TRE aponta falhas na prestação de contas na campanha de Moro

A área técnica do TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) expediu um parecer afirmando que o senador eleito Sergio Moro (União Brasil) precisa reapresentar sua prestação de contas de campanha devido a documentação faltante e a inconsistências nos dados.

O relatório, assinado na segunda-feira (7), afirma que a campanha de Moro deixou de anexar na prestação final de sua candidatura registros da movimentação financeira e comprovantes dos gastos feitos.

Fonte: Justiça Eleitoral

Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato, foi eleito para o Senado no início de outubro com quase 2 milhões de votos, superando, entre outros, seu antigo padrinho político, Alvaro Dias, do Podemos. Sua campanha arrecadou R$ 5,1 milhões, a maior parte por meio de financiamento público.

O item de valor mais elevado da candidatura do ex-juiz foi a contratação de um escritório de advocacia por R$ 800 mil. Ele também gastou R$ 426 mil com táxi aéreo.

O parecer da Justiça Eleitoral cita, entre os problemas, a falta de comprovante de devolução de sobras de campanha à direção partidária. A equipe de campanha declarou que sobraram R$ 646, mas não foram anexados extratos completos para verificação, o que também é questionado pelos técnicos.

O documento é assinado pela Coordenadoria de Contas Eleitorais da corte regional. Moro foi intimado na segunda-feira do prazo para se manifestar.

Fonte: Justiça Eleitoral

Um outro ponto levantado pelos técnicos é a declaração de gastos com data posterior ao fim da eleição. O relatório lista, por exemplo, despesas com agência de viagens nove dias depois do primeiro turno.

Cita também divergências entre o valor de despesas declaradas e os valores que constam em notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais. Há inclusive despesas consideradas omitidas, que somam R$ 6.000.

O parecer aponta ainda falhas burocráticas, como falta de identificação de CPF ou CNPJ de doadores e o descumprimento de prazos para a declaração de gastos nas primeiras semanas de campanha.

A legislação eleitoral prevê a entrega de um relatório parcial de contas pelos candidatos em setembro. Os dados de arrecadação da candidatura devem ser lançados no sistema em até 72 horas.

Ex-juiz diz que apresentará documentos

Questionado pela reportagem, Sergio Moro, por meio de sua assessoria, afirmou que o relatório da Justiça Eleitoral no Paraná é padrão em prestações de contas e natural neste período de pós-campanha.

Afirmou também que a equipe jurídica está em contato com a de contabilidade e que há um prazo de três dias para resposta, “data em que serão apresentados os documentos solicitados”.

O prazo para a entrega das contas eleitorais do primeiro turno nos TREs terminou no último dia 1º. Esse tipo de detalhamento da contabilidade é obrigatório para os candidatos e partidos políticos e tem o objetivo de garantir mais transparência à campanha eleitoral.

As contas são julgadas pela Justiça Eleitoral, que costuma levar em consideração os valores envolvidos em eventuais irregularidades e a proporção deles no montante total movimentado antes de declarar desaprovação da prestação.

Moro encontra Deltan e diz rejeitar barganha para integrar STF ou governo Bolsonaro

O ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, recém-eleitos para o Congresso no Paraná, se encontraram em participação no podcast Flow nesta segunda-feira (24), atacaram o ex-presidente Lula e defenderam o voto no presidente Jair Bolsonaro

Moro e Deltan foram duas das principais autoridades da Operação Lava Jato, que teve sua credibilidade afetada depois da divulgação de conversas no aplicativo Telegram que mostraram colaboração entre os dois nos processos

O ex-juiz, eleito para o Senado pelo partido União Brasil, rechaçou no programa a possibilidade de voltar a ocupar um cargo em eventual novo governo Bolsonaro (PL) e a hipótese de “barganhar” uma vaga no Supremo Tribunal Federal

Em debate na TV na semana passada, Moro apareceu assessorando Bolsonaro nos bastidores. Ele foi ministro da Justiça por um ano e quatro meses e pediu demissão em 2020 acusando o presidente de intervenção na Polícia Federal

“Tenho minhas divergências com o Bolsonaro. Não estou reescrevendo o passado, quero deixar isso claro. Mas nesse momento a prioridade é derrotar o PT e o Lula.”

Quando o apresentador afirmou que foi esquisito vê-lo ao lado do aliado novamente, Moro disse: “É estranho, mas vou dizer o seguinte. Não vou compor o governo. Não vou ser ministro do governo. Eu não barganhei vaga no Supremo. Vou ser um senador independente.”

Deltan, eleito para a Câmara pelo partido Podemos, listou motivos para não votar no PT e disse que o momento é de unir contra eventual volta de Lula “Eu tenho várias ressalvas [a Bolsonaro] que já expressei publicamente no passado”, disse

O ex-procurador chegou a mencionar como razões para não votar no PT pautas como aborto e o preconceito religioso

Moro e Deltan foram questionados sobre a compra de imóveis pela família Bolsonaro com dinheiro vivo e disseram não conhecer detalhes do assunto e que todo caso do tipo deve ser investigado. Mas afirmaram que as dimensões não são comparáveis com os escândalos petistas

Os dois também criticaram a falta de transparência nas emendas de relator do Orçamento, uma das marcas da gestão Bolsonaro na relação com o Legislativo

“O grande problema é que retira do governo federal a capacidade de fazer grandes investimentos”, disse Moro, que falou ainda em “certa cooptação de votos”

O ex-juiz, porém, disse que não há como comparar o modelo com o escândalo do mensalão, ocorrido durante o governo Lula

Sobre as afirmações de Lula de que houve perseguição política na Lava Jato, os dois disseram que houve um trabalho coletivo que envolveu diversas instituições e que atingiu outros partidos também

“Que complô é esse formado por dezenas ou centenas de funcionários públicos concursados?”, disse Deltan

Deltan falou sobre a sua exoneração do Ministério Público e disse que nunca teve vontade de ser político. “Nem hoje tenho”, disse

Afirmou que só tomou essa decisão porque entendeu que seu trabalho na Procuradoria estava cerceado por decisões do Supremo e mudanças legislativas

Moro disse discordar de quem fala que houve excessos na Lava Jato e ironizou as acusações de colaboração entre juiz e acusação: “[Deltan] Nunca me pagou uma janta. Não tem essa proximidade, não”, disse, rindo.

