Alckmin nega apego a ministério, sob risco na reforma: ‘Cargo é do presidente’

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) negou apego ao seu cargo na Esplanada, sob perigo na reforma ministerial que Lula (PT) planeja fazer para contemplar nomes do centrão e, assim, pacificar a relação com o bloco no Congresso.

“Cargo de ministro é da confiança do presidente da República”, disse neste domingo (6), em passagem por Taubaté (SP). “A minha disposição é servir ao Brasil, ajudar o Brasil e colaborar com o governo do presidente Lula.”

Além do Palácio do Jaburu, Alckmin é também titular do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Essa posição, contudo, poderia ser revista por Lula, uma ideia que desagradaria o vice.

O pessebista também rechaçou uma hipótese que circula em Brasília: a de que não teria ido à posse de Celso Sabino (União Brasil) no Ministério do Turismo como uma forma de sinalizar sua insatisfação com os boatos sobre a possível troca de guarda na própria pasta.

Ele afirmou ter escutado uma conversa de que teria faltado à cerimônia “porque não estava contente”. Deu outro motivo para a ausência: “É porque eu gosto de medicina, não me afastei [do ofício] até hoje. Teve um congresso médico universitário com 3.000 estudantes em São Paulo que eu tinha me comprometido a fazer a aula magna lá”.

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté, Alckmin possui especialização em anestesiologia e acupuntura. Após ficar em quarto lugar na eleição presidencial de 2018, e antes de retomar a carreira política trocando PSDB por PSB e aceitando ser vice de Lula, ele chegou a dar dicas sobre saúde em programas da TV Gazeta e da Band. Era conhecido como Doutor Geraldo.

O ex-governador paulista também negou que tenha falado com Lula a respeito da possibilidade de sair do posto de ministro. Afirmou que a última conversa que teve com o presidente, no começo da semana, foi sobre a indústria da defesa, junto com o colega José Múcio (Defesa).

Outra negativa de Alckmin em Taubaté: a de que, se substituído, ele tocaria o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) como forma de compensação.

O petista estuda desalojar da Esplanada nomes do PT e do PSB, ambos à esquerda, para dar mais espaço a partidos que podem dar mais dor de cabeça ao governo no Congresso, como PP e Republicanos. A legenda de Alckmin no Parlamento, na avaliação do governo, não tem estatura equivalente aos três ministérios que ocupa –além de Alckmin, há Flávio Dino na Justiça e Márcio França em Portos e Aeroportos.

Parceiro de Jair Bolsonaro (PL) na eleição, o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira, tem 49 deputados federais, nenhuma pasta e disposição de manter relações cordiais com o governo. Mesmo caso do Republicanos, ligado à Igreja Universal, que possui 41 representantes na Casa.

O PSB, aliado de primeira hora do PT, só tem 15.

Na sexta-feira (4), o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), confirmou que os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) serão ministros, decisão atribuída a Lula. Só falta saber quais pastas o aguardam, e quem ficará de fora da Esplanada.

No aeroporto em Orlando, Bolsonaro evita falar sobre joias e volta ao Brasil

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou ao aeroporto de Orlando, na Flórida, na noite desta quarta (29) para sua viagem de retorno ao Brasil.

Fora há três meses do país, ele não quis falar com a reportagem dizendo que “vocês falaram muito de mim, agora, nas eleições”.

Não respondeu, por exemplo, a uma pergunta da Folha de S.Paulo sobre a intimação feita pela Polícia Federal para depor sobre o caso das joias presenteadas pela Arábia Saudita. Também não quis falar sobre sua volta ao Brasil.

Após três meses nos Estados Unidos, Bolsonaro embarcará em Orlando rumo a Brasília na noite desta quarta.

O voo tem chegada prevista para o início da manhã de quinta em Brasília.

Bolsonaro chegou à Flórida a dois dias de concluir seu mandato. Driblou, portanto, a passagem da faixa presidencial para seu sucessor e rival, Lula (PT).

Passou seu primeiro trimestre como ex-presidente num condomínio em Kissimmee, cidade na Flórida a meia hora da Disney. Hospedou-se inicialmente na casa do lutador de UFC José Aldo, um admirador seu.

Antes mesmo da estadia de Bolsonaro, o endereço já havia aparecido no noticiário, com destaque para sua decoração: salão de jogos, sala de cinema e nove quartos. Um deles tinha o desenho “Minions” como motivo.

O ex-mandatário depois se mudou para outro imóvel no mesmo condomínio. A família às vezes compartilhava sua rotina nas redes sociais. Uma hora era a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro exibindo o marido lavando morangos para ela.

Outra, uma canja de Joe Castro, brasileiro radicado em Orlando que cantou uma música, segundo ele, composta logo após o acidente com o avião da TAM em 2007. Com uma Coca-Cola na frente, Bolsonaro escuta plácido versos como “como consegue viver sem mim”.

Sem ele no Brasil, aliados de Bolsonaro o criticaram pelo que viram como omissão nesse começo do governo Lula. A expectativa é a de que ele volte para liderar a oposição. Nas últimas 24 horas em solo americano, suas redes foram preenchidas pelo que vê como feitos de sua administração, entre eles um suposto esforço para combater a corrupção.

Bolsonaro é alvo de pedidos de investigação que vão do genocídio contra o povo yanomami à propagação de fake news. A mais avançada, que em última instância poderia torná-lo inelegível em futuros pleitos, aponta que ele usou a estrutura do Palácio do Alvorada em 2022 para jorrar ataques contra o sistema eleitoral em reunião com embaixadores.

