Brasil cai em rankings mundiais de corrupção, democracia, violência e produtividade

As duas primeiras décadas deste século foram marcadas por uma piora da imagem do Brasil em relação à de outros países em aspectos variados, que vão da sofisticação da economia à percepção de segurança e corrupção.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que o país foi ultrapassado por outras nações em sete de oito rankings com foco em quesitos considerados importantes por investidores, organizações multilaterais e não governamentais.

Os recuos ocorreram nas listas que mensuram solidez democrática, liberdade do ambiente de negócios, complexidade das exportações, combate à corrupção, renda per capita, produtividade do trabalho e segurança.

A exceção –entre os oito rankings analisados pela reportagem– foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelas Nações Unidas, no qual o país teve um modesto avanço desde 2010.

Em todos os casos, as séries foram consideradas apenas a partir do ano em que o número de nações incluídas ficou estável ou muito próximo ao do dado mais recente disponível, para evitar que mudanças de posição do Brasil fossem causadas pela entrada de novos países.

O maior declínio brasileiro foi registrado no Índice de Liberdade Econômica calculado pela Heritage Foundation, centro de pesquisa liberal americano. Desde 2009, o país perdeu 38 posições nesse ranking, recuando do 105º para o 143º lugar.

A aprovação da reforma da Previdência, em 2019, havia contribuído para uma pequena recuperação do Brasil, vista, no entanto, como insuficiente para mudar o quadro geral de má classificação em pilares considerados cruciais para um ambiente favorável à livre iniciativa.

Em seu relatório de 2021, a Heritage Foundation ressaltou que, embora o governo de Jair Bolsonaro levante uma bandeira liberal, tem falhado em reduzir gastos públicos e níveis insustentáveis de dívida.

A instituição considera em seu cálculo 12 indicadores, agrupados em quatro grupos: Estado de Direito, tamanho do governo, eficiência regulatória e liberdade de mercado. “O Brasil devolveu alguns ganhos em liberdade econômica que tinha atingido em 2020, retomando seu declínio no ranking dos foi acompanhado de um declínio da complefoxidade econômica”, afirmou o especialista. Segundo ele, a pauta exportadora cada vez mais baseada em commodities prejudica o Brasil.

A capacidade de inovação de um país está ligada, entre outros fatores, à qualidade de sua mão de obra. O Brasil conseguiu aumentar os anos de estudo da população nas últimas décadas, o que contribuiu para o avanço pequeno do país no IDH, que, além das escolaridades alcançada e esperada, também considera a expectativa de vida.

Mas, além de outras nações também terem feito esse movimento, o progresso brasileiro em termos de qualidade da educação tem sido lento.

Somado à dificuldade em tornar o ambiente de negócios menos burocrático e livre, as deficiências de formação da mão de obra limitam a inovação, freando a sofisticação econômica.

Como esses fatores se autoalimentam, isso se reflete em outro ranking: o de produtividade dos trabalhadores, no qual o Brasil foi ultrapassado nas últimas duas décadas por nações como Colômbia, República Dominicana e Bulgária.

A dificuldade em sustentar um ritmo mais acelerado de crescimento, por sua vez, também aumenta o risco de instabilidade política e a violência. Esses são outros dois aspectos nos quais o Brasil tem sido deixado para trás por outras nações.

A Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa do grupo britânico The Economist, calcula o Índice de Democracia, com base em indicadores de cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo; funcionamento do governo; participação política; cultura política e liberdades civis.

Embora esse seja, entre os oito rankings analisados, o de melhor desempenho relativo do Brasil, houve uma pequena deterioração na última década. Desde 2010, a posição brasileira caiu de 47ª para 49ª, entre 167 nações e territórios.

Segundo Robert Wood, economista-chefe da EIU para a América Latina, a emergência de grandes escândalos de corrupção nos últimos anos levou a uma crescente descrença em relação à classe política.

“Isso alimentou uma desilusão perigosa para o processo político, abrindo espaço para um ‘outsider’ como Bolsonaro”, disse Wood à reportagem. Em relatório recente, outra organização respeitada, a Transparência Internacional, afirmou que o Brasil enfrenta “sérios retrocessos no combate à corrupção”.