TRE barra mudança de domicílio, e Moro não poderá ser candidato por SP

O TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo decidiu nesta terça-feira (7) rejeitar a mudança de domicílio eleitoral do ex-juiz Sergio Moro do Paraná para São Paulo.

Ainda caberá recurso. Moro havia decidido alterar sua documentação de eleitor em março, quando trocou também de partido, saindo do Podemos e indo para a União Brasil.

Em abril, a Folha de S.Paulo mostrou que Moro iria apresentar à Justiça Eleitoral como provas de vínculo com São Paulo comprovantes de moradia em um hotel e em um flat da capital paulista. A defesa, à época, afirmou que o estado era seu hub em viagens.

O questionamento tinha sido apresentado pelo deputado federal Alexandre Padilha e pelo PT.

O advogado de Moro, Gustavo Bonini, disse na sessão que negar a transferência ao ex-juiz seria “um ataque à democracia” porque a jurisprudência da Justiça Eleitoral ao longo das últimas décadas respaldou alterações de domicílio como essa.

Bonini citou também a situação do pré-candidato ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é criticado por adversários pela falta de vínculo com São Paulo.

Única candidatura do PL, com Afif, teve embate com Collor e Guedes de ‘guru’

O estilo bastante formal do candidato pouco lembra a verborragia de Jair Bolsonaro. O partido e o porta-voz do programa econômico, porém, são os mesmos. Um de seus principais adversários também. Trinta e três anos depois, o PL (Partido Liberal) voltará a ter em 2022 uma candidatura própria à Presidência da República.

A única vez que isso tinha ocorrido foi em 1989, na primeira eleição da redemocratização, com o paulista Guilherme Afif Domingos, então deputado constituinte, na cabeça de chapa. Por grande coincidência, o principal nome da candidatura no campo econômico será novamente Paulo Guedes, à época um jovem economista e dirigente do IBMec (Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais), hoje ministro da Economia de Bolsonaro.

Afif atualmente é integrante da equipe econômica, como assessor especial do ministro. Hoje é filiado ao PSD. À época, chegou a frequentar o rol dos candidatos favoritos, diante de um cenário bastante embolado na corrida eleitoral. Concorreu com um forte apelo à classe média e um discurso de renovação política, embalado pelo jingle com o bordão “Juntos, chegaremos lá”, que marcou época na televisão. “Quanto maior o estado, mais empregos [políticos] vão ter para seus protegidos”, dizia em seu horário eleitoral na TV.

A condição de nome em ascensão motivou uma sequência de ataques, por exemplo, de Fernando Collor (então no PRN), líder nas pesquisas, e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que também será candidato na eleição presidencial agora, tal como 33 anos atrás. Um dos trunfos do candidato, na época com 46 anos, era a bandeira da modernização na economia, tema extremamente relevante em um período pré-plano Real, com o país imerso em uma hiperinflação persistente e em meio à chamada “década perdida”.

O postulante criticava a “estatocracia” e prometia “menos governo e mais empresas” e foco no pequeno empreendedor. Guedes aparecia nos jornais com planos que até soam familiares ao eleitor hoje, como reforma administrativa, privatização e controle de gastos. Não que Afif precisasse de um economista fiador para sua campanha, papel que o atual ministro da Economia acabaria exercendo com Bolsonaro em 2018. Com trajetória de atuação em entidades empresariais, tinha já bastante simpatia nesse meio.

O jornal O Globo registrou que, em debate com economistas dos candidatos na Firjan (federação das indústrias do Rio), as propostas de Guedes foram as que mais agradaram à plateia e anotou que “a espirituosidade” dele arrancou aplausos dos espectadores. Em outro texto publicado na época, o economista sugeria uma nova moeda para o país, chamada de “Brasilis”, com a sigla BR$.

Seria a maior experiência do atual ministro na política até a eleição de Bolsonaro. Afif, hoje, diz que defendia já naquela época no programa de combate à inflação um “colchão social” nos moldes do atual auxílio emergencial. “Nós nos conhecemos porque eu fui o primeiro candidato que vinha com uma bandeira liberal, por um partido liberal. Então, você atrai. Nos encontramos por intermédio de amigos, tinha uma turma que se entusiasmou com a minha campanha. Procuravam aqueles com que se identificavam”, relembra Afif.

Em discursos, o então presidenciável prometia um governo de apenas 13 ministérios. Acordos voluntários de trabalho, extinção de autarquias, Banco Central independente e revisão de incentivos fiscais eram alguns dos itens incluídos em seu programa. Com a vitória de Bolsonaro e o convite de Guedes para ingressar no governo, foi possível colocar algo dos planos de três décadas atrás em prática? “Você tenta, né… Muita coisa está acontecendo, principalmente no campo que eu defendo. Nunca se teve um sistema de crédito tão forte para a pequena empresa como agora”, diz o ex-presidenciável.

Na eleição de 1989, Afif saiu do 1% nas pesquisas da pré-campanha para marcar 8% no Datafolha já durante o horário eleitoral na TV, patamar expressivo em uma disputa muito acirrada. Vinha com o status de um dos deputados mais votados do país em 1986. Obteve apoio de dissidentes de outros partidos, como Jorge Bornhausen, do PFL, e de dezenas de colegas parlamentares.

O PL, que conquistara o registro eleitoral apenas em 1988 a partir de uma cisão do PFL, ainda possuía poucos deputados e não tinha a atual tendência de proximidade com evangélicos. “Eu era um outsider. Não tinha pedido a bênção a nenhum cacique [partidário]”, diz. De olho no eleitorado mais à direita, Collor encerrava seu espaço na televisão com ataques, questionando posições de Afif na Assembleia Constituinte, como a contestação ao voto de jovens de 16 anos.

A iniciativa era vista como uma estratégia de atacar o conservadorismo de um adversário para ser visto como mais progressista. O candidato do PL rebatia com insinuações sobre o financiamento do rival e acusações de “molecagem”. Como foi comum naquele ano, a rivalidade se converteu em confusão entre militantes nas ruas. No interior de Minas, seus apoiadores causaram tumulto em comício de Collor, segundo relatou a Folha na época.

