciona a Convenção 156, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual todos os setores da atividade econômica devem prezar por condições de igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres que tenham responsabilidades familiares, como filhos dependentes. O Brasil não é signatário da norma.

A procuradora do MPT reforça a importância da promoção da saúde física e mental da mulher. “É preciso encontrar fórmulas que permitam a manutenção da renda e do emprego e a retomada econômica sem prejuízo à saúde e aos direitos das trabalhadoras e das empresas.”

As debatedoras frisam que é preciso pensar o campo da informalidade, também afetado pela pandemia. Levantamento do Sebrae divulgado pela Folha mostrou que a crise interrompeu um ciclo de crescimento de quatro anos contínuos da participação feminina no empreendedorismo brasileiro.

Mesmo antes desse cenário, mulheres empreendedoras já enfrentavam mais dificuldades que os homens para acessar crédito.

Solange Gonçalves diz, porém, que é preciso pensar as motivações que levam as mulheres a empreender. “Sabemos que a impossibilidade de realocação para uma vaga formal de trabalho, com carteira assinada e benefícios, é o que leva parte das mulheres a se tornarem ‘de conta própria’.”

O webinário foi mediado pela editora de Mercado, Alexa Salomão.