Entre 2007 e 2020, o país perdeu 22 posições no ranking da organização que mensura a percepção de corrupção nas diferentes nações, com base na opinião de representantes do setor privado e analistas.

Wood destaca que, apesar do aumento da polarização política causado por problemas como a corrupção, o Brasil teve leve melhora no índice de democracia da EIU entre 2019 e 2020 em consequência do maior apoio popular à democracia e da capacidade demonstrada pelos poderes Legislativo e Judiciário de cumprir seu papel de peso e contrapeso ao Executivo.

A realização bem sucedida de eleições municipais em meio à pandemia do coronavírus também contou a favor do país. Já em termos de segurança, o Brasil teve uma piora em seu desempenho no Índice de Paz Global referente a 2020.

Segundo o Institute for Economics and Peace, que calcula o indicador, entre as populações dos 163 países pesquisados, a brasileira é a que expressa o maior temor em relação à violência no mundo.

Os fatores expressos nesses rankings são importantes empecilhos ao avanço social e econômico do país, o que se reflete no índice de renda per capita do Brasil. Medido em paridade do poder de compra -metodologia que desconta os diferentes custos de vida das nações-, o rendimento médio do brasileiro avança, lentamente, há décadas.

Assim, países como China, Chile, Turquia e Botsuana, além de Taiwan, que eram mais pobres que o Brasil no início da década de 1980, hoje registram renda per capita média maior do que a brasileira.

Pandemia acelera vagas de tecnologia e saúde e elimina de gerentes

Por trás da desordem causada pela pandemia do coronavírus no mercado de trabalho, tendências tanto na criação quanto na eliminação de vagas que já ganhavam contorno nos últimos anos se aceleraram.

Uma análise feita pela Folha no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostra que, entre as 25 ocupações mais qualificadas com os maiores saldos de postos criados entre janeiro e outubro deste ano, 12 também estavam na lista no mesmo período de 2019.

No caso das 25 profissões típicas de ensino superior que registraram mais vagas eliminadas (considerando a diferença entre admissões e demissões), 8 se repetiram nos dois anos.

Entre os casos positivos, se destacam profissões ligadas às áreas de saúde e tecnologia. Entre os negativos, a palavra “gerente” aparece em 6 dos 8 casos registrados.

Os dados do Caged, levantados pela plataforma Quero Bolsa a pedido da reportagem, indicam que mudanças estruturais explicam tanto a forte criação de vagas nos setores ligados à medicina e às novas tecnologias quanto a eliminação de cargos intermediários nas hierarquias das empresas.

Uma delas é a combinação entre o envelhecimento populacional e a maior preocupação dos brasileiros com seu bem-estar.

Embora a pandemia tenha acentuado a busca por profissionais da área de saúde, no caso de enfermeiros, fisioterapeutas e farmacêuticos, essa tendência precedeu a crise.

Essas três ocupações foram, respectivamente, a primeira, a terceira e a quarta –com perfil de ensino superior– que mais geraram vagas no país nos dez primeiros meses deste ano. Esse cálculo considera o saldo de postos criados, refletindo a diferença entre o total de contratações e desligamentos.

Psicólogos e biomédicos também estão entre as 25 ocupações que mais criaram postos de trabalho qualificados tanto em 2020 quanto em 2019.

A biomedicina –que une biologia e medicina e se dedica à pesquisa de doenças humanas– é um exemplo de área que ganha fôlego no país.

Dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) mostram que o número de biomédicos atuando com carteira assinada no Brasil se multiplicou por 10 entre 2010 e 2019, saltando de 1.667 para 16.998.

“Há uma busca crescente do mercado por profissionais da área médica. Tendências como o cuidado com a saúde e o envelhecimento da população explicam esse movimento”, diz Janes Tomelin, pró-reitor de ensino a distância da Unicesumar.

O avanço tecnológico também tem ditado mudanças rápidas no universo laboral, que não apenas sobreviveram ao choque da pandemia como ganharam força nos últimos meses.

“No início da pandemia, a demanda do mercado se concentrou nas áreas de saúde e cadeias de logística”, diz Regina Botter, diretora de operações do site de vagas Catho.

“Mais recentemente, a busca por profissionais de tecnologia não só voltou como acelerou”, afirma a especialista.