“A mídia apostava nos grandes partidos, na máquina fabulosa do PMDB, Ulysses Guimarães, no PFL. Eu apostava que o novo iria vingar naquela eleição. As máquinas partidárias tradicionais eram ‘fora da especificação’ do mercado consumidor: o povo queria novidade”, recorda Afif. O fôlego da candidatura, porém, foi se perdendo na reta final. Collor consolidou a liderança, e a outra vaga no segundo turno foi decidida quase voto a voto na esquerda, entre Lula e Leonel Brizola, do PDT.

Afif ficou apenas na sexta posição, com menos de 5% dos votos válidos. O ex-governador de Alagoas acabaria eleito em segundo turno contra Lula. Hoje, é senador pelo Pros de Alagoas e apoiador do atual presidente. Bolsonaro, naqueles tempos, ainda era um vereador novato no Rio de Janeiro –coincidentemente pelo partido PDC, que estava coligado com o PL.

A carreira do ex-presidenciável não voltaria mais a ter tamanho destaque. Afastou-se da política após perder uma eleição para o Senado em São Paulo e só voltaria a ser eleito novamente para um cargo público em 2010, pelo DEM, como vice de Geraldo Alckmin no Governo de São Paulo, então no PSDB. Ainda naquele mandato, se aproximou da então presidente Dilma Rousseff (PT) e se tornou ministro da pasta da Micro e Pequena Empresa. Hoje, descarta ter participação na campanha de Bolsonaro.

O PL, que se chamou PR de 2006 a 2019, chegou a lançar à Presidência em 1994 o então deputado Flávio Rocha, que desistiu ainda no início da campanha. Só teve papel relevante em uma eleição presidencial em 2002, quando indicou o vice na vitoriosa chapa de Lula, com José Alencar, já sob as ordens de Valdemar Costa Neto, atual chefe da legenda.

Moro tem 8 das 45 sentenças da Lava Jato anuladas, e novas análises travam no STF

Trunfo eleitoral de Sergio Moro na campanha para presidente da República, o trabalho dele como magistrado à frente da Operação Lava Jato vem sendo cada vez mais revisto nas instâncias superiores do Judiciário.

Das 45 sentenças expedidas de 2014 a 2018 por Moro no âmbito da operação, 8 já foram anuladas no STF (Superior Tribunal Federal) ou no STJ (Superior Tribunal de Justiça), a maioria no último ano.

A mais emblemática delas foi a decisão que invalidou condenação do ex-presidente Lula, seu provável adversário na eleição, no chamado caso tríplex de Guarujá (SP). Além da condenação do petista, outras cinco sentenças assinadas por Moro foram revistas em 2021 nas instâncias superiores.

Em três delas, o motivo para a reviravolta foi o entendimento fixado no STF, em 2019, de que casos de corrupção que envolvem caixa eleitoral devem tramitar na Justiça Eleitoral, e não na Justiça Federal, como acontecia nos primeiros anos da Lava Jato.

Esse precedente levou à anulação, por exemplo, de condenações do ex-ministro Antonio Palocci e do marqueteiro João Santana, expedidas por Moro em 2017, e do pecuarista José Carlos Bumlai, que tinha sido despachada em 2016.

Nenhuma das anulações de 2021 envolveu tecnicamente uma absolvição. Os tribunais entenderam que os casos tramitaram em jurisdição incorreta e decidiram que deveriam voltar a ser analisados no foro adequado. Em tese, o novo juiz pode ainda revalidar medidas expedidas anos atrás na Vara Federal de Curitiba.

Na ação penal do tríplex, no entanto, além da questão da jurisdição, o Supremo também considerou que Moro agiu de modo parcial na condução do processo e determinou inclusive a anulação de ordens despachadas em medidas de investigação, como autorização para quebras de sigilo.

O Ministério Público Federal no DF, que recebeu o caso do apartamento de Guarujá, considera que as acusações contra Lula já prescreveram –portanto, não deve ter mais desdobramentos na Justiça.

Uma das anulações de 2021 reverteu condenação de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Assim como aconteceu no julgamento do recurso de Lula, a sessão no STF, em setembro, foi marcada por críticas aos métodos da Lava Jato. O ministro Gilmar Mendes afirmou que havia um “problema psicológico e psiquiátrico” e que o Supremo ficou “submetido à República de Curitiba”.

Antes da atual sequência de anulações, Moro teve duas sentenças invalidadas em 2019, por causa de um outro aspecto que motivou debates no STF.

Naquele ano, a corte entendeu que réus delatores e réus delatados precisam de prazos distintos para apresentar suas manifestações nos processos, diferentemente do que vinha ocorrendo na Lava Jato.

Com isso, foram tornadas sem efeito sentenças expedidas pelo magistrado contra o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine e contra dois ex-executivos da estatal. Nesses dois casos, os processos foram “rejulgados” na própria Vara Federal de Curitiba.

O sucessor de Moro no posto de titular dos casos da operação, Luiz Bonat, após ouvir as partes conforme as determinações do Supremo, também decidiu pela condenação, em 2020.

A sequência de revisão de antigas condenações deve ter mais capítulos neste ano, com a apreciação de novos pedidos das defesas. Em 2019, reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que quase 30% das sentenças expedidas na Lava Jato no Paraná envolviam caixa eleitoral, fator que tem justificado as reviravoltas.

Ações penais ainda não sentenciadas e inquéritos em tramitação também têm sido retirados de Curitiba com base nesse argumento.

Também assinou sentenças na Lava Jato em Curitiba a juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula em 2019 no caso do sítio de Atibaia (SP). Essa condenação também foi anulada no Supremo no ano passado.

Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o ex-juiz Sergio Moro respondeu: “Em nenhum dos casos, o STF inocentou os acusados dos crimes de corrupção, apenas anulou condenações por motivos formais. A Justiça precisa voltar a funcionar contra pessoas poderosas que cometem crimes”.

Moro se filiou ao partido Podemos em novembro de olho na eleição presidencial deste ano.

ANÁLISES TRAVADAS

Além da anulação de antigas sentenças, o trabalho de Moro na Lava Jato é afetado pela falta de decisão definitiva sobre os processos nas instâncias superiores.

Levantamento da reportagem identificou apenas cinco sentenças no STF que já transitaram em julgado (esgotaram todos os recursos) na corte. Das 45 expedidas pelo ex-magistrado, porém, cerca de 10 não foram nem serão enviadas à instância máxima do Judiciário porque envolviam réus delatores (que não têm mais interesse em recorrer) ou porque as partes acabaram não mais contestando os vereditos dados.