Seus filhos políticos também foram à internet defender o legado do clã. O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), principal arquiteto da persona virtual do pai, postou o LinkedIn, a rede social para contatos profissionais, do homem que deixou de governar o país no dia 31 de dezembro de 2022. O ex-presidente ainda mantém como atual ocupação “38º presidente do Brasil”.

Bolsonaro mantém silêncio sobre invasão em Brasília; aliados se dividem

Está sendo tímida, num primeiro momento, a reação de aliados de Jair Bolsonaro (PL) ao vandalismo de manifestantes que, em Brasília, invadiram prédios dos Três Poderes com uma pauta antidemocrática.

O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-ministro da Justiça que rompeu com o governo passado e, durante a campanha, fez as pazes com Bolsonaro, furou o silêncio inicial com um tuíte postado na tarde deste domingo (8).

“Protestos têm que ser pacíficos. Invasões de prédios públicos e depredação não são respostas. A oposição precisa ser feita de maneira democrática, respeitando a lei e as instituições. Os invasores precisam se retirar dos prédios públicos antes que a situação se agrave”.

Um dos primeiros a tocar no assunto, Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), definiu como “lamentáveis” as cenas de depredação na Esplanada dos Ministérios.

“É inconcebível a desordem e inaceitável o desrespeito às instituições. Determinei que todo o efetivo da PM e da Polícia Civil atue, firmemente, para que se restabeleça a ordem com a máxima urgência. Vandalismo e depredação serão combatidos com os rigores da lei”, afirmou numa rede social.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ), que foi líder do governo Bolsonaro na Casa que representa, também adotou um tom crítico. Sugeriu ainda que o Executivo lulista, assim como o Judiciário, um poder em frequente conflito com o bolsonarismo, deveriam ajudar a pacificar os ânimos.

“Nenhuma violência é tolerável. Nenhuma manifestação violenta é democrática. Mas assim às vezes a sociedade se manifesta. Infelizmente. E não somente no nosso país”, disse, também por um canal virtual. “É preciso gestos que apaziguem. Governo e Judiciário. Violência e intimidação nos tornam menos democráticos.”

Questionado pela reportagem, o pastor Silas Malafaia, um dos aliados evangélicos mais vocais de Bolsonaro, falou em “manifestação do povo” e apontou “dois pesos e duas medidas” para o tratamento dado a atos que partem de bolsonaristas ou de movimentos à esquerda.

“Cansei de ver o MST [Movimento dos Sem Terra] invadir prédio público e ficar acampado dois, três dias. A militância do PT fazer isso, e ninguém dizer que é ato antidemocrático. Que conversa é essa? Ou será que nós estamos em que planeta? Em que país nós estamos? Ou será que o povo, a imprensa, os políticos têm amnésia? Nunca vi ninguém dizer que era ato democrático.”Continuou o pastor: “É a manifestação do povo. E aí? Usa dois pesos, duas medidas? Quando é a cambada de esquerda, é ato de livre manifestação. Quando são os outros, é ato antidemocrático? Isso é uma vergonha.”

Tanto o ex-presidente Bolsonaro como seus três filhos políticos deram alguma declaração em redes sociais nas últimas 24 horas, mas até agora não abordaram os atos vândalos na capital do país.

Edir Macedo diz que não é vira-casaca e que não tem nada contra Lula; Michelle curte

O bispo Edir Macedo rechaçou a pecha de vira-casaca em vídeo que gravou nesta sexta (4) para falar sobre o perdão concedido a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na véspera.

O post foi curtido pelo perfil da primeira-dama Michelle Bolsonaro no Instagram.

Escudeiro do bolsonarismo na campanha, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus atacou repetidamente Lula e a esquerda em geral nos últimos meses. Já havia feito o mesmo em pleitos passados, mas em 2002 fez as pazes com o petista, recém-chegado ao Palácio do Planalto. Em 2018, endossou Jair Bolsonaro (PL) ao perceber que a candidatura de Geraldo Alckmin, então no PSDB, não tinha chances de decolar.

Hoje Alckmin e vice de Lula, que se elegeu para um terceiro mandato a despeito da preferência de praticamente todos os líderes evangélicos de peso do Brasil.
Confundiram isso, disseram que eu perdoei Lula“, afirmou o bispo na live. “Eu não perdoei Lula, não perdoei ninguém, não tenho nada contra o Lula.” Segundo Macedo, ele teria contra, isso sim, a ideologia que o PT representa.

“Se ele [Lula] tem contra mim, isso é problema dele. Nunca tive e nunca vou ter, não sou burro de ter alguma coisa contra alguém, porque estaria prejudicando a mim mesmo.”
O primeiro vídeo, em que o bispo diz perdoar Lula, foi recebido pelo PT como uma piscadela fisiológica. Macedo esteve ao lado de todos os presidentes desde Fernando Collor.

Nesta manhã, a presidente nacional do PT disse que o partido dispensava o perdão do líder neopentecostal.

Macedo reclama que “muitas pessoas estão dizendo o bispo virou a casaca, estava se aproximando” do presidente eleito, o que ele diz ser uma inverdade. “Não estou virando a casaca coisa nenhuma.

O bispo sugere que perguntem a Lula “o que ele deu à igreja, à Record” e já antecipa a resposta: “Ele não deu nada“.

Macedo conta que pediu dois favores ao petista enquanto ele estava presidente, e não foi atendido. Normal. “O que eu posso fazer? Virei as costas e vim embora, não deu, não deu.”
Diz que também Bolsonaro, que teria uma ideologia mais próxima à sua, não fez nada pela Universal.