Botter cita como exemplo o número de empregos anunciados na própria Catho neste ano para desenvolvedores de sites (“web developers” em inglês), que aumentou 182% em relação a 2019.

Cargos de analistas voltados a sistemas, ao estudo de dados e à pesquisa de mercado aparecem entre as ocupações de ensino superior com maiores saldos de vagas geradas tanto em 2020 quanto em 2019.

Disputados por empresas, esses profissionais têm sido admitidos por salários entre 18% e 25% maiores do que os pagos no mesmo período do ano passado.

Há casos de reajustes ainda mais expressivos: um engenheiro de aplicativos de computação era contratado, em média, por R$ 9.240 entre janeiro e outubro de 2019. Neste ano, o valor chegou a R$ 13.279, um aumento de quase 44%, segundo os dados do Caged, levantados pela plataforma Quero Bolsa.

São ganhos que superam em muito o aumento do custo de vida no país. Em outubro, a inflação anual, medida pelo IPCA, acumulada em 12 meses, era 3,92%. Em novembro, o índice ficou em 4,31%.

“As empresas estão em busca de profissionais que possam implementar ou aperfeiçoar seus processos de transformação digital”, afirma Cosmo Donato, economista da consultoria LCA.

Segundo Botter, os recrutadores que usam a plataforma da Catho apostam que as mudanças iniciadas na pandemia, como o uso intenso do trabalho remoto, vieram para ficar.

“As plataformas e as ferramentas digitais continuarão sendo desenvolvidas e incrementadas, sustentando a demanda por profissionais capacitados para isso”, afirma a especialista.

O comércio eletrônico, que também foi impulsionado pelo distanciamento social imposto pela crise sanitária, tem sido outra fonte de demanda não apenas por trabalhadores com perfil de desenvolvimento de ferramentas digitais mas também de pesquisa de mercado nessa área.

“As empresas querem entender o comportamento de seus usuários, e os robôs não dão conta dessa parte de inteligência sozinhos. Há a necessidade de interpretar os dados e planejar novos passos a partir deles”, diz Tomelin.

Se, por um lado, a tecnologia abre espaço para o crescimento de certas ocupações –e até o surgimento de novas–, por outro, explica a eliminação de vagas intermediárias, de gestão e administração, dentro das empresas. Essa tendência tem sido chamada por alguns especialistas de “desaparecimento do meio”.

Por isso, tantos postos de gerentes –de agências bancárias, administrativos, financeiros– vêm registrando mais demissões do que contratações nos últimos anos.

As tendências por trás das movimentações trabalhistas em cargos mais típicos de formação universitária também influenciam o fluxo de contratações e demissões de profissionais menos qualificados.

Postos na área de saúde (como técnico em enfermagem) e logística (como armazenista) estão entre os que registraram saldos elevados de admissões no país nos últimos dois anos.

Também tem ocorrido o aumento de demanda por mão de obra no setor agrícola.

Já entre as profissões menos sofisticadas, que amargam mais demissões do que contratações, estão aquelas em que a automação e a inteligência artificial substituem o trabalho humano. São os casos de supervisores administrativos, cobradores e operadores de caixas.

Segundo os especialistas ouvidos pela Folha, o investimento em qualificação profissional pode evitar que trabalhadores deslocados de suas carreiras fiquem de fora do mercado.

“Embora esse deslocamento de profissionais para serviços, como o Uber, seja muito associado à precarização, nem sempre isso ocorre”, afirma Donato.

“As novas tecnologias têm aberto espaço para que muitos profissionais, que se tornaram autônomos, vendam seu trabalho diretamente ao consumidor final”, afirma o economista.

Ele cita como exemplo os restaurantes virtuais –conhecidos em inglês como “dark kitchens”– que não têm sede física e chegam aos clientes por meio dos aplicativos.

Segundo Tomelin, as rápidas mudanças no mercado têm exigido uma grande reformulação do lado da oferta de qualificação profissional.

No caso da UniCesumar, já existem, por exemplo, carreiras específicas de analista de desenvolvimento de sistemas e de analista de comportamento. “São novas carreiras que combinam elementos de várias outras graduações tradicionais”, diz o vice-reitor da universidade.

“Essas mudanças têm forçado uma aproximação entre as universidades e o mercado de trabalho, o que é positivo, pois por muito tempo os dois estiveram apartados no Brasil”, afirma Tomelin.