Um desses casos envolveu uma absolvição: o ex-deputado pelo PT André Vargas, condenado por Moro a 4,5 anos de prisão, foi absolvido em segunda instância em uma das ações em que era réu.

Há ao menos outros oito recursos com análise pendente no Supremo atualmente, e nenhum deles teve andamento em 2021. O relator responsável é o ministro Edson Fachin, que hoje tem sido voto vencido na Segunda Turma da corte, grupo de cinco ministros que despacha casos da operação.

O trio formado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques costuma votar contra as teses da acusação na Lava Jato. O cenário só deve mudar em 2023, com a aposentadoria de Lewandowski.

A falta de decisões definitivas faz com que os réus não comecem a cumprir as punições decretadas na primeira instância. Conforme entendimento fixado pelo Supremo em 2019, a prisão de condenados só deve ocorrer quando não houver mais recursos pendentes no Judiciário.

No STJ, há ao menos outros 13 recursos contra sentenças de Sergio Moro sendo apreciados. No ano passado, o relator dos casos no tribunal, Felix Fischer, de histórico de votos favoráveis à Lava Jato, pediu licença por motivos de saúde.

Assumiu o posto de maneira temporária o desembargador Jesuíno Rissato, convocado do Tribunal de Justiça do DF. Ele foi o responsável pela anulação da sentença de Palocci, em dezembro.

O volume de questionamentos apresentados pelas defesas em casos da Lava Jato despertou reprimendas em despachos na corte. O ministro Jorge Mussi afirmou que um dos advogados agia violando a lealdade processual, apenas para protelar a decisão final, “em desrespeito ao Poder Judiciário”.

Ex-dirigentes de empreiteiras, como Engevix e Mendes Júnior, e políticos, como José Dirceu e Sérgio Cabral, estão com casos nessa fila de julgamentos.

AS SENTENÇAS DE MORO REVISTAS EM 2021:

– Caso tríplex, sentenciado em 2017

Alvo principal: Lula

Motivo da anulação: STF considerou que o caso deveria tramitar no DF e que o juiz foi parcial

​- Caso Benin, sentenciado em 2017

Alvo principal: Eduardo Cunha

Motivo da anulação: Turma do STF entendeu que houve manipulação de competência e que o caso deveria tramitar na Justiça Eleitoral

– Caso Cenpes, sentenciado em 2018

Alvos principais: Paulo Ferreira, ex-tesoureiro do PT, e empreiteiros

Motivo da anulação: Ministros do STJ entenderam que o caso é de atribuição da Justiça Eleitoral, conforme precedente do Supremo

– Caso Schahin, sentenciado em 2016

Alvos principais: José Carlos Bumlai e executivos da empreiteira Schahin

Motivo da anulação: Ministros do STJ entenderam que o caso é de atribuição da Justiça Eleitoral

– Caso campanha petista, sentenciado em 2017

Alvos principais: Antonio Palocci, João Santana e executivos da Odebrecht

Motivo da anulação: Ministro do STJ entendeu que caso é de atribuição da Justiça Eleitoral

– Caso Transpetro, sentenciado em 2018

Alvo principal: José Antônio de Jesus, ex-executivo da Transpetro

Motivo da anulação: Justiça seguiu entendimento do STF de que ações sobre essa estatal devem tramitar no DF

SENTENÇAS REVISTAS EM 2019:

– Caso Bendine, sentenciado em 2018

Alvo principal: Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras

Motivo da anulação: Turma do STF entendeu que réus delatores e réus delatados deveriam ter sido ouvidos em prazos distintos

– Caso ex-gerentes, sentenciado em 2018

Alvos principais: Márcio Ferreira e Edison Krummenauer, ex-executivos da Petrobras

​Motivo da anulação: STF entendeu que réus delatores e réus delatados deveriam ter sido ouvidos em prazos distintos

Delatores da Lava Jato amargam situação pior do que a de ex-presos

O marqueteiro João Santana ainda tem que prestar serviços à comunidade. O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, permanece em regime domiciliar. O ex-deputado Pedro Corrêa precisa de autorização judicial até para ir se vacinar contra a Covid.

Delatores da agora esvaziada Lava Jato se tornaram uns dos poucos acusados que ainda cumprem restrições em decorrência de processos da operação, que tem sofrido uma série de derrotas nos tribunais, com a anulação de casos.

Se anos atrás a possibilidade de sair da prisão com acordo de colaboração era vista como atraente –quase uma regalia pós-confissão– diante da sombria perspectiva de anos nas cadeias do Paraná, agora a situação se inverteu.

Ex-presos que não fecharam acordo e conseguiram habeas corpus hoje permanecem praticamente sem maiores limitações, enquanto os delatores ainda amargam as consequências dos compromissos firmados quando a Lava Jato parecia invencível.

Os ex-deputados Eduardo Cunha (MDB) e José Dirceu (PT), por exemplo, aguardam em liberdade o julgamento de recursos contra suas condenações e voltaram a atividades políticas. Os dois fizeram turnês de lançamento de livros de memórias.

Isso porque seus processos foram anulados ou estão longe de ter uma decisão definitiva. Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal entende que a prisão de condenados só deve ocorrer quando não houver mais recursos pendentes nas cortes superiores.

Com a eclosão da pandemia da Covid-19, em 2020, vários dos que ainda permaneciam presos conseguiram o direito de deixar o regime fechado.

Com a operação no ostracismo –sua força-tarefa foi extinta em fevereiro–, suas antigamente frequentes prisões preventivas deixaram de ser feitas. Somado a isso, tem ocorrido uma série de anulações de antigas sentenças da operação. O ex-juiz Sergio Moro foi declarado parcial em sua atuação relacionada ao ex-presidente Lula (PT).

O único nome de expressão nacional que está detido até hoje é o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB), condenado no Paraná e no Rio.

No auge da operação, os acordos de colaboração firmados frequentemente previam a saída da cadeia com o pagamento de multas, mas mediante uma série de imposições, como período de prisão domiciliar ou recolhimento noturno e uso de tornozeleira.

A fórmula despertava críticas das defesas dos não delatores, que viam possível estímulo a depoimentos falsos e benefícios sem previsão na legislação brasileira.

Lula, em 2017, afirmou que os delatores recebiam um prêmio “para conviver com a riqueza que roubaram”.