Macedo afirma que se alguém deve favor a alguém aqui é Lula, que teria o procurado quando estava com câncer na garganta, diagnosticado após deixar a Presidência. “Impus as mãos sobre o pescoço dele e orei pelo Lula, e ele ficou curado, fez tratamentos lá no [hospital Albert] Einstein, mas ficou curado. Quer dizer, eu fiz favor pra ele, mas em oito anos em que esteve lá ele não fez nenhum favor pra mim.”

Macedo diz que, como todo bom cristão, lhe resta orar por Lula, a autoridade constituída da vez. É que a Bíblia manda.

“Orar para ele fazer um bom governo porque está escrito que a gente deve orar pelas nossas autoridades, seja ele PT, PL, qualquer que seja o presidente ou rei ou rainha. Essa é a nossa obrigação.”

Diz o bispo que sai da eleição com “a nossa consciência lavada, limpa, pura, sem ficar, desculpa a expressão, com rabo preso com ninguém”.

Bispo Edir Macedo agora fala em perdoar Lula, eleito por ‘vontade de Deus’; vídeo

O bispo Edir Macedo, líder de uma das igrejas que fizeram oposição ferrenha a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defende agora que a posição mais cristã é perdoar o presidente eleito e “bola pra frente”.

“Não podemos ficar com mágoa, porque é isso que o diabo quer”, disse o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.

“O diabo quer acabar com sua fé, com seu relacionamento com Deus por causa de Lula ou dos políticos. Não dá, não dá, minha filha, bola pra frente, vamos olhar pra frente.”

A modulação no discurso foi feita numa live que o bispo postou em suas redes sociais. No vídeo, Macedo diz que orou por Jair Bolsonaro (PL), mas que a vitória de Lula foi uma escolha divina.

“Eu orei, ‘ó, Deus, quero que Bolsonaro ganhe’. Mas seja feita Vossa vontade, sobretudo, porque o Senhor é quem manda.”

O ex-presidente que voltará para um terceiro mandato “supostamente ganhou segundo a vontade de Deus, mas quem ganhou fomos nós, os que cremos“, afirmou o líder neopentecostal.

Macedo iniciou sua fala contando de um culto na véspera, em Genebra, onde a mensagem central foi o perdão. “Falamos que as pessoas devem perdoar para que possam ser perdoadas. É o que Jesus ensina o que nós cremos.”

Segundo o bispo, por carregarem muita mágoa e ressentimento, muitos têm dificuldade de perdoar, “e quanto mais tempo passa mais difícil vai ficando”.

Ele em seguida afirma que “não precisa sentir para perdoar”, porque “o perdão é uma atitude pensada, raciocinada, é uma atitude racional, porque se você esperar sentir, no coração, vontade de perdoar, você não vai perdoar nunca, jamais, em tempo algum, porque o coração é indomável”.

Desculpar alguém que lhe feriu é possível, sim, portanto. “Mas como? Orando pela pessoa que nos fez mal.”

Ex-aliado de Lula que em 2018 endossou o bolsonarismo, Macedo conta que, na reunião religiosa, uma fiel trouxe o tema político à tona: “Todo mundo ouve ela gritar, ‘eu perdoo você, Lula, que fez tanto mal para o Brasil, que fez o que fez'”.

“E aí me veio o discernimento que quantas pessoas neste Brasil ou pelo mundo afora, especialmente cristãos, quantos devem ter ficado irados contra o Lula e magoados e agarraram um sentimento de mágoa contra ele. Ora, minha amiga e meu caro amigo, vamos colocar a cabeça no lugar, nós fizemos as nossas escolhas. Ei, e a escolha foi da maioria, obviamente, que votou.”

Completa: “Sua fé não vai valer de nada se você não perdoar”.

‘Meu papel é orar por Lula’, diz Silas Malafaia

Para o pastor Silas Malafaia, um dos mais aguerridos cabos eleitorais do bolsonarismo nesta eleição, seu papel é orar por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a autoridade constituída da vez ao vencer as eleições neste domingo (30).

O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo diz que “a vontade soberana do povo se estabeleceu” e, se Jair Bolsonaro (PL) e aliados quiserem contestar o resultado, vão ter que ter “muitas provas robustas”.

“Eu não embarco em aventura de ninguém sem provas. […] ‘Ai, teve roubo.’ Então prova, ‘cumpadi’.”

PERGUNTA – Por que o sr. acha que Lula ganhou este pleito?

SILAS MALAFAIA – Aí você está querendo que eu seja Deus. Uma eleição dessa, decidida por 1%, por que Lula ganhou? Não vou aqui arrumar nenhuma desculpa ou nenhum fator. E o jogo pesado que foi, né?

Você viu ontem no Jornal Nacional, como é que o Jornal Nacional produziu? Vem Lula dizer que quer substituir armas por livro. Qual é a cena seguinte? A [Carla] Zambelli atrás com uma arma. É só um dadozinho para mostrar como é que é feito o enredo da brincadeira. Pô, uma eleição muito apertada, qualquer um podia ganhar.

 

PERGUNTA – Em eleições passadas, muitos pastores apoiaram o governante da vez. Acha que alguns irão voltar a Lula agora que ele venceu?

S. M. – Aqui é um engano de vocês da mídia. Eu conheço os líderes que estiveram com Lula e com Dilma. Depois que ficamos sabendo daqueles posicionamentos de pauta de costumes, eu sei quem ficou com eles, eu sei. Não vou dar nome. Mas não tinha muitos líderes.

Para mim, alguns desses ficaram em cima do muro nessa eleição. Também não vou dar nome. É só você entrar nas redes sociais deles e ver se tem uma palavra sobre a eleição. São os que vão para lá [para Lula]. São pouquíssimos.

 

PERGUNTA – A Bíblia orienta que cristãos orem pela autoridade eleita. O sr. reconhece e vai orar por Lula?