Donato ressalta que, de forma geral, embora as admissões no mercado formal tenham se recuperado nos últimos meses, 2021 será um ano de muita incerteza, em que o desemprego tende a aumentar.

Com o fim do prazo de estabilidade garantida a trabalhadores do mercado formal pelas empresas que aderiram ao programa de proteção ao emprego, a tendência é que haja um aumento das demissões no próximo ano.

Pandemia acelera vagas de tecnologia e saúde e elimina de gerentes

Por trás da desordem causada pela pandemia do coronavírus no mercado de trabalho, tendências tanto na criação quanto na eliminação de vagas que já ganhavam contorno nos últimos anos se aceleraram.

Uma análise feita pela Folha no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostra que, entre as 25 ocupações mais qualificadas com os maiores saldos de postos criados entre janeiro e outubro deste ano, 12 também estavam na lista no mesmo período de 2019.

No caso das 25 profissões típicas de ensino superior que registraram mais vagas eliminadas (considerando a diferença entre admissões e demissões), 8 se repetiram nos dois anos.

Entre os casos positivos, se destacam profissões ligadas às áreas de saúde e tecnologia. Entre os negativos, a palavra “gerente” aparece em 6 dos 8 casos registrados.

Os dados do Caged, levantados pela plataforma Quero Bolsa a pedido da reportagem, indicam que mudanças estruturais explicam tanto a forte criação de vagas nos setores ligados à medicina e às novas tecnologias quanto a eliminação de cargos intermediários nas hierarquias das empresas.

Uma delas é a combinação entre o envelhecimento populacional e a maior preocupação dos brasileiros com seu bem-estar.

Embora a pandemia tenha acentuado a busca por profissionais da área de saúde, no caso de enfermeiros, fisioterapeutas e farmacêuticos, essa tendência precedeu a crise.

Essas três ocupações foram, respectivamente, a primeira, a terceira e a quarta –com perfil de ensino superior– que mais geraram vagas no país nos dez primeiros meses deste ano. Esse cálculo considera o saldo de postos criados, refletindo a diferença entre o total de contratações e desligamentos.

Psicólogos e biomédicos também estão entre as 25 ocupações que mais criaram postos de trabalho qualificados tanto em 2020 quanto em 2019.

A biomedicina –que une biologia e medicina e se dedica à pesquisa de doenças humanas– é um exemplo de área que ganha fôlego no país.

Dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) mostram que o número de biomédicos atuando com carteira assinada no Brasil se multiplicou por 10 entre 2010 e 2019, saltando de 1.667 para 16.998.

“Há uma busca crescente do mercado por profissionais da área médica. Tendências como o cuidado com a saúde e o envelhecimento da população explicam esse movimento”, diz Janes Tomelin, pró-reitor de ensino a distância da Unicesumar.

O avanço tecnológico também tem ditado mudanças rápidas no universo laboral, que não apenas sobreviveram ao choque da pandemia como ganharam força nos últimos meses.

“No início da pandemia, a demanda do mercado se concentrou nas áreas de saúde e cadeias de logística”, diz Regina Botter, diretora de operações do site de vagas Catho.

“Mais recentemente, a busca por profissionais de tecnologia não só voltou como acelerou”, afirma a especialista.

Botter cita como exemplo o número de empregos anunciados na própria Catho neste ano para desenvolvedores de sites (“web developers” em inglês), que aumentou 182% em relação a 2019.

Cargos de analistas voltados a sistemas, ao estudo de dados e à pesquisa de mercado aparecem entre as ocupações de ensino superior com maiores saldos de vagas geradas tanto em 2020 quanto em 2019.

Disputados por empresas, esses profissionais têm sido admitidos por salários entre 18% e 25% maiores do que os pagos no mesmo período do ano passado.

Há casos de reajustes ainda mais expressivos: um engenheiro de aplicativos de computação era contratado, em média, por R$ 9.240 entre janeiro e outubro de 2019. Neste ano, o valor chegou a R$ 13.279, um aumento de quase 44%, segundo os dados do Caged, levantados pela plataforma Quero Bolsa.

São ganhos que superam em muito o aumento do custo de vida no país. Em outubro, a inflação anual, medida pelo IPCA, acumulada em 12 meses, era 3,92%. Em novembro, o índice ficou em 4,31%.