Os acordos forneciam aos investigadores provas em escalas inéditas até então, abriam novas frentes de apuração e se tornaram uma das chaves à época do sucesso da operação.

Hoje, mesmo aqueles que já cumpriram os períodos determinados de regime domiciliar ou aberto geralmente ainda têm que cumprir obrigações de longo prazo, como prestar contas de suas atividades à Justiça.

Pode parecer mera burocracia, mas, com o delator Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, houve até advertência de um juiz do Paraná por falta de cuidado e de detalhamento nesses relatórios.

“Deve compreender a descrição das atividades realizadas, de modo pormenorizado, com a especificação não apenas da data, mas também do horário e a indicação detalhada dos atos e pessoas envolvidas nas atividades”, escreveu a ele em 2020 o magistrado Danilo Pereira Júnior.

Um dos principais políticos que viraram delatores, o ex-ministro de governos do PT Antonio Palocci só agora recebeu autorização para retirar a tornozeleira eletrônica.

Ele deixou o regime fechado há três anos e só conseguiu o benefício de tirar a tornozeleira na última quinta-feira (23), porque o Superior Tribunal de Justiça decidiu anular condenação que ele havia sofrido em 2017. Palocci, diferentemente de outros delatores, firmou acordo de colaboração com a Polícia Federal.

É incerto até o momento, porém, o efeito sobre os acordos de réus delatores na anulação de outras sentenças da operação nos tribunais superiores. É possível que eventuais renegociações sejam definidas caso a caso.

Além das restrições e das indenizações, os acordos de colaboração também preveem que permaneça a cooperação e depoimentos em processos e investigações.

O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, que não chegou a ser preso, se comprometendo a devolver US$ 97 milhões, terá que comparecer semestralmente ao juízo até 2031, segundo os documentos da Justiça.

Um dos condenados colaboradores da Odebrecht, o ex-executivo Alexandrino de Alencar, tido como elo da empreiteira com Lula, se queixou em petição em setembro da “excessiva onerosidade da sanção” pactuada em seu acordo, firmado em 2016, e mencionou a anulação de uma das sentenças neste ano.

A Justiça Federal também tem cobrado os custos do monitoramento eletrônico dos delatores, como o operador Jorge Luz, a doleira Nelma Kodama e o ex-executivo da OAS Agenor Franklin Medeiros.

Para Medeiros, que chegou a ser condenado no mesmo caso de Lula, o do tríplex de Guarujá (SP), o recolhimento domiciliar noturno e aos fins de semana irá até 2024.

No caso de Jorge Luz, considerado o decano dos lobistas na Petrobras, a conta da tornozeleira por ano é de R$ 1.850.

O marqueteiro Santana só em outubro deste ano obteve autorização para encerrar o recolhimento noturno e o monitoramento eletrônico. Ele interrompeu a prestação de serviços à comunidade durante a pandemia da Covid-19.

Desde abril, Santana é o principal nome da equipe de comunicação do presidenciável Ciro Gomes (PDT) para a campanha de 2022. Antes, o publicitário havia coordenado o marketing das candidaturas petistas a presidente de 2006 a 2014 e chegou a ficar quatro meses preso. Recebe do PDT remuneração de cerca de R$ 250 mil mensais.

Nesta campanha, terá como um dos alvos o juiz que o mandou prender, Moro, recém-filiado ao partido Podemos.

Só na Lava Jato no Paraná, foram firmados mais de 200 acordos de colaboração premiada desde 2014, primeiro ano da operação.

Procuradores dizem que, com a decisão do Supremo sobre a prisão em segunda instância e com as mudanças na regulamentação das delações, sancionadas em 2019, a motivação para mais acordos caiu, afetando novas investigações.

 

Alguns dos delatores da Lava Jato do Paraná que ainda cumprem restrições:

  • Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS
  • Pedro Corrêa, ex-deputado federal pelo PP-PE
  • João Santana, ex-marqueteiro do PT
  • Adir Assad, ex-operador financeiro
  • Jorge Luz, ex-operador financeiro
  • Erton Fonseca, ex-diretor-presidente da Galvão Engenharia
  • Flávio Gomes Machado, ex-executivo da Andrade Gutierrez

Alvo da CPI da Covid, empresário amigo de Barros fez delação para pagar R$ 3 mi em troca de perdão judicial

O advogado e empresário Marcos Tolentino da Silva, que será ouvido na CPI da Covid nesta quarta-feira (1), tem um acordo de delação firmado no âmbito da Operação Ararath, em Mato Grosso, no qual se comprometeu a pagar R$ 3 milhões aos cofres públicos para obter perdão judicial.

Dessa quantia, um terço foi destinada em 2020 por um juiz federal para a construção de um laboratório de testes da Covid-19 no estado.

Tolentino, que é dono do canal de TV Rede Brasil, se tornou réu em 2016 acusado de lavagem de dinheiro em um processo que aborda a compra de vagas no Tribunal de Contas do Estado.

Em 2018, fechou um acordo homologado pela Justiça no qual o Ministério Público Federal estipulou que ele não poderia sair do país sem autorização judicial. Em 2014, um de seus endereços havia sido alvo de buscas da Polícia Federal na Ararath -ele não foi preso.

O empresário será ouvido na CPI devido à suspeita de que seja um sócio oculto da FIB Bank Garantias, empresa usada pela Precisa Medicamentos para oferecer uma carta de fiança ao Ministério da Saúde em negociação para a compra da vacina indiana Covaxin.

Reportagem da Folha em julho mostrou que o endereço da Rede Brasil de TV é o mesmo de duas empresas acionistas da FIB Bank. Tanto Tolentino quanto a FIB Bank negam a hipótese de sociedade oculta.

O empresário é amigo do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), parlamentar aliado do presidente Jair Bolsonaro e investigado na CPI por suposta atuação na negociação de vacinas.

Na Operação Ararath, Tolentino se viu envolvido ao negociar a venda de uma retransmissora de sua TV em Cuiabá, ocorrida em 2009.

Segundo denúncia do Ministério Público Federal apresentada no processo em que ele virou réu, duas empresas dele, Paz Administradora e Benetti Prestadora de Serviços, receberam em 2009 quase R$ 3 milhões (em valores da época) pagos por firmas integrantes de um esquema de “banco clandestino” que operava no estado, alvo principal da Ararath.

Esse “banco clandestino”, segundo a acusação, fazia operações financeiras ilegalmente, como empréstimos e cobrança de juros, e era supostamente abastecido com dinheiro de desvios de recursos do estado.

O Ministério Público Federal apontou ligações do suposto esquema com os ex-governadores Silval Barbosa, hoje delator, e Blairo Maggi, este alvo de denúncia à parte, que já foi trancada na Justiça.

A acusação aponta que a quantia foi paga às empresas de Tolentino em decorrência de uma negociação financeira por uma vaga no Tribunal de Contas.

Os procuradores disseram que uma das vagas de conselheiro no órgão foi “comprada” de um membro que iria se aposentar, favorecendo Sérgio Ricardo de Almeida, ex-presidente da Assembleia Legislativa, que seria indicado para o posto.

A denúncia diz que a negociação acabou desfeita, e como forma de “devolução” do dinheiro de propina anteriormente paga por Almeida, as empresas do “banco clandestino” arcaram com a compra, para ele, da Rede Mundial de Televisão, de Tolentino.

Os procuradores afirmam que cheques de terceiros foram depositados nas contas das companhias do advogado e que isso dificultou o rastreamento dos recursos.

O empresário foi acusado de “dissimular a origem, a natureza e o destino dos valores” que passaram a circular em suas empresas e que têm origem em dinheiro obtido de forma ilícita. “O pagamento deu-se de forma que, no mínimo, causaria constrangimento ao recebedor”, escreveram os procuradores.

Em seu acordo de colaboração, o empresário disse que recebeu de Almeida cheques pré-datados emitidos por terceiros, com os quais não tinha relação comercial, como forma de pagamento pela venda da emissora. Também disse ter sofrido ameaças do conselheiro do Tribunal de Contas, que está afastado do cargo.

O processo ainda não foi sentenciado e permanece sob sigilo. Segundo a Justiça Federal, ainda está na fase de diligências, que antecede as alegações finais.

Tolentino, 56, adquiriu a partir de 2006 as emissoras que formam a Rede Brasil, a qual ele se refere como uma das maiores redes de TV do país. O canal, que passa boa parte da programação exibindo filmes e séries antigos, tem em seu time de apresentadores o ex-senador Magno Malta (PL-ES) e o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP).

Na TV, o empresário já foi jurado do programa de Raul Gil e, como advogado, tem atuação com compra e venda de precatórios judiciais. Na política, ele é filiado ao partido Patriota em Minas e chegou a se lançar candidato à Câmara dos Deputados em 2014, mas desistiu.

Além de Ricardo Barros, outro político com o qual tem proximidade é o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos-SP), ex-candidato a prefeito de São Paulo.

Os dois são sócios, e o político já dirigiu o conselho de administração da emissora e apresentou programas na Rede Brasil.

Em 2016, a Folha mostrou que Russomanno possuía um helicóptero em sociedade com a empresa Paz Administradora de Ativos, que pertence à mulher de Tolentino, Vanessa.

Empresário alega segredo de Justiça e não comenta A reportagem procurou Marcos Tolentino para falar sobre a sua colaboração em Mato Grosso. O empresário respondeu apenas: ” corre em segredo de Justiça portanto sem a possibilidade de qualquer informação ou comentário de minha parte”.

Em contato com a Folha em 2020, ele havia afirmado que cooperou com o Ministério Público Federal “para a correta eludicação dos fatos”.

Disse, na ocasião, que o comprador da emissora de TV havia quitado o negócio com valores “com vícios de origem”, que em nada o envolviam. Também afirmou que buscaria reparação indenizatória pelo prejuízo na esfera cível.

À Justiça Sérgio Ricardo de Almeida tem negado as suspeitas e ainda acusado o empresário de manipulação. Afirma que o delator usou documentos falsos para justificar milhões que chegaram às contas das empresas.

ENTENDA A OPRAÇÃO ARARATH

Frequentemente comparada com a Lava Jato, a Operação Ararath foi deflagrada em 2013 em Mato Grosso, tendo inicialmente como foco a atividade de “bancos clandestinos” (empresas que emprestavam dinheiro sem ter autorização para isso). Assim como a operação originada no Paraná, a partir de delações seu campo de apuração foi sendo ampliado, atingindo elos com negócios públicos do estado.

Uma força-tarefa no Ministério Público Federal foi formada para trabalhar nos casos em 2014. Autoridades do estado, como os ex-governadores Blairo Maggi e Silval Barbosa, ex-secretários estaduais e o atual prefeito de Cuiabá, EmanuelMedicamento pediu a Elcio Franco, então número dois da Saúde, que pagamento fosse internacional, em dólar, a partir de in Pinheiro (MDB), também sofreram acusações.

Tribunal manda trancar ação penal contra Lula em caso da Guiné Equatorial

O TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) determinou nesta segunda-feira (9) o trancamento da única ação penal contra o ex-presidente Lula que tramitava em São Paulo.

No processo, o petista era acusado de lavagem de dinheiro por meio de doações feitas ao Instituto Lula pela empreiteira ARG, que possuía negócios em Guiné Equatorial, na África. A ação tinha sido aberta em 2018, em um desdobramento da Lava Jato, e incluía como réu o empresário Rodolfo Giannetti Geo.

Os juízes da Quinta Turma da corte regional seguiram de maneira unânime decisão do magistrado Paulo Gustavo Fontes, que havia determinado em liminar a suspensão da ação penal em julho.

A defesa do ex-presidente havia argumentado que essa acusação se baseava em provas obtidas em buscas da Lava Jato paranaense, ordenadas pelo então juiz Sergio Moro em 2016.

Como o Supremo Tribunal Federal declarou neste ano Moro suspeito para atuar em um dos casos do petista, os advogados afirmaram em pedido de habeas corpus que também o caso de Guiné Equatorial deveria ser revisto, uma vez que as medidas anuladas “contaminam” os passos posteriores.

Os juízes concordaram com a tese. A ementa do acórdão da sessão desta segunda-feira diz: “Uma vez declarada nula, contamina todos os atos subsequentes, como decorrência da doutrina dos frutos da árvore envenenada”. ​

O juiz federal Fontes escreveu no mês passado que era relevante “a arguição defensiva de que a prova na qual se baseia o feito originário seria nula, ainda que por derivação”.

Na denúncia, o Ministério Público havia utilizado emails do Instituto Lula obtidos na 24ª fase da Lava Jato, em 2016.

Em uma das mensagens, de 2011, o ex-ministro Miguel Jorge diz que o ex-presidente havia dito a ele que gostaria de “falar com a ARG sobre o trabalho deles em Guiné Equatorial” e que Rodolfo Geo havia prometido uma “contribuição financeira bastante importante” ao instituto.

Meses depois, Lula escreve uma carta ao presidente Teodoro Obiang “através do amigo Rodolfo Geo, que gentilmente se fez de portador” afirmando que a ARG é uma “empresa que já desde 2007 se familiarizou com a Guiné Equatorial, destacando-se na construção de estradas”.

Em 2012, a ARG doou R$ 1 milhão ao instituto.

VITÓRIAS RECENTES DE LULA NO JUDICIÁRIO

A decisão desta segunda-feira se soma a uma série de vitórias da defesa de Lula em diferentes instâncias do Judiciário recentemente.

Em março, o ministro do STF Edson Fachin decidiu anular as duas sentenças expedidas contra Lula no Paraná, por considerar que não era atribuição da Vara Federal de Curitiba julgar esses casos.

Posteriormente, outros ministros referenderam a determinação, e Lula recuperou seus direitos políticos.

Na sequência, a Segunda Turma do Supremo também decidiu considerar Sergio Moro parcial no julgamento do caso tríplex de Guarujá (SP), que havia resultado na prisão de Lula por um ano e sete meses, entre 2018 e 2019.

Essa decisão também anulou medidas de Moro tomadas antes da tramitação da ação, como as ordens de busca.

Conforme decidido pelo Supremo, os casos que estavam no Paraná deveriam recomeçar sua tramitação no Distrito Federal.

Em junho, o ex-presidente foi absolvido em processo que tramitava desde 2017 no DF sobre suposta propina em medida provisória que beneficiou montadoras.

No Distrito Federal, ele permanece como réu em processo sobre a compra de caças pelo governo federal, no qual seu filho mais novo, Luís Cláudio, também é acusado. Há ainda ação relacionada a suposta propina da Odebrecht, que inclui como réus os ex-ministros Paulo Bernardo e Antonio Palocci.

Além disso, o Ministério Público Federal no DF já ratificou uma das denúncias enviadas, após a decisão do Supremo, do Paraná para Brasília, a que trata da compra de um terreno para o Instituto Lula pela Odebrecht.

Especialistas veem possível crime de responsabilidade e improbidade de Bolsonaro em live

Para o professor de direito Roberto Dias, da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, o comportamento do presidente Jair Bolsonaro na transmissão desta quinta-feira (29), na qual pôs em dúvida a confiabilidade do sistema eletrônico de votação, tem elementos que podem ser enquadrados em crimes de responsabilidade, estabelecidos na lei que regulamenta o impeachment.

Bolsonaro trouxe na transmissão teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente, como vídeos sobre o assunto.

Segundo o professor, que é especialista em direito constitucional, um dos artigos que podem ter sido infringidos é o que trata da violação pelo presidente “de qualquer direito ou garantia individual”.

O direito do cidadão ao voto, para o acadêmico, pode ser incluído dentro desse conceito.

“No fundo, ele está descredibilizando o voto, que é um direito fundamental. Quando ele fala que o voto é violado, é fraudado, no fundo, ele o que ele está fazendo é violar esse direito das pessoas. ‘Não façam isso, não votem, não acreditem no sistema eleitoral porque os votos não são reais’. Como o direito de voto é um direito fundamental, parece que é uma violação patente.”

Se o presidente da República defende que houve fraude nas eleições, diz o professor, “no fundo está violando a ideia de que as pessoas podem livremente exercer o seu direito de voto”.

Na transmissão, Bolsonaro também mencionou os protestos pelo voto impresso convocados pelos seus apoiadores para o próximo domingo (1º).

“Ele convoca a população para lutar a favor de uma causa que é ilegítima do ponto de vista constitucional. O Supremo já disse que é ilegítima. Então, é uma forma de subverter o sistema democrático por meio de suas entranhas, usando instrumentos democráticos, como o direito de manifestação”, diz Dias.

Outro item da Lei do Impeachment citado pelo professor é o que estabelece como crime de responsabilidade a “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Esse artigo tem sido citado com frequência em outros pedidos de impeachment já enviados à Câmara. São mais de cem solicitações que aguardam análise do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que é quem tem a atribuição individual de decidir sobre dar ou não seguimento.

Entre as motivações dos pedidos de impeachment apresentados, estão, por exemplo, a participação em atos antidemocráticos e declarações sobre a pandemia do coronavírus. Opositores citaram a questão do decoro no chamado “superpedido de impeachment”, protocolado há um mês, que menciona mentiras proferidas por Bolsonaro.

O professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Gustavo Binenbojm, especialista em direito constitucional e administrativo, diz que a eventual leviandade dos elementos que o presidente diz apontar como provas de fraude eleitoral não deve configurar por si só um crime de responsabilidade.

Mas considera que o mandatário já infringiu essa legislação anteriormente em diferentes situações no mandato.

Binenbojm afirma que, dentro das regras eleitorais, “quem faz afirmações sobre fraudes eleitorais tem um certo ônus de provar”.

“E isso pode ter consequências eleitorais”, afirma o professor, se referindo às leis que regulamentam as eleições e que preveem punições.

Para o acadêmico, a utilização nesta quinta-feira pelo presidente de veículos públicos, como a TV e canais oficiais na internet, tenderia mais para a discussão sobre probidade administrativa –não para um crime de responsabilidade.

“Ele teria que justificar para fins públicos , com um relator favorável na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e ele está se pronunciando.”

Psicanalistas veem cálculo político e gestão do ódio em atos de Bolsonaro

Manipulação de afetos, política do negativo e estratégia da cisão são algumas das expressões que psicanalistas ouvidos pela reportagem usam para se referir à estratégia do presidente Jair Bolsonaro de manter seu governo e seus apoiadores em confronto permanente.

Mesmo com o país imerso em uma crise sanitária que já deixou mais de 320 mil mortos, o presidente e seu entorno persistem em um embate político contínuo com alvos que vão de governadores a cientistas, além de Judiciário e Congresso.

A tática contribui para manter mobilizada sua base eleitoral em um momento em que o governo sofre críticas sucessivas pela gestão da pandemia do coronavírus e enfrenta a perspectiva de uma deterioração na economia.

A reportagem procurou um grupo de psicanalistas de diferentes abordagens e trajetórias profissionais para questioná-los sobre o comportamento do presidente à frente do cargo.

Há um ano, no início da crise sanitária, o jornal Folha de S.Paulo já tinha ouvido esses profissionais em reportagem sobre a postura dele à época e sua recusa em admitir a gravidade da crise. Na ocasião, alguns dos traços do comportamento mencionados eram indícios de lógica paranoica e estilo onipotente.

Desde então, uma das atitudes mais simbólicas do presidente foi a maneira desrespeitosa com a qual se referiu aos mortos pela Covid-19. Bolsonaro já disse, sobre os óbitos: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, “Não sou coveiro” e “Vão ficar chorando até quando?”.

Parte do grupo de especialistas vê nessa insistência um interesse em gerar inquietação na sociedade.

“Se o sujeito quer instaurar o caos, ele não pode demonstrar qualquer traço de empatia. Porque a empatia do líder faria com que houvesse empatia em alguma medida no tecido social. Eu apostaria também que isso seria um cálculo”, afirma o professor Marcelo Galletti Ferretti, professor da Escola de Administração da FGV (Fundação Getulio Vargas).

O professor diz que não se pode jamais olhar para os movimentos do presidente “como pura espontaneidade” e que também essas atitudes são uma forma de mobilizar e indignar “aqueles que o desdenham”.

Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Tania Coelho dos Santos, que é doutora em psicologia clínica, Bolsonaro mostra “um imenso despreparo para governar” e uma incapacidade de representar sua condição de chefe de Estado.

“Como todo líder populista, ele não sabe desempenhar o seu papel de representante eleito pelo voto. Sente-se cobrado pessoalmente pelos efeitos do que considera uma tragédia alheia à sua vontade e por isso reage com irritação como se estivesse sendo injustiçado.”

Segundo a professora, o presidente “parece gostar de bancar o homem corajoso, que despreza os riscos da ‘gripezinha'”.

Mesmo sob intensas críticas no meio político e sem conseguir montar uma base consistente no Congresso, Bolsonaro tem sido bem-sucedido até agora em manter um patamar considerável de apoio nas pesquisas de popularidade, o cacifando para a eleição do próximo ano.

Segundo o Datafolha, o percentual da população que considera seu governo ótimo ou bom nunca esteve abaixo de 29%. Na pesquisa mais recente, nos dias 15 e 16 de março, o índice foi de 30%.

O professor Tales Ab’Saber, da Universidade Federal de São Paulo, diz que Bolsonaro busca um afastamento radical de uma parte da sociedade em relação ao restante e mantém suas ações políticas “permanentemente no dissenso”, a ponto de encarar uma crise de saúde pública como uma guerra.

Chama esse estilo de “política da impertinência” e diz ver um desrespeito a mínimos contratos sociais. “A lógica de comunicação dele é para manter esse 30% e ele tem mantido. A política inteira dele é para isso. Não tem outra.”

A professora Miriam Debieux Rosa, da USP e da Rede Interamericana de Pesquisa em Psicanálise e Política, lembra que existe um grupo dentro do Palácio do Planalto batizado de “gabinete do ódio”, composto por assessores, tido como responsável por impulsionar material pró-governo e ataques.

Ela vê isso como uma face de uma “política dos afetos”, em que a animosidade é incitada e todo o entrave ao país passa a ser os opositores.

“Para pôr uma cortina de fumaça nessa total falta de interesse na gestão do país como um conjunto, há uma manipulação política da gestão pelo ódio.”

O escritor e psicanalista Mário Corso discorda quanto a haver uma grande tática política nas atitudes errantes da Presidência e diz que, nessas práticas, não há como “imaginar que está por trás um Maquiavel” –pensador morto em 1527 e fundador da ciência política moderna.

Para ele, se houvesse tal genialidade política, o presidente teria ao menos conseguido criar seu novo partido, algo que políticos muito menos expressivos já fizeram.

O presidente mantém sua popularidade em patamares razoáveis, diz o psicanalista, por apostar em uma política de viés negativo, que promete uma volta ao passado, “em que o politicamente correto não existia”.

“É algo que não precisa criar. É só usar do ressentimento e da impotência, do preconceito. É muito fácil fazer uma política do preconceito. É difícil fazer uma política que inove, não a que puxa para trás.”

O menosprezo à gestão da crise sanitária, a contínua exposição aos riscos e a resistência em relação à vacinação levaram desde o ano passado seus opositores a questionar as condições mentais do presidente de permanecer no posto.

O PDT, por exemplo, protocolou em março uma representação na Procuradoria-Geral da República pedindo a interdição do presidente. O partido argumentou que o mandatário age na “contramão dos atos que uma pessoa em plena saúde mental” manteria.

Um dos principais alvos de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), chamou o presidente de “líder despreparado e psicopata” em entrevista à CNN Internacional no último dia 22.

Para Marcelo Galletti Ferretti, essa “patologização” é ruim e favorece estigmas. “Não é a estratégia de dizer que ele é um psicopata que vai adiantar”, diz.

A psicopatia é uma doença mental caracterizada pelo sentimento de desprezo por obrigações sociais, falta de empatia e propensão à agressividade.

Mário Corso diz que um indicativo desse transtorno é haver um menosprezo pela lei.

“A gente sabe das intenções golpistas dele . Se ele pudesse redesenhar, fechar o STF, o Congresso, fazer a lei que quisesse, seria o sonho dele. A gente lê nas entrelinhas esse desprezo pela Constituição, pelo que é estabelecido e por impor uma vontade dele.”

Para Tales Ab’Saber, há hoje uma estrutura institucional complexa, que inclui interesses econômicos e multiplicidade de vozes na sociedade, que evita com que um líder autoritário “imponha um AI-5 porque ele quer”.

O professor diz que a democracia não pode “eleger um antissocial” sob o risco de pagar um preço alto, como ocorreu nos Estados Unidos antes de Donald Trump deixar a Presidência, em janeiro.

“Esse tipo de sujeito da política não acredita no comum, só acredita no próprio desejo. E faz de tudo para passar por cima de todas as outras regras, de todos os outros jogos, outros compromissos. Nem mesmo uma orientação científica comum para uma pandemia são capazes de aceitar. Ele quer gerir o mundo, sem outro. Esse é o antissocial.”