Libaneses querem que comunidade no Brasil vote em pleito histórico

As eleições parlamentares libanesas estão previstas para março de 2022, mas o pleito já motiva debates urgentes nesse país, que vive alguns dos piores anos de sua história recente. Hoje, um dos campos de batalha é sua diáspora espalhada por diversos países –incluindo o Brasil.

Cidadãos libaneses têm até o próximo sábado (20) para se registrar pela internet e poder votar. Ativistas e diplomatas em cidades como Brasília, São Paulo e Rio têm feito campanhas para que a comunidade local participe da eleição. O cadastro é feito no site do Ministério do Exterior libanês.

O Brasil abriga uma das maiores diásporas libanesas do mundo. Segundo a embaixada, são cerca de 200 mil cidadãos. A estimativa do número de descendentes –que só podem votar se tiverem a cidadania– varia de maneira imensa, dependendo de quem faz o cálculo. Segundo o governo brasileiro, são entre 7 milhões e 10 milhões.

“É só com o voto da diáspora que o Líbano vai mudar”, diz Lody Brais. Figura influente na comunidade, ela preside a Associação Cultural Brasil-Líbano e pilota, entre outras atividades, a campanha pelo registro dos eleitores no Brasil.

Brais, que nasceu no norte do Líbano, diz que nota um maior interesse da diáspora depois da sequência de crises que recentemente assolou o país. Hoje, quase 75% da população vive em situação de pobreza, segundo as Nações Unidas. “Todos nós temos família lá. Daqui, a gente pode mudar o Líbano, tirar quem está no poder há tempo demais.”

O discurso reflete certo fastio perceptível também em quem vive nessa nação do Oriente Médio. A mais recente crise teve como ápice tiroteios que deixaram ao menos sete mortos em um dia em que as pessoas saíram às ruas para, de diferentes lados, manifestar seu cansaço: com a classe política corrupta, com o Judiciário, com a interferência do grupo Hizbullah e com sua facção rival, as Forças Libanesas.

O voto do exterior é algo recente para a nação do Oriente Médio. Essa é a segunda vez que ele será possível depois da estreia, em 2018, e há bastante ansiedade quanto à incorporação de novos eleitores em um sistema político mergulhado em tensões partidárias.

Em 2018, a participação foi bastante baixa. Apenas 82 mil cidadãos no exterior se registraram, e 46 mil votaram de fato –enquanto o comparecimento no país foi de 1,8 milhão de eleitores. Mas o Líbano mudou desde então, e mais pessoas têm se envolvido com a política. Segundo as autoridades, 118 mil pessoas já tinham feito o cadastro online até a última sexta (12), e a estatística crescia a olhos vistos.

Libaneses vivendo no Brasil tiveram uma participação excepcionalmente tímida no pleito passado, considerando sua expressividade. De acordo com os dados oficiais, 2.112 se registraram e só 287 votaram. Fontes diplomáticas afirmaram acreditar que, neste ano, o número deve subir de maneira expressiva, dado o contexto.

O aumento no interesse da diáspora está ligado à percepção de que esta é uma espécie de eleição do fim do mundo. Beirute passou por uma onda de protestos em 2019, foi devastada por uma explosão em 2020, viu novas manifestações deixarem mortos no mês passado e vive uma das piores crises econômicas do mundo desde o século 19.

O preço dos alimentos está subindo a níveis impagáveis e o governo já não fornece serviços básicos, como eletricidade, na capital. Moradores contaram à reportagem que, sem energia, não podem estocar comida na geladeira. Sem acesso à internet, voltaram a ouvir música em rádios de pilha.

Outra explicação para uma maior participação da diáspora é o fato de que há, hoje, mais libaneses fora do país. Dezenas de milhares deixaram o Líbano nos últimos dois anos, desgostosas com a situação do país–não está claro quantas delas foram para o Brasil.

“O voto é um manifesto, uma declaração de apoio ao país”, afirma Miled Khoury, cônsul honorário do Líbano em Campinas. “Ser cidadão não é só mandar remessa de dinheiro. É estar perto, é participar.”

Brasil corre risco de seguir caminho do autoritarismo ao censurar projetos pelo bolso

Em fevereiro, quando publicou seu relatório anual sobre a liberdade artística no mundo, a ONG Freemuse incluiu o Brasil como um de seus 15 estudos de caso. Segundo o texto, preocupa que o governo centralize a sua política cultural.

O desmonte de órgãos públicos permite, em tese, que as autoridades concedam ou neguem financiamento apenas de acordo com quesitos ideológicos.