“As empresas estão em busca de profissionais que possam implementar ou aperfeiçoar seus processos de transformação digital”, afirma Cosmo Donato, economista da consultoria LCA.

Segundo Botter, os recrutadores que usam a plataforma da Catho apostam que as mudanças iniciadas na pandemia, como o uso intenso do trabalho remoto, vieram para ficar.

“As plataformas e as ferramentas digitais continuarão sendo desenvolvidas e incrementadas, sustentando a demanda por profissionais capacitados para isso”, afirma a especialista.

O comércio eletrônico, que também foi impulsionado pelo distanciamento social imposto pela crise sanitária, tem sido outra fonte de demanda não apenas por trabalhadores com perfil de desenvolvimento de ferramentas digitais mas também de pesquisa de mercado nessa área.

“As empresas querem entender o comportamento de seus usuários, e os robôs não dão conta dessa parte de inteligência sozinhos. Há a necessidade de interpretar os dados e planejar novos passos a partir deles”, diz Tomelin.

Se, por um lado, a tecnologia abre espaço para o crescimento de certas ocupações –e até o surgimento de novas–, por outro, explica a eliminação de vagas intermediárias, de gestão e administração, dentro das empresas. Essa tendência tem sido chamada por alguns especialistas de “desaparecimento do meio”.

Por isso, tantos postos de gerentes –de agências bancárias, administrativos, financeiros– vêm registrando mais demissões do que contratações nos últimos anos.

As tendências por trás das movimentações trabalhistas em cargos mais típicos de formação universitária também influenciam o fluxo de contratações e demissões de profissionais menos qualificados.

Postos na área de saúde (como técnico em enfermagem) e logística (como armazenista) estão entre os que registraram saldos elevados de admissões no país nos últimos dois anos.

Também tem ocorrido o aumento de demanda por mão de obra no setor agrícola.

Já entre as profissões menos sofisticadas, que amargam mais demissões do que contratações, estão aquelas em que a automação e a inteligência artificial substituem o trabalho humano. São os casos de supervisores administrativos, cobradores e operadores de caixas.

Segundo os especialistas ouvidos pela Folha, o investimento em qualificação profissional pode evitar que trabalhadores deslocados de suas carreiras fiquem de fora do mercado.

“Embora esse deslocamento de profissionais para serviços, como o Uber, seja muito associado à precarização, nem sempre isso ocorre”, afirma Donato.

“As novas tecnologias têm aberto espaço para que muitos profissionais, que se tornaram autônomos, vendam seu trabalho diretamente ao consumidor final”, afirma o economista.

Ele cita como exemplo os restaurantes virtuais –conhecidos em inglês como “dark kitchens”– que não têm sede física e chegam aos clientes por meio dos aplicativos.

Segundo Tomelin, as rápidas mudanças no mercado têm exigido uma grande reformulação do lado da oferta de qualificação profissional.

No caso da UniCesumar, já existem, por exemplo, carreiras específicas de analista de desenvolvimento de sistemas e de analista de comportamento. “São novas carreiras que combinam elementos de várias outras graduações tradicionais”, diz o vice-reitor da universidade.

“Essas mudanças têm forçado uma aproximação entre as universidades e o mercado de trabalho, o que é positivo, pois por muito tempo os dois estiveram apartados no Brasil”, afirma Tomelin.

Donato ressalta que, de forma geral, embora as admissões no mercado formal tenham se recuperado nos últimos meses, 2021 será um ano de muita incerteza, em que o desemprego tende a aumentar.

Com o fim do prazo de estabilidade garantida a trabalhadores do mercado formal pelas empresas que aderiram ao programa de proteção ao emprego, a tendência é que haja um aumento das demissões no próximo ano.

Coronavírus pode mostrar o risco de políticos que desprezam ciência, diz economista

A crise social e econômica acarretada pelo coronavírus poderá ter o efeito colateral de alertar a população para o risco de apoiar políticos que desprezam evidências científicas. O problema é que a pandemia terá um impacto econômico severo, especialmente para grupos mais vulneráveis, que sofrerão com uma queda de demanda.