S. M. – Gostaria de informar a você que o culto hoje [domingo] foi encerrado fazendo oração pelo Brasil e por Lula, porque aprendi um princípio da Bíblia. [O apóstolo] Paulo dizia: Antes de tudo, que se façam orações, súplicas pelos homens que estão em eminência, para que tenham uma vida quieta e sossegada. Gravei 57 vídeos [sobre a eleição] no primeiro e no segundo turno. Tenho a alma lavada de que não fui covarde nem omisso, me posicionei pelos meus princípios e valores.

O cara ganhou? Meu papel é orar por ele, esse é o meu papel. Já fiz a oração aqui na igreja. Até os idiotas do PT tentaram usar [contra mim], mas sempre disse que a igreja não apoia ninguém, quem apoia somos nós. A igreja é uma instituição que está acima disso. Eu que apoio, que sou cidadão, entendeu?

 

PERGUNTA – O sr. acredita que Bolsonaro vá contestar o resultado? Se o fizer, será com apoio do segmento?

S. M. – Bolsonaro, para contestar o resultado, tem que ter provas sobre provas, com muitas provas robustas, para dizer que houve fraude, né? Porque não vem aqui, eu não embarco em aventura de ninguém sem provas. Essa é a minha posição. A vontade soberana do povo se estabeleceu. ‘Ai, teve roubo.’ Então prova, ‘cumpadi’.

E outra, não é comprovar com conversa, não. É comprovar com coisas robustas. Eu aprendi: venceu, venceu, perdeu, perdeu. Qual foi minha oração aqui? Que Deus livre o Brasil do caos político, social e econômico. Que isso aqui não vire uma Argentina, uma Venezuela, não vire o que está indo o Chile, a Colômbia. Que Deus tenha misericórdia do Brasil e dê sabedoria a Lula.

Porque, na verdade, os criminosos voltaram à cena do crime. É surreal, surreal, gente condenada com provas substanciais volta e tem apoio da mídia, de diversos setores. É uma escolha. É isso o que querem? Eu só posso orar pelo Brasil e pelas autoridades constituídas.

‘Pastor do PT’ leva a Lula plano sobre evangélicos com dicas sobre temas tabus

O pastor Paulo Marcelo Schallenberger, convocado pelo PT para dialogar com o segmento evangélico, apresentou nesta semana ao ex-presidente Lula um “projeto de inclusão” do partido nas igrejas.

O documento cita estratégias para tanto, como “trazer para entrevistas pastores que foram beneficiados no governo do PT” e incentivar menções de “atos dos governos anteriores que beneficiaram a igreja evangélica”. Paulo Marcelo também fala em usar grupos de WhatsApp. Destaca, contudo, que isso não deve ser feito para “divulgar conteúdo de ataque, para não gerar pauta de vitimismo, já que essa é a estratégia do atual governo”.

Em entrevista à Folha de S.Paulo no começo deste mês, o pastor reforçou que evangélicos abriram templos como nunca durante administrações petistas, e eles iam muito bem, obrigado. “A pergunta é muito simples: o que na sua vida melhorou? Quanto na sua igreja tinha de receita, na época de Lula e Dilma, e quanto tem de receita hoje?”

Segundo ele, que por anos pregou no congresso Gideões Missionários da Última Hora -uma vitrine gospel para líderes pentecostais do Brasil-, o esboço do projeto foi entregue a Lula por Moisés Selerges Júnior, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC. Foi Moisés quem fez a ponte entre o provável candidato do PT à Presidência e o pastor que tem como amigo um aliado de Jair Bolsonaro (PL), o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP).

Paulo Marcelo aponta a necessidade de reverter rótulos que, em sua visão, são impingidos por má-fé ou ignorância à sigla. Exemplo: muitos evangélicos acreditam que petistas têm uma agenda anticristã e que vão obrigar pastores a praticar atos contrários à sua doutrina -como não poder falar mal de casamento homoafetivo.

A visão a ser construída, de acordo com o pastor, é a de que isso não é verdade. Mas ele faz a ressalva de que líderes religiosos não poderão “interferir nas escolhas individuais”. Ou seja, não devem fazer lobby para que o Estado impeça essas uniões de acontecerem, no exemplo em questão. “A igreja pode pregar no seu Evangelho que não aceita [o tema], mas não posso exigir que o restante da sociedade seja como nós. Tenho que respeitar para ser respeitado”, ele diz à reportagem.

Paulo Marcelo começa a gravar em março um podcast voltado a evangélicos. O programa deve desviar de polêmicas que “gerem conflitos e sejam usados pelos adversários como contraprova de que o PT é contra a doutrina cristã”, diz no texto que apresentou ao partido. A chave para uma reaproximação com o segundo maior bloco religioso do país, que só perde em número para católicos, seria relembrar benefícios concedidos durante gestões petistas e que contemplaram muitos fiéis.

Para Paulo Marcelo, evangélicos eram mais felizes naqueles tempos, e o PT precisa lembrá- los disso. Como mostrou a Folha, grandes igrejas que estiveram com Bolsonaro em 2018 vão emitindo sinais de que tamanho entusiasmo pode não se repetir neste ano. O recuo é associado ao bom desempenho eleitoral de Lula, mas não só. Quem atua nos bastidores do segmento avalia: claro que a perspectiva de uma vitória petista, talvez até mesmo no primeiro turno, assusta líderes evangélicos que têm por hábito manter boas relações com o governante da vez.

Mas há também um sentimento dúbio sobre Bolsonaro, um católico não praticante que melhor do que ninguém soube sintonizar com as demandas morais do grupo e cumpriu a promessa de emplacar um ministro evangélico no Supremo Tribunal Federal, André Mendonça. Já havia certa insatisfação com a conduta presidencial na mais grave crise sanitária do século, como a recusa em se vacinar contra a Covid.

Ninguém quer falar às claras sobre a possibilidade de desembarcar do bolsonarismo, até para não virar alvo de colegas hábeis em incitar turbas evangélicas contra desertores -o mais citado é Silas Malafaia, ex-apoiador de Lula que virou um dos mais vocais escudeiros do atual presidente.

No próximo dia 8, Bolsonaro deve abrir o Palácio da Alvorada para líderes evangélicos, numa tentativa de demonstrar força no bloco religioso que já foi alheio ao debate eleitoral, mas que hoje é o que mais se articula politicamente no Brasil. Malafaia, uma das presenças confirmadas, diz não acreditar que muitos de seus colegas vão pular fora do bolsonarismo até outubro.

Pastor amigo de Feliciano ajuda Lula com evangélicos em pré-campanha

Chegou a hora de Paulo Marcelo Schallenberger, 46, ouvir o que Deus reserva a ele. E não é coisa pouca. “Se prepare, homem”, profetiza o pastor no centro de um púlpito abarrotado de colegas. Estamos em 2013, no congresso Gideões Missionários da Última Hora, uma vitrine gospel para líderes pentecostais do Brasil.
Pouco antes, Abílio Santana havia recebido seu vaticínio: Deus o colocaria no palácio com um “brasão da República”, ele e mais outros três daquele altar.

Santana é hoje deputado pelo PL baiano. Marco Feliciano (Republicanos-SP) já era do Parlamento e seria reeleito duas vezes depois. A Câmara também acolheria, em 2018, Flordelis, que depois sairia de lá cassada pelos pares, sob acusação de matar o marido, um pastor como todos ali. Que se preparasse também Paulo Marcelo.

“Estou mudando teu coração, estou mudando tua voz, estou mudando a tua imagem, estou mexendo nas cadeiras porque Brasília também te espera!”, prevê Antônio Silva, o pastor do Gideões. Estamos em 2020, e nada de Paulo Marcelo no centro do poder. Ele tenta uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo pelo Podemos, partido à direita que no futuro abrirá as portas para um homem por quem ele diz sentir repulsa, Sergio Moro, concorrer à Presidência.

Seu santinho político o apresenta como “o candidato de Feliciano”. São amigos já tem mais de duas décadas, desde que os dois pregavam país afora, ele a bordo de uma Variante dourada, e Feliciano, de uma Brasília amarela. Em 2022, Paulo Marcelo chega à capital do país. Desembarcou na quarta (9) para uma reunião na sede do PT. Ainda sem mandato, é verdade –teve 4.486 votos dois anos atrás, insuficientes para vencer.

A vitória que lhe importa, agora, é a de Lula. Às 13h do dia 13 de dezembro, encontrou pela primeira vez o homem que fez o avô chorar em 1989. O pastor da Assembleia de Deus queria vê-lo eleito presidente, o que só aconteceria 13 anos depois. Mas aí seu Aloísio já tinha morrido, três anos antes.

Com ajuda de um Moisés, o presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, o pastor descolou uma reunião no Instituto Lula. O ex-presidente o escutaria por 20 minutos. Acabaram conversando por duas horas e meia. Paulo Marcelo tinha um plano para furar a bolha pentecostal, em boa parte envelopada por um bolsonarismo que se autoproclama guardião dos bons costumes.

Com a bênção de Lula, ele comandará, a partir de março, uma série de iniciativas para aproximar PT e evangélicos. Esse eleitorado tem um histórico de idas e vindas com o partido. Grandes pastores já demonizaram a bandeira vermelha, mas, em 2002, muitos a tremularam. Foram abandonando a legenda nos últimos anos, conforme as pautas morais avançavam. Em 2018 veio o racha total: todos os grandes líderes que se posicionaram politicamente foram para o lado de Jair Bolsonaro (PL).

Paulo Marcelo terá nas mídias petistas um podcast produzido por Silas Bitencourt. Conhecido de longa data, ele é empresário de artistas gospel, como o trio de pregadores mirins da família Ota e, em 2021, idealizou o Culto da Resistência, reality evangélico que promoveu o estimulante sexual Levanta Varão e reuniu de Mara Maravilha a Mister M.

O estúdio será no prédio que sedia o PT no Distrito Federal. A princípio, o apresentador não quer nenhuma alusão explícita à estrela vermelha, símbolo do partido, no logo de seu programa. Já vislumbra, contudo, uma hashtag bem política para viralizar nas redes sociais: #SouCristãoEVotoLula.

Outro projeto que Paulo Marcelo quer levar adiante: montar núcleos evangélicos nos 26 estados brasileiros, mais a capital, cada um com cerca de 200 pastores. Na quarta, foi ao gabinete do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) propor que começassem pelo Rio Grande do Sul.

A aproximação com o ex-presidente, assim como seus ataques contra Bolsonaro, abastece um site que é referência nos bastidores do poder evangélico, o Fuxico Gospel. Ele causou frisson quando disse que a igreja atual prega como se fosse medieval. E depois, quando profetizou que Bolsonaro estaria fora do Palácio do Planalto no 1º de janeiro de 2023.

Antes disso tudo, reportagens abordaram sua prisão, sob suspeita de posse de drogas e arma, oito anos atrás, em Foz do Iguaçu (PR). Em depoimento à Polícia Civil, ele disse que a pistola e a substância apreendidas pertenciam a um segurança particular. À reportagem repete o relato e acrescenta: “Fake news. Já sofri muito com isso, nunca houve processo”.

Conservadores estão sempre a postos para atacar e foram bem-sucedidos em pintar a esquerda como antifamília, comunista e aborteira, diz o pastor. Está na hora de desconstruir essas ideias. Para Paulo Marcelo, há duas frentes a serem trabalhadas. Primeiro, com a esquerda. “Ela precisa entender que nem todo evangélico é o Malafaia, que xinga, que briga”, diz sobre o pastor que pregou no mesmo púlpito que ele nos cem anos da primeira Assembleia de Deus do Brasil, em 2011.

Não descarta chamá-lo como convidado em seu podcast, mas acha que ele nunca aceitaria. Certo está. “Eu não debato com cachorro morto”, diz Malafaia. “Vou perder meu tempo com um zero à esquerda desses? Tá de brincadeira!” Paulo Marcelo acha que o campo progressista dialoga mal com o segmento. Dos poucos apoios de algum relevo que o PT tem na liderança, a maioria vem de igrejas históricas. Para falar o português claro: falta povo. E evangélicos estão em massa nas periferias, em igrejas pentecostais.

Segundo o pastor, Lula já teria inclusive entendido que os evangélicos que costumam comparecer a eventos religiosos organizados pelo partido são ótimos e tal, mas pregam para convertidos. É preciso alcançar o coração pentecostal.
Há ainda a parte dois do trabalho. Aqui o pastor cita “um versículo muito lindo” do bíblico Livro das Lamentações: “Quero trazer à memória o que pode me dar esperança”.

Vai de encontro à estratégia do PT de relembrar evangélicos dos tempos de bonança econômica quando Lula estava no poder –e também de liberdade religiosa. Em quase 15 anos de governos de esquerda, questiona, “quando que a igreja foi fechada, quando que seu pastor foi proibido de pregar?”.

Aliás, foram abertos templos como nunca, e eles iam muito bem, obrigado. “A pergunta é muito simples: o que na sua vida melhorou? Quanto na sua igreja tinha de receita, na época de Lula e Dilma, e quanto tem de receita hoje?”
Paulo Marcelo se considera um cara de centro-esquerda e diz que só se filiou ao Podemos porque já tinha o caminho aberto por lá –era, na época, a legenda de Feliciano.

Os dois já saíram de lá, e hoje o pastor lulista estuda nova morada partidária. Diz que provavelmente concorrerá a algum cargo, ainda na expectativa da profecia feita no Gideões há quase uma década. A afinidade com Lula não abalou sua amizade com o amigo bolsonarista.

“Ambos vivemos em um país democrático, e a prova da nossa amizade é que, mesmo caminhando em caminhos opostos, continuamos amigos”, afirma Feliciano.
“Choramos juntos. Sorrimos juntos. Oramos juntos. Conversamos quase todos os dias. Ele com os argumentos dele, e eu com os meus.”

Denúncias contra stalkers devem aumentar com nova lei, dizem especialistas

Faltava pouco para Cláudia, 30, se formar. Último ano de medicina. Estava saindo com um colega já havia uns três meses. Certa noite, após duas caipirinhas de maracujá, enviou um nude para ele com a legenda: “Vamos brincar de médico?”.

Semanas depois, percebeu que “nada a ver” eles como casal. Terminou com ele, foi dormir e acordou com 137 mensagens não lidas dele no WhatsApp. Outras tantas no Instagram. A perseguição se repetiu por alguns dias.

Assustada, bloqueou-o no aplicativo de conversa e na rede social. Ele, então, mandou um email sem título, apenas um anexo: a foto nua dela. Uma ameaça, concluiu na hora.

Um amigo advogado disse que até havia o que fazer em termos legais, mas não a animou muito. Casos como o dela costumavam ser enquadrados num artigo da Lei de Contravenções Penais que fala em molestar ou perturbar a tranquilidade de alguém. No juridiquês, algo considerado menos grave, com penas que em geral se convertem em prestação de serviços comunitários.

Três meses depois, o jogo mudou: no dia 31 de março de 2021, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que inclui no Código Penal o crime de perseguição -o stalking. Quem for condenado está sujeito a pegar de seis meses a dois anos de prisão, pena que pode ser aumentada em 50% em situações específicas, como o alvo menor de idade ou “mulher por razões da condição de sexo feminino”.

Se a vítima se sente acuada a ponto de deixar de frequentar lugares, ou recebe telefonemas e mensagens incessantes, tudo isso já configura uma postura criminosa. Para especialistas, a nova legislação pode ajudar a descobrir a real dimensão do problema.

Já se sabe, por exemplo, que o estado de São Paulo sozinho registrou 686 boletins de ocorrência com base na nova lei em seus primeiros 30 dias de vigência.

“A gente tem que reconhecer que esse é um fenômeno recente, que a maioria da população nem nunca ouviu falar”, diz Juliana Cunha, diretora da Safernet, ONG que zela por uma esfera virtual sadia. “É muito provável que mais pessoas denunciem, agora elas estão informadas de que existe essa lei.”

Antes, os poucos dados que haviam sobre o tema ficavam comprometidos pela subnotificação. Veja números da Safernet. De 2017 para cá, a entidade recebeu 37,5 mil denúncias anônimas de violência ou discriminação contra mulheres, e aí entra toda sorte de ataque machista. Se afunilarmos para relatos de cyberstalking, foram 66 denunciantes femininas entre 2015 e 2020.

Muitas vezes, mulheres como Cláudia (que preferiu omitir o sobrenome) eram desencorajadas a procurar a Justiça. Numa decisão judicial para uma ação que envolvia ameaças de vazar nudes, “o próprio juiz disse que a mulher não prezou pela sua honra ao tirar foto nua”, diz Juliana Cunha, diretora da Safernet.