O risco, nesse sentido, é que o Brasil siga o caminho de países como Rússia, Polônia, Hungria e Turquia. “São ditas democracias com lideranças nacionalistas, populistas e conservadoras”, diz Jasmina Lazovic, uma coordenadora do Freemuse, que tem sede em Copenhague. Ela compara o Brasil também com a Sérvia, onde nasceu. “Tentam controlar círculos acadêmicos e culturais.”

Esse tipo de controle afeta, em especial, os países em que artistas muitas vezes dependem de financiamento público para poder trabalhar. Ali, essa censura sutil acontece no bolso.

“Não é que o presidente ou o ministro ajam diretamente para censurar uma obra específica”, Lazovic diz. “Mas eles colocam nos cargos de chefia pessoas que apoiam a sua ideologia, fazendo com que exista um controle indireto.” Não proíbem uma exposição, assim, mas decidem não financiá-la.

Vem à mente, nesse contexto, o caso do diretor russo Kirill Serebrennikov. Ele dirigia o influente e experimental Centro Gogol de teatro havia oito anos. Até que, em fevereiro, as autoridades moscovitas -que financiam as atividades- decidiram não renovar seu contrato. Ativistas dizem que essa decisão teve cunho político, devido aos atritos entre Serebrennikov e o governo russo.

Não foi o primeiro percalço do diretor. Em 2017, ele foi acusado de desviar fundos públicos, um suposto crime pelo qual foi posto em prisão domiciliar. É outro caso político, na interpretação do Freemuse.

Parte da acusação é de que Serebrennikov nunca produziu “Sonhos de Uma Noite de Verão”, de Shakespeare, peça pela qual recebeu verba. A peça foi vista por milhares de pessoas.

Essas são estratégias difíceis de dimensionar e, por isso mesmo, preocupam tanto grupos como o Freemuse.

“O fato de que nós registramos menos casos de violação de liberdade artística no Brasil não quer dizer que esteja tudo bem”, Lazovic diz. “Para evitar a crítica, esses governos centralizam suas instituições culturais e a maneira como usam verba pública. São vias que parecem legítimas, mas na prática resultam na redução dos espaços abertos à expressão cultural.”

Lazovic afirma que esse é o caso de diversos países no centro e leste Europeu. Ela cita a Hungria. “O premiê Viktor Orbán está realmente tentando, nestes últimos anos, tomar o controle de instituições culturais que deveriam ser autônomas para garantir que elas apoiem o seu governo.”

O controle da cultura não ocorre somente via financiamento, ademais. A ONG diz que governos e entidades públicas representam a maior ameaça à expressão artística no mundo. Dos 978 casos de violação que o Freemuse documentou em 89 países, 60% foram incitados pelas autoridades.

O relatório cita nominalmente o caso de Mario Frias, secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro. A organização diz que ele utilizou sua conta nas redes sociais para insultar o comediante Marcelo Adnet, levando a seu linchamento online por simpatizantes do governo.

O Brasil aparece, ainda, como exemplo de censura com viés religioso. O relatório do Freemuse cita as tentativas de banir o filme natalino “A Primeira Tentação de Cristo”, da trupe Porta dos Fundos. À época, figuras políticas como os deputados federais Flordelis (PSD) e Marco Feliciano (Republicanos) criticaram o longa, assim como deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo.

A Justiça do Rio chegou a determinar a suspensão da exibição do filme na Netflix. Outro caso mencionado pela ONG é o da obra “Todxs xs Santxs -Renomeado- #eunãosoudespesa”, parte de uma exibição censurada pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio por supostamente ofender o cristianismo. A peça representava uma santa com pênis à mostra.

Mesmo nos casos em que as obras de arte são por fim liberadas, a polêmica acaba fomentando protestos da população e autocensura, afirma Lazovic. Quando um governo e seus apoiadores tentam tanto proibir uma peça, por exemplo, os teatros decidem não correr o risco de exibi-la.

“Não importa onde você trabalhe como artista”, diz Lazovic. “Você sempre acaba enfrentando algum tipo de situação em que a sua voz é silenciada, especialmente se você lida com assuntos políticos sensíveis e usa a sua arte para criticar a ideologia do governo.”

EUA votam com medo de eleição descambar para violência armada

Os Estados Unidos se preparam para as eleições desta terça-feira (3) como quem assiste a um filme de suspense, à espera de que algo assustador aconteça.

A rede de lojas Walmart retirou armas e munições de suas estantes. Na região central de Washington, as janelas de cafés e restaurantes estão cobertas por tapumes.

A Universidade George Washington, também na capital, pediu a seus alunos que estoquem comida suficiente para uma semana. Patrulhas policiais devem ser incrementadas.