Segundo Rodrigo Soares, professor da Universidade Columbia, os governantes deveriam estar atentos a essas questões e não minimizar os riscos, como fizeram, inicialmente, os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Segundo ele, ter grupos no poder “totalmente ignorantes e refratários a evidências” pode ter consequências graves. Apesar disso, Soares vê no Brasil algumas vantagens, como a existência de um sistema de saúde unificado e o fato de que o Ministério da Saúde demonstrou, desde o início, estar atento à epidemia.

Do ponto de vista econômico, segundo ele, cabe aos governos proteger os setores econômicos e segmentos sociais mais frágeis, com medidas como o acesso facilitado ao crédito. Falar em reativar a economia, neste momento, não faz sentido, diz.

“Isto não é uma crise financeira. Como você vai reativar a indústria aérea se a gente não quer que as pessoas voem?”

PERGUNTAS E RESPOSTAS COM ESPECIALISTA

PERGUNTA – Como a economia tem sido contagiada pela crise do coronavírus?

RESPOSTA – Qualquer doença gera um impacto econômico direto. Algumas pessoas doentes não vão trabalhar, vão precisar do hospital. Algumas morrerão. Isso tudo impacta os recursos. No caso do coronavírus, o mais difícil, por enquanto, é o esforço para tentar parar a infecção. Ao fechar fábricas, você está falando que trabalhadores saudáveis não devem ir trabalhar. Está fechando serviços.

Para as companhias aéreas, nem é preciso dizer que isso terá proporções dramáticas. Deverá ser o maior choque da história, porque, na Segunda Guerra Mundial, não havia transporte aéreo como hoje. O fechamento dos voos entre Estados Unidos e Europa continental terá um impacto gigantesco para essa indústria. Eu, honestamente, nunca imaginei que fosse ver isso na minha vida.

PERGUNTA – Isso cria um dilema de política pública?

RESPOSTA – O dilema sempre está presente em qualquer escolha de política pública. Se a reação está sendo exagerada ou não, a gente ainda não sabe. Você tem informações muito díspares. Isso é natural porque é um novo vírus. A reação grande se deve ao entendimento de que a transmissão se dá de forma muito rápida, e os casos da China e da Itália têm mostrado que o impacto imediato sobre o sistema de saúde pode ser, de fato, gigantesco.

Mas as pessoas precisam entender que os impactos de parar viagem, diminuir atividade econômica também serão negativos. Tem gente que será afetada de forma muito extrema, com impacto significativo inclusive sobre sua saúde.

Você está limitando a movimentação das pessoas. A quantidade de bens disponíveis será reduzida.

O acesso a trabalho e renda de pessoas um pouco mais frágeis será reduzido. Isso vai impactar o consumo dessas famílias, o que pode também afetar a saúde delas. Contemplar esse “trade-off” deu a entender que estão pensando em cenários desastrosos, embora ainda tenham uma previsão oficial de crescimento de 2,1%, o que, agora, me parece uma fantasia.

Tendo dito isso, ainda acho que os sustos vão continuar acontecendo. Na Europa, eles estão pensando no pior cenário. O Brasil está apostando um pouco na coisa de o país ser um pouco mais quente. Se isso não ocorrer, é bastante provável que o sistema de saúde sofra uma pressão gigantesca. As pessoas têm de estar preparadas para alguns meses de situações muito extremas, de fato.

PERGUNTA – A situação econômica mais frágil do Brasil limita possíveis ações do governo?

RESPOSTA – Idealmente, é em um momento como esse que você deve estar preparado para dar suporte a quem está sofrendo esse choque. A situação fiscal do Brasil torna isso muito mais difícil. Uma ideia que me parece equivocada é dizer que os governos têm de tentar reativar a economia. O trabalhador não está indo para a fábrica.

A peça que deveria estar indo para a montadora não está chegando da China. Não há o que fazer, porque a economia é real. Isto não é uma crise financeira. É uma crise real. Como você vai reativar a indústria aérea se a gente não quer que as pessoas voem? Não é sobre reestimular a economia.

É sobre criar proteção e acesso a crédito em condições especiais e prazos mais longos para os setores, os indivíduos e as famílias que vão sofrer. É, na verdade, minimizar o impacto desse choque temporário. O setor privado deveria estender linhas de crédito. E fazer isso de uma forma crível para que esses setores não se aproveitem disso no futuro.