Como acontece com outras violências de gênero, as denúncias devem continuar aquém dos crimes de fato praticados. Mas a criação de um tipo penal vai impulsioná-las e, de quebra, ampliar os dados à disposição dos especialistas.

A advogada Luiza Eluf, por anos promotora especializada em direitos da mulher, destaca o recorte de gênero do stalker.

“É incrível que só os homens fazem isso. É possível que mulher saia atrás de homem e fique fotografando o que ele faz, mandando foto pra mulher dele, pra mostrar que está com outras. Pode existir. Mas, em geral, é o homem que comete essa violência. Por quê? Porque a mulher, na sociedade patriarcal, se vê impotente. E quando acontece, ela se sente ultramal, começa a não sair de casa, tem fobia social.”

Stalking, na origem inglesa do termo, vem da caça de animais: perseguir uma presa até dominá-la. Homens dispostos a rastrear e encurralar mulheres sempre existiram, mas a internet facilitou o trabalho do stalker.

Eluf fará parte de um observatório para crimes cibernéticos. A principal meta, diz, é dar educação tecnológica para as pessoas entenderem que tudo o que postam, mesmo em círculos privados, pode se voltar contra elas -como o nude de Cláudia. “A perseguição, mesmo que remota, tem efeitos reais sobre a vida das pessoas”, diz a antropóloga Beatriz Accioly Lins, que pesquisa o tema.

“Elas deixam de sair, apagam as redes sociais, abandonam emprego, algumas até flertam com o suicídio.” O apagão de dados não vai sumir de uma hora para outra, diz Juliana Cunha. “Esse tipo de violência vai continuar sendo subnotificado, e dificilmente teremos acessos a dados que compreendam a realidade.”

“Muitas vezes, o que falta é isso, as pessoas perceberam que o cyberstalking é uma violência”, afirma diz a diretora da Safernet. “A gente naturaliza, normaliza, aceita.”

DENUNCIE

Vítimas ou testemunhas podem denunciar eventos de violência contra a mulher pelo Ligue 180 (basta teclar 180 de qualquer telefone fixo ou celular). O serviço está disponível 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. A ligação é gratuita.

Influenciadora Mari Ferrer terá recurso julgado nesta quinta após ser humilhada em audiência

“Take me back to my happy days”: leve-me de volta aos meus dias felizes, em português. Dois meses atrás, a influenciadora digital Mariana Ferrer, 24, publicou uma série de imagens dela na infância. Na última, está com sua mãe, Luciene, no bate-bate de um parque de diversões na cidade natal das duas, Uberaba (MG).

Postou a legenda em inglês e, na sequência, escreveu: “Para as sobreviventes que não têm a família completa ou não têm o apoio da mesma, saibam que eu acredito em vocês. Eu estou com vocês, e juntas formamos um exército imbatível de Deus”.

Nesta quinta (7), desembargadores catarinenses deverão julgar um recurso apresentado por seu advogado após o juiz Rudson Marcos aceitar, em setembro de 2020, a argumentação da defesa e do Ministério Público local de que não houve dolo na ação de André de Camargo Aranha, 45. Seu estuprador, como concluiu um inquérito da Polícia Civil.

O caso gerou uma campanha, #JustiçaPorMariFerrer, não só pelo que aconteceu com a jovem no clube de luxo Cafe de La Musique, em Florianópolis, mas também no julgamento da primeira instância.

Após ter sido dopada e violentada, de acordo com testemunhas e provas periciais, ela foi humilhada em juízo. Para emplacar a tese de que o sexo com Aranha foi consensual, o advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostra uma imagem da modelo que, segundo ele, foi extraída do site de um fotógrafo.

Ele destaca que, entre retratos de várias mulheres, a única foto “chupando o dedinho é essa aqui, e com posições ginecológicas”. Gastão Filho diz que Ferrer manipula a história de ser virgem, o que ela era antes daquela noite em Floripa.

“A pessoa que é virgem, ela não é freira, não, doutor. A gente está no ano de 2020”, responde a jovem sobre a insistência do advogado em exibir a fotografia, a seu ver, libidinosa. “Jamais teria uma filha do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”, afirma também o defensor.

Em outro momento, Ferrer acusa o advogado de cometer assédio moral contra ela. “O senhor tem idade para ser meu pai, tinha que se ater aos fatos”. Ele: “Não dá para dar teu showzinho. Teu showzinho você vai lá dar no seu Instagram depois, para ganhar mais seguidores. Você vive disso”.

Ferrer então chora na audiência virtual conduzida no primeiro ano da pandemia. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo”, intervém Gastão Filho. Ela então rebate: “Eu tô implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma como eu tô sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente”.

As sequelas daquele dia, somadas à do estupro que diz ter sofrido há quase três anos, persistem. Ferrer não trabalha mais e tem síndrome do pânico com frequência. O jornal teve acesso a laudos psiquiátricos da influencer.

Um de 2019 fala em estresse pós-traumático, depressão e privação de sono. Outro mais recente, do ano passado, sugere “acompanhamento médico regular” da paciente.

Sua mãe prefere resguardar a filha na véspera do tribunal. Em nota enviada à Folha, a família de Ferrer e sua equipe jurídica dizem apenas estar “confiantes nos desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que, de forma técnica e justa, analisarão todas as provas e farão justiça por uma vítima de estupro de vulnerável, sendo eles instrumentos de Deus aqui na Terra”.

Hoje a conta no Instagram de Mari Ferrer, seguida por 2,5 milhões, só tem 25 publicações. A maioria faz referência ao estupro que sofreu em dezembro de 2018, num dos beach clubs mais famosos da capital catarinense, o Cafe de La Musique. Mas ela não se coloca apenas como vítima. Cobra por justiça pelo que lhe aconteceu.

Divulgou lá o print de um homem que lhe mandou a seguinte mensagem privada: “Você merece uma bala na cara”. Em outro post, Ferrer compara duas fotos suas. A primeira, uma montagem com ela de costas, só com a calcinha do biquíni. A segunda, o retrato original, com as duas peças de banho.

Na legenda, ela diz que a defesa de Aranha, “de forma sordida e ardilosa”, protocolou imagens manipuladas para simular um falso seminu. Mesmo se o topless fosse real, “eu poderia ser DOPADA E ESTUPRADA?”, ela questiona. Pergunta retórica: “A resposta e obvia: NAO”.

Outra postagem reproduz uma ligação que Ferrer teria feito à mãe no dia do crime, gravada pela irmã. Ela parece desorientada e pede pelo pai. Por escrito, conta que Luciene, “brava e sem paciência”, achava que a filha estava brincando ou bêbada. Só depois entendeu o que havia se passado.

A primeira foto postada, há três anos e meio, mostra uma jovem sorridente: “Se encha de Deus e jamais se sentirá vazio”.

Ferrer era embaixadora do Cafe de La Musique, título dado a jovens bonitas contratadas para promover o clube. Naquele dia, estava lá para gravar uma propaganda de verão para a casa, que promovia no dia a festa Music Sunset. Dali a dias começaria a estação solar.

Uma perícia indicou que houve penetração, detectou sêmen na calcinha de Ferrer e constatou que seu hímen foi rompido. “A virgindade pra ela era bem importante. Ela tem todo o posicionamento de querer casar virgem”, diz a advogada Jackie Anacleto, que fez o acompanhamento jurídico de parte do caso e hoje não atua mais nele.

Anacleto diz que Ferrer nunca apontou nomes de quem a estuprou, porque só descobriu mais tarde a identidade do autor. A influenciadora tornou o episódio público cinco meses depois, em relato nas redes sociais que viralizou. O processo estava em segredo de justiça, mas caminhando a passos lentos até então.

Em julho de 2019, Aranha, que trabalha com marketing esportivo, virou réu. Ele, que havia sido indiciado pela Polícia Civil, a princípio negou qualquer contato físico com Ferrer.

Durante seu depoimento à polícia, contudo, tomou um copo d’água. A delegada responsável pelo caso o usou para colher seu material genético. O resultado foi compatível com o esperma encontrado na calcinha da mulher que, meses antes, procurou autoridades para dizer que havia sido estuprada, mas não sabia por quem.

Ferrer diz que foi dopada, daí o apagão de memória naquele dia. “Quando chegou em casa, a mãe achou que ela tinha ingerido bebida como nunca. Quando foi colocar Mariana embaixo do chuveiro, viu sangue na roupa, cheiro de esperma”, conta Anacleto.

“Ela não soube falar como aconteceu. Lembra de ter ido num bangalô e que uma amiga a levou para tirar algumas fotos. Depois ela não lembra mais.”

Alexandre Piazza, promotor que indiciou Aranha, disse em peça de acusação que ele só compareceu pessoalmente à comarca “após a vítima precisar de submeter a uma situação de revitimização, expondo os fatos, seu sofrimento e angústia em redes sociais, em busca de maior celeridade nas investigações policiais”.

As alegações finais do Ministério Público, no entanto, ficaram a cargo de um colega de Piazza, Thiago Carriço. Foi ele quem escreveu, em outro documento, não haver dolo (intenção) do acusado, porque não havia como o réu saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir.

A modelo foi levada por uma amiga para, segundo ela, tirar uma foto no camarote 403 do Cafe de la Musique. O lapso de memória começou ali.

O vídeo de uma câmera de segurança mostra Ferrer entrando no espaço, aparentado estar grogue. É seguida por Aranha. Mais adiante, em outra parte da gravação, ele a conduz pelo braço para fora do espaço. Seria quando ele a teria levado até um camarim no segundo andar da casa.

O estabelecimento tinha ao ao menos 36 outras câmeras que poderiam revelar mais sobre o caso. Em maio de 2019, quando a polícia pediu mais imagens, já não era mais possível: o sistema excluía as captações após alguns dias.

Em 2020, veio a absolvição em primeira instância. O juiz Rudson Marcos concordou com a tese do promotor e, evocando o respeito ao princípio da dúvida em favor do réu, repetiu em sua sentença “um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente'”.

Magistrado, promotor e advogado de defesa foram amplamente criticados pela audiência, fora e dentro da classe jurídica. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes chegou a classificar as cenas de “estarrecedoras” no Twitter.

“O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.”

O julgamento marcado para esta quinta decidirá se a decisão de Aranha deve ou não ser mantida. Em setembro, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) anunciou que vai apurar a conduta de Rudson Marcos em 2020. Sua equipe de advogados disse que ele não se pronunciará a respeito.

Em abril, a Justiça catarinense dedicou uma notícia para o lançamento de um livro do juiz sobre direito ambiental. Ele está agora na Vara de Sucessões e Registros Públicos.

A Folha de S.Paulo procurou a Promotoria para saber se Thiago Carriço, investigado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, gostaria de falar. Também ele prefere não comentar. Já a secretária de Gastão Filho disse que encaminhou mensagem do jornal para o advogado. Até a tarde de quarta (6), ele não havia respondido.

Em março, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto legislativo endereçado a quem, em audiências judiciais, usar palavras ou material que ofenda a dignidade da vítima ou de testemunhas. É o primeiro passo para a Lei Mari Ferrer.