O receio –verbalizado há semanas por especialistas em segurança– é de que o pleito descambe para algum tipo de violência. Há diversas possibilidades. Grupos radicais podem comparecer armados às urnas para intimidar eleitores. Preocupa também que milícias se recusem a aceitar uma eventual derrota do republicano Donald Trump e marchem nas ruas do país.

Esses cenários racham, de certo modo, a imagem que os Estados Unidos têm de si. Analistas estudaram, no passado, a insegurança de países distantes. Encheram a boca para apontar defeitos no processo eleitoral de outrem. Agora, olham para o umbigo.

Devin Burghart diz que nunca viu tamanho risco desde que começou a acompanhar esse tema, há 25 anos.

O Instituto para Pesquisa e Educação em Direitos Humanos, de que é diretor-executivo, monitora grupos radicais de direita. Com base em sua pesquisa, Burghart afirma que os estados mais ameaçados são Geórgia e Nevada. Em segundo lugar aparecem Michigan, Pensilvânia, Wisconsin, Arizona e Virgínia.

Alguns desses são justamente os lugares em que a eleição pode ser decidida, o que agrava a situação. Quanto mais apertado for o resultado, maior é a chance de grupos radicais se incomodarem com ele –e resolverem agir.

“A maior diferença em relação aos anos anteriores é a escala e a diversidade dos grupos envolvidos”, Burghart afirma. Ele cita, por exemplo, os extremistas Proud Boys (garotos orgulhosos), que Trump se recusou a condenar publicamente durante um debate eleitoral.

Os paramilitares Oath Keepers (guardiões do juramento) também preocupam analistas de segurança.

Algumas dessas facções radicais afirmam acreditar que uma nova guerra civil, como aquela travada durante o século 19, é possível. Mais do que isso, esperam ansiosamente pelo conflito. Dizem, afinal, que é a única maneira de corrigir os rumos do país.

Essas ideias podem parecer, a princípio, alarmistas. Mas há razão para tal alarme. As autoridades recentemente desvelaram planos para sequestrar Gretchen Whitmer, governadora de Michigan, e Ralph Northam, governador da Virgínia. Ambos são democratas.

Grupos armados falam abertamente em ir às urnas para fazer o que eles chamam de “monitoramento” e que especialistas dizem ser uma clara tentativa de intimidação. O porte de armas nas urnas é permitido em diversas partes do país, como Michigan.

Desde o começo da pandemia da Covid-19, o país tem inclusive se armado mais e mais. Segundo o jornal Washington Post, americanos já compraram 18 milhões de armas em 2020. No estado de Michigan, as vendas triplicaram em comparação com 2019.Preocupa também, segundo Burghart, que depois das investigações em Michigan e na Virgínia movimentos radicais decidiram abaixar o tom e evitar o radar das autoridades.

“Grupos paramilitares estão tirando a roupa camuflada e colocando o boné vermelho”, afirma, referindo-se ao chapéu utilizado por seguidores do mote republicano MAGA (faça a América grande outra vez, na sigla em inglês).

Misturados às massas que apoiam o presidente Trump, eles ganham margem de manobra. Fica mais difícil, assim, as autoridades saberem de onde vai vir a violência –que elas já dão por certa. “As coisas estão mudando rapidamente”, diz Burghart.

A instabilidade, ademais, pode tomar diversas formas. Uma delas é com a ida de apoiadores do presidente Trump às urnas sem máscaras, justamente durante uma pandemia histórica. “Eles esperam criar polêmica e, assim, desacelerar as filas e desencorajar os eleitores a votar.”

Essas preocupações são inéditas no país, que se acostumou a ver as eleições como um momento de celebrar sua suposta excepcional democracia. A situação é particularmente grave neste ano, diz Burghart, devido ao comportamento de Trump. “Ele não apenas se recusou a condenar os movimentos radicais e racistas que o apoiam, mas pediu que seus eleitores fossem às urnas monitorar o voto.”

O republicano também colocou em dúvida a própria credibilidade do processo eleitoral americano. Em setembro, por exemplo, afirmou durante um comício que os democratas só venceriam roubando. Isso motiva grupos radicais a esperar fraudes e, no caso de derrota, refutar os resultados oficiais do pleito.

Trump, claro, contesta essa interpretação. Quando questionado sobre o tema, faz questão de dizer que o risco real vem de grupos de esquerda como o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam) ou o Antifa. “Mas nós não vemos nenhum indício de que isso seja verdade”, Burghart explica.

O democrata Joe Biden chegou a sugerir que os republicanos fossem trapacear, mas rapidamente foi a público para insistir na confiabilidade do processo eleitoral americano, algo que Trump não quis fazer de jeito nenhum.

