Congresso quer alterar todo o sistema político e eleitoral do país

Com a volta esta semana dos trabalhos no Congresso, a Câmara dos Deputados pretende votar propostas que visam alterar praticamente toda a legislação eleitoral e política do país, em uma reforma que, se entrar em vigor, será a maior da história desde a Constituição de 1988.

O Senado já aprovou antes do recesso um minipacote que, agora, aguarda análise dos deputados.

Entenda os principais pontos de cada uma das seis frentes de debate no Congresso, o estágio da tramitação de cada uma delas e o que pode mudar em relação ao que vigora hoje em dia.

 

1 – REVOGAÇÃO DE TODA A LEGISLAÇÃO ELEITORAL ORDINÁRIA E CONSOLIDAÇÃO DAS REGRAS EM UM ÚNICO CÓDIGO

  • O que é:

    projeto de lei complementar debatido por um grupo de parlamentares e relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das principais aliadas de Lira

  • Estágio de tramitação:

    texto está pronto para ser votado no plenário da Câmara

  • Próximos passos:

    caso seja aprovado, segue para votação no Senado. Para valer nas eleições de 2022, tem que estar aprovado e sancionado pelo presidente da República até o início de outubro, a um ano da disputa

2 – ALTERAÇÕES NAS REGRAS ELEITORAIS ESTABELECIDAS NA CONSTITUIÇÃO

  • O que é:

    proposta de emenda à Constituição relatada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP)

  • Estágio de tramitação:

    texto está pronto para ser votado na comissão especial da Câmara

  • Próximos passos:

    caso seja aprovado, segue para votação no plenário, onde precisa do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Para valer nas eleições de 2022, tem que passar ainda pelo Senado e ser promulgado até o início de outubro, a um ano da disputa

3 – VOTO IMPRESSO

  • O que é

    proposta de emenda à Constituição relatada pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR)

  • Estágio de tramitação:

    texto está pronto para ser votado na comissão especial da Câmara

  • Próximos passos:

    caso seja aprovado, segue para votação no plenário, onde precisa do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Para valer nas eleições de 2022, tem que passar ainda pelo Senado e ser promulgado até o início de outubro, a um ano da disputa

  • Principal ponto:

    Estabelece a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica. O projeto obriga a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, que seriam depositadas em uma urna, de forma automática e sem contato manual

4 – ​MINIRREFORMA ELEITORAL DO SENADO

  • O que é:

    projetos sobre temas eleitorais, já aprovados pelo Senado

  • Estágio de tramitação:

    aguardam votação pela Câmara

  • Próximos passos:

    caso sejam aprovados pelos deputados sem alteração, vão à sanção presidencial. Caso sejam alterados, voltam para análise do Senado. Para valer nas eleições de 2022, têm que estar sancionados até o início de outubro, a um ano da disputa

5 – FUNDO ELEITORAL

  • O que é

    previsão de gasto de dinheiro público na campanha de 2022, inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias

  • Estágio de tramitação:

    Aguarda sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro

  • Próximos passos:

    independentemente da decisão de Bolsonaro agora, valor final só será definido na discussão pelo Congresso do Orçamento-2022, a partir de setembro

6 – ​SEMIPRESIDENCIALISMO

  • O que é:

    texto ainda indefinido

  • Estágio de tramitação:

    nova proposta de emenda à Constituição pode ser apresentada ou pode ser usado texto já protocolado no ano passado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP)

  • Próximos passos:

    medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado em dois turnos de votação em cada Casa, com o apoio de ao menos 60% dos parlamentares.

Na pandemia, Congresso tenta emplacar a maior reforma política e eleitoral

Sob condução principalmente da Câmara, o Congresso tentará emplacar nos próximos dois meses a maior reforma eleitoral e política desde a Constituição de 1988. Atualmente há cinco frentes de debate já formalizadas e uma sexta em gestação, todas elas iniciadas em 2021, em meio à pandemia da Covid.

As mudanças pretendidas incluem temas como mudança do sistema de eleição de deputados e vereadores, exigência da impressão do voto eletrônico, simplificação de regras de transparência, amarras ao poder da Justiça Eleitoral, afrouxamento de punição pelo mau uso de verbas públicas e relaxamento das cotas criadas para incentivar a presença de mulheres e negros na política.

Um dos pontos de maior interesse dos parlamentares já saiu do papel, com a aprovação na quinta-feira (15) de proposta que triplica o Fundo Eleitoral –a verba para abastecer candidatos em 2022 pode saltar de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões.

O aumento, incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ainda tem um caminho a percorrer para entrar em vigor. O presidente Jair Bolsonaro, que é crítico do fundão, tem prerrogativa de vetar o dispositivo na LDO ou, posteriormente, no Orçamento de 2022, que será votado a partir de setembro.

A palavra final em ambos os casos, porém, cabe ao Congresso, que pode derrubar um eventual veto. Bolsonaro terá que optar entre desagradar sua base eleitoral e entrar em contradição com seu próprio discurso ou irritar sua base de apoio no Congresso. Em 2020, quando passou pela mesma situação, o presidente escolheu a primeira opção e sancionou o fundão de R$ 2 bilhões.

A iniciativa mais ousada no sentido de alterar a legislação eleitoral é capitaneada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Coube a ele criar um grupo de trabalho que pretende revogar toda a legislação eleitoral ordinária e substitui-la por um único código, além de duas comissões especiais para analisar a obrigatoriedade da impressão do voto eletrônico e outras mudanças na Constituição.

Entre as medidas mais polêmicas, está a substituição do sistema de eleição de deputados e vereadores pelo chamado “distritão”.

Hoje, vereadores e deputados –estaduais e federais– são eleitos pelo sistema proporcional. Os assentos nas Casas Legislativas são distribuídos de acordo com a votação total dos candidatos e do partido (voto na legenda). Os votos excedentes dos mais votados ajudam a puxar candidatos com menos votos.

No distritão, são eleitos os mais votados. Ou seja, toda a votação dada em excesso aos eleitos e a dada aos não eleitos não vale nada. Em vez de priorizar o apoio a partidos, o distritão fortalece o personalismo, com tendência de beneficiar políticos já bem colocados e celebridades.

Os três colegiados já estão prontos para votar os textos, com graus variados de possibilidade de aprovação.

Bandeira do bolsonarismo, o voto impresso quase foi derrotado em reunião na sexta (16), mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar.

O tema tem sido usado insistentemente por Bolsonaro para fazer ameaças golpistas contra as eleições de 2022. Ele já afirmou que se a mudança não ocorrer não haverá eleições. Uma reação de 11 partidos, porém, virou o jogo e, até essa sexta, garantia uma maioria para rejeitar a proposta.

Já a comissão especial relatada pela deputa Renata Abreu (Podemos-SP) –onde é discutido o distritão– deve votar o relatório também na primeira semana de agosto.

Dirigentes partidários também se colocaram contra a implantação do distritão. Embora o tema já tenha sido derrotado duas vezes na Câmara, nos últimos anos, a avaliação atual é que há votos suficientes para aprovação no plenário (pelo menos 308 de 513 deputados).

Os contrários tentam barrar a medida na comissão. Se isso falhar, há ainda a expectativa de que o Senado não priorize o tema.

O texto da deputada também impõe amarras no poder do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal de interpretar a legislação eleitoral –resoluções aprovadas com menos de um ano de prazo não valeriam nas eleições.

Essa é uma antiga demanda da classe política, que reclamou especialmente nas últimas eleições da decisão do TSE e do STF de determinar a distribuição proporcional de recursos de campanha entre candidatos brancos e negros.

Já o relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI) –que visa instituir o código eleitoral único–, foi finalizado na quinta. Ela traz uma série de medidas que simplificam e tornam menos rígidas as regras de prestação de contas, além de afrouxar punição a políticos que incorram em irregularidades.

O texto de Margarete ainda pretende proibir a divulgação de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das disputas, além de criar um suposto “percentual de acerto” dos institutos.

As duas medidas são criticadas por especialistas sob o argumento de que representam censura a informações relevantes para os eleitores.

Também desconsideram a natureza dos levantamentos, que apontam retratos do momento em que foram feitos, passíveis de mudanças até a hora exata do voto.

Já o Senado aprovou na terça (13) e quarta-feira (14) um pacote de projetos que estabelece, entre outros pontos, ampla anistia aos partidos que não cumpriram as cotas de gênero e racial nas eleições realizadas até agora.

Um dos textos prevê cota de cadeiras femininas nos Legislativos (18% em 2022, chegando a 30% em 2038), mas retira a exigência de que os partidos lancem ao menos 30% de candidatas, além de desobrigá-los de destinar recursos de campanha e tempo de propaganda proporcionais ao número de candidatas (desde que não seja inferior a 30%).

Em 2018, 15% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados foi conquistada por mulheres. Especialistas criticam o fim da exigência de cota de candidatas e de financiamento proporcional, afirmando que isso irá inibir a participação feminina.

Outra medida dificulta o acesso de partidos nanicos ao Legislativo (a disputa das chamadas “sobras”), medida que encontra grande apoio entre os congressistas. Esses projetos seguiram para votação na Câmara.

Para o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), não há conflito de agenda entre deputados e senadores. “Não há nenhum tema que vá de encontro ao que está em debate na Câmara”, disse, se referindo aos projetos do Senado.

O deputado Fábio Trad (PSD-MS), entretanto, diz ver uma falta de sintonia entre as duas casas. “Demonstra uma falta de harmonia entre Câmara e Senado, o que pode prejudicar a normatização das eleições.”

Uma sexta frente ainda está se desenhando e não foi formalizada. Apoiada pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, esse também presidente do TSE, e pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), o semipresidencialismo ganhou fôlego nos últimos dias ao receber o apoio de Lira, que defende discussão para implantação da medida em 2026.

O semipresidencialismo é uma espécie de parlamentarismo, mas com a manutenção de mais poder na mão do presidente.

O Presidente da República, eleito pelo voto direto, é o chefe de Estado, comandante supremo das Forças Armadas e tem o poder de dissolver o Congresso em casos extremos, convocando novas eleições, entre outras funções. Ele é responsável por indicar o primeiro-ministro, que é quem governará, de fato, juntamente com o Conselho de Ministros.

Desde a Constituição de 1988, o país passou por alterações de maior monta na legislação política e eleitoral no final dos anos 90 –com a implementação da leis eleitoral e dos Partidos Políticos, além da instituição da reeleição no Executivo– e entre 2015 e 2017.

Nesses anos, o STF proibiu o financiamento empresarial das campanhas. Com isso, o Congresso criou o Fundo Eleitoral. Houve também a decisão de acabar com as coligações nas eleições proporcionais, o que tende a enxugar o quadro partidário.

DEM expulsa Rodrigo Maia, que chama presidente do partido de Torquemada Neto

O DEM decidiu nesta segunda-feira (14) expulsar de seus quadros o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (RJ), um dos nomes históricos da legenda.

Maia, que já comandou nacionalmente o DEM, rompeu com o atual presidente da sigla, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, no início deste ano.

Na ocasião, Maia reclamou de ter sido abandonado pela própria legenda na eleição para a sua sucessão no comando da Câmara. Seu candidato, Baleia Rossi (MDB-SP), acabou derrotado por Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Nos meses seguintes, Maia fez várias críticas ao ex-colega, afirmando, por exemplo, que ACM Neto tinha um caráter menor que sua altura, era malandro e levou o partido para o colo de Bolsonaro.

“Em reunião realizada nesta segunda-feira (14), a Executiva Nacional do Democratas decidiu expulsar o deputado Rodrigo Maia (RJ) de seu quadro de filiados. Após garantir o amplo direito de defesa ao parlamentar, os membros da Executiva apreciaram o voto da relatora, deputada Prof. Dorinha”, diz a nota.

“A comissão nacional, à unanimidade de votos, deliberou pelo cometimento de infração disciplinar, e consequente expulsão do deputado”, acrescenta o texto. De acordo com a assessoria do partido, não há informação sobre se a legenda irá pedir na Justiça o mandato do deputado.

Maia recorreu à Justiça Eleitoral para se desfiliar sem risco de perda do mandato por infidelidade partidária. Em mensagem enviada ao jornal Folha de S.Paulo nesta segunda, ele se limitou a comparar ACM ao inquisidor espanhol Tomás de Torquemada (1420-1498).

” O presidente Torquemada Neto usando seu poder para proibir críticas à sua gestão”, afirmou. Aliado de Eduardo Paes (PSD), Maia ensaia ingresso em siglas do arco de aliança do prefeito do Rio de Janeiro, mas não respondeu sobre seu possível destino partidário.

Esquerda brasileira comemora virtual vitória de Castillo no Peru e minimiza posições antidemocráticas

Dirigentes e parlamentares de partidos de esquerda no Brasil comemoraram a virtual eleição de Pedro Castillo à Presidência do Peru e minimizam posições de caráter antidemocrático e retrógrado no campo dos direitos civis defendidas pelo professor secundário. Para os brasileiros, muito mais importante do que aparentes contradições é a nova derrota da direita latino-americana, em especial do sobrenome Fujimori, responsável por uma das principais ditaduras na região, na década de 1990.

Assim, cresce a recente onda de resultados favoráveis à esquerda na América Latina -à exceção do Equador-, o que, avaliam, é o prenúncio da derrota de Jair Bolsonaro em 2022. “Vemos com muita alegria, com ares positivos para a nossa América Latina. Ele era péssima”, diz a deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do PT, o maior partido da esquerda no Brasil.

Segundo Gleisi, possíveis ameaças antidemocráticas de Castillo, que ameaça romper a ordem institucional e é contrário ao aborto e ao casamento gay, por exemplo, devem ser relativizadas. “Tem que avaliar, não sei se ele disse isso mais no calor do debate político, para demarcar posição, ou se de fato tem posicionamento sobre isso. Agora, qualquer ação nesse sentido ele vai ter que debater com a sociedade peruana. O presidente não tem autonomia, pelo menos nas regras que eu conheço”, diz Gleisi.

Para o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), o provável resultado no Peru é reflexo do desgaste do projeto privatizador e ultraliberal na região. “Claro que o primeiro governo de esquerda no Peru não deve ser fácil. Mas mostra que os ventos têm soprado de maneira diferente na América Latina”, afirma, citando os recentes resultados na Argentina, na Bolívia e na formação da Constituinte no Chile.

“À exceção do Equador, em todas as últimas eleições a esquerda ganhou. A gente vê como isso também pode repercutir positivamente no Brasil.” Segundo Correia, algumas das posições de Castillo também precisam ser analisadas no decorrer do tempo. “Sobre essas questões do feminismo, dos gays, a posição do PT é muito radical a favor do direito das minorias. Mas tenho que dizer que no decorrer do segundo turno ele refez muito daquilo que falava”, afirma.

Para o petista, há um processo a ser percorrido por Castillo. “Pode ser até a ausência de um debate mais profundo do posicionamento de esquerda. O PT, por exemplo, quando iniciou, não tinha essa radicalidade na defesa das minorias. Via mais como um problema de classes. Não tinha uma certa autonomia a questão da negritude, da homossexualidade. A gente nunca atacou, mas não eram pontos de defesa como são hoje dentro do PT. Isso é um processo. Tomara que lá eles avancem em direção a isso.”

A deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), por sua vez, diz que o resultado no Peru é “um grande avanço para a América Latina, que vai se recompondo dessa onda de direita que assolou os países da região, para a infelicidade dos direitos sociais e da vida do povo”. “Espero que o Brasil em breve siga esse caminho . Se puder ser antes, fora Bolsonaro.”

Sobre as posições retrógradas e de viés antidemocrático, Portugal diz esperar que Castillo “compreenda a necessidade de estar aberto para as relações internacionais e de fomentar maior harmonização interna possível”. “Agora, cada país, sua realidade, cada povo, seu governo. Então faço questão de defender a autodeterminação de cada povo e espero que essa oxigenação leve a uma harmonização e que essa transição se dê com tranquilidade, democracia e participação popular.”

Presidente nacional do PDT, Carlos Lupi afirmou que a vitória de Joe Biden nos EUA e a eleição no Peru dão esperança às pessoas de que o mundo pode melhorar. “Ventos democráticos começam a soprar nas Américas”, disse. Sobre as manifestações contrárias a direitos de minorias, Lupi afirma que é preciso levar em consideração a origem de Castillo. “Imaginar que o homem do campo pense como a gente, dos centros urbanos, é impossível. É normal haver visões mais atrasadas, em todos os países é assim.”

Outros membros de legendas de esquerda também se manifestaram nas redes sociais, mesmo antes da confirmação do resultado no Peru. Presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros escreveu no Twitter nesta terça-feira (8): “Vitória de Fernández na Argentina e de Arce na Bolívia. Derrota acachapante da direita nas eleições para a Assembleia Constituinte no Chile. Virtual vitória de Pedro Castillo no Peru. Povo nas ruas no Paraguai e na Colômbia. Tem algo acontecendo na América. Há motivos para esperança”.

Um dos principais jornalistas do Brasil, Ribamar Oliveira morre aos 67 anos de Covid-19

m dos principais nomes do jornalismo brasileiro e referência na área fiscal, o repórter especial e colunista do jornal Valor Econômico Ribamar Oliveira morreu nesta terça-feira (1o), aos 67 anos, vítima de complicações da Covid-19.

Ribamar estava internado havia cerca de 50 dias no Hospital Sírio-Libanês, em Brasília. Natural de Codó, no Maranhão, Ribamar formou-se em jornalismo pela UnB (Universidade de Brasília), trabalhou em algumas das principais Redações do país na capital federal, recebeu prêmios, exerceu cargos de chefia e foi autor de livros e de reportagens de impacto.

Sua morte causou comoção não só entre os colegas do jornal e de várias outras Redações mas também resultou em manifestações de lamento de autoridades que acompanharam o trabalho do jornalista em algum momento de seus mais de 40 anos de profissão.

O nome de Ribamar aparece na principal reportagem da primeira edição do Valor, em 2 de maio de 2000. Colegas contam que o espírito crítico e combativo do repórter já se mostrava naquele nascedouro.

Ao saber que a manchete era “Carga fiscal recorde só reforça caixa da União”, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) chegou a ameaçar não descer para a solenidade que marcou a estreia do jornal.

Riba, como era chamado pelos amigos, foi chefe de Redação da sucursal de O Globo em Brasília, repórter e coordenador de economia do Jornal do Brasil e repórter especial e colunista de O Estado de S.Paulo, além de ter passado pelas revistas Veja e IstoÉ.

Fora das Redações, foi assessor de imprensa do Ministério do Planejamento durante o governo FHC e do Banco Central durante o governo Lula. Havia voltado ao Valor há alguns anos, onde trabalhou normalmente até a chegada dos primeiros sintomas da Covid-19.

Ribamar ganhou vários prêmios, entre eles o Prêmio Esso de Informação Econômica pela reportagem “O escândalo dos precatórios”. Foi ele também que cunhou o termo “pedalada”, sendo um dos responsáveis pelas primeiras reportagens das manobras que resultaram no impeachment de Dilma Rousseff.

A morte do jornalista repercutiu entre autoridades do Executivo e Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, disse que Ribamar era amplamente reconhecido pela cobertura de imprensa em Brasilia, respeitado por ministros, servidores e colaboradores do STF “em razão de seu profissionalismo e competência”.

“O Supremo se solidariza com a família e os amigos, e espera que obtenham conforto neste momento de dor e perda.”

“O Ministério da Economia recebeu com muita tristeza a notícia da morte do jornalista Ribamar Oliveira. O colunista do jornal Valor Econômico era conhecido pelo alto nível técnico, seriedade na apuração, ética e bom humor. A trajetória premiada e o reconhecimento dos colegas e dos técnicos da equipe econômica refletem a carreira de sucesso dedicada à cobertura econômica. O Ministério lamenta a perda e se solidariza com a família e amigos”, escreveu a pasta em nota.

O Banco Central expressou profundo pesar, dizendo que a excelência e seriedade do trabalho de Ribamar serviu como exemplo a todos na instituição no período em que ele trabalhou como assessor de imprensa.

“Foi uma honra contar com o profissionalismo de Ribamar no trabalho de bem informar a sociedade sobre as atividades do Banco Central. No jornalismo, sua ausência será sentida por todos os colegas.”

Atual diretor-adjunto de Redação do Valor, Cristiano Romero iniciou a carreira aos 22 anos justamente sob as ordens de Ribamar, na então Agência Brasil, em agosto de 1990.

Ele conta que, após uma viagem, voltou empolgado e entregou um texto com uma introdução de umas dez linhas, conhecida no jargão jornalístico como “nariz de cera” –quando a notícia em si demora a aparecer no texto. Ribamar teria olhado para o assistente e dito: “Fala pra ele tirar o primeiro parágrafo. O resto tá muito bom”, lembra Romero.

“O Ribamar sempre foi uma referência absoluta na economia, na área fiscal, inclusive o comentário geral era que ele sabia mais da área fiscal do que os próprios economistas. Era um ativo, um guia, um guru. Sua morte é para nós, do Valor, uma tragédia. Mas não só para nós, para todo o jornalismo”, afirma Romero.

Ele ressalta que a tristeza de agora se soma ao fato de que há menos de três anos, em outubro de 2018, o jornal e o jornalismo sofreram outra perda importante, com a morte precoce do jornalista político Raymundo Costa, aos 66 anos.

“Sempre que o Ribamar dava um furo jornalístico, uma rotina, aliás, a gente falava aqui na Folha: ‘Ah, é do Ribamar, não dá para competir’. Riba, como todos o chamavam, era extremamente gentil e generoso com os colegas jornalistas”, afirma Leandro Colon, diretor da Sucursal de Brasília do jornal Folha de S.Paulo.

“Ele é uma referência enorme na profissão para várias gerações. Um ícone do jornalismo econômico. Fica uma lacuna em tempos tão difíceis.”

” Tinha um tom professoral, mas no bom sentido, sem arrogância. Ele gostava de contar os casos do passado para ensinar e ajudar os mais jovens na Redação”, afirma Daniel Rittner, repórter especial do Valor.

Ele conta que se lembra que após os primeiros momentos da pandemia, ainda no primeiro semestre de 2020, Ribamar foi o primeiro que se levantou e decidiu trabalhar de casa, em isolamento, como medida de precaução em relação à pandemia.