Megan Squire, outra especialista em movimentos radicais de direita, tem acompanhado as conversas em grupos online, nos quais identifica um tom bastante esquentado –justamente no sentido de milicianos planejarem ir às ruas para “proteger” as eleições de um resultado de que discordem. “A temperatura está altíssima”, diz.

Uma caminhada nos arredores da Casa Branca serve de ilustração para a quentura indicada por Squire. Antes da pandemia e dos protestos deste ano contra a violência policial, era possível chegar perto da sede do poder americano. Grades, muros de concreto e policiais armados impedem, hoje, que alguém se aproxime de um dos símbolos da democracia.

Ciberataque iraniano poderia afetar bancos e serviços públicos

O Irã tem uma complicada equação para resolver, enquanto decide como cumprir sua promessa de revidar o ataque aéreo americano que matou na sexta-feira (3) o general Qassim Suleimani.

Alarmistas temem um ataque tradicional contra os EUA. Mas essa solução parece ser um cálculo ruim para o regime iraniano. Poderia, afinal, levar a uma guerra aberta e, apesar das bravatas, Teerã não tem hoje poderio militar para fazer frente a Washington.

A internet, por outro lado, oferece uma saída tentadora. Ciberataques podem causar dano estrutural e financeiro a países rivais sem escalar o conflito militar. Os EUA sabem disso porque usam essa tática. Ao acusar o Irã de atacar navios petroleiros, o governo de Donald Trump supostamente ordenou ciberataques contra o Irã, em vez de responder na mesma moeda.

Uma vantagem dos ciberataques é que, como raramente há prova concreta de autoria, eles costumam causar menos alarde. O que não significa que são menos danosos. O Irã tem investido nessa área, apesar de não ter a mesma expertise dos EUA. A Guarda Revolucionária – que era chefiada por Suleimani- é um dos órgãos oficiais envolvidos nesse tipo de ação, com o apoio de voluntários recrutados em universidades.

“O Irã tem ampliado suas capacidades de maneira consistente e eles estão dispostos a ser tão destrutivos quanto puderem”, diz Robert Lee, fundador da firma de ciber-segurança Dragos. O país, porém, ainda não é capaz de ataques de grande escala. “As pessoas não precisam se preocupar com ataques como os que veem nos filmes e livros.”

As primeiras reações podem vir no campo retórico, por meio de campanhas de desinformação e fake news. O conflito entre EUA e Irã é também um embate entre narrativas. Enquanto um lado diz que a morte de Suleimani foi necessária, o outro acusa o governo Trump de ter cometido um assassinato extrajudicial.

Para fortalecer sua versão, na esperança de colocar a opinião pública contra os EUA, o Irã aparentemente já começou a trabalhar. Analistas registraram um aumento significativo nas mensagens anti-americanas nas redes sociais. Quase 100 mil mensagens no Twitter entre 1º e 3 de janeiro incluíam #HardRevenge (dura vingança), segundo o Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Atlantic Council.

“Essas campanhas não são apenas para influenciar, mas para ter hegemonia nos debates ao apresentar a visão iraniana”, diz Kanishk Karan, pesquisador do Atlantic Council.

Para além da guerra retórica, o Irã tem a capacidade para atacar os EUA no ciberespaço de outras maneiras. Pode, por exemplo, usar malwares (softwares nocivos) ou ataques de tipo “wiper”, que deletam informação nos computadores e redes alvejados.

O governo iraniano pode também utilizar ciberataques para afetar as redes utilizadas por bancos americanos. Grandes empresas provavelmente estão protegidas o suficiente, mas analistas temem ataques contra firmas menores.

Preocupa, ademais, a segurança de governos regionais e infraestrutura. Redes elétricas e o abastecimento de água, por exemplo, dependem de redes eletrônicas. O Irã conta, ainda, com tecnologia para espionar indivíduos. O país é acusado, por exemplo, de ter infiltrado o celular do ex-chefe militar israelense Benny Gantz em 2019. Gantz, líder do partido Azul e Branco, disputava as eleições.

Ataques no ciberespaço não são exclusividade do Irã. Esse tipo de ação tem sido atribuída também a atores como Rússia e China. Os EUA, aliás, são pioneiros nessa área, e o Irã foi alvo de um de seus ataques mais emblemáticos.

Em 2007, em uma suposta operação conjunta com Israel, o governo americano atacou as instalações nucleares iranianas com um “malware”. A ação fez com que as centrífugas acelerassem e desacelerassem de maneira incorreta, danificando o equipamento.

O programa nuclear iraniano é um dos principais alvos dos EUA, que acusam o país rival de tentar obter uma arma nuclear –algo que Teerã nega, afirmando ter apenas interesse na produção de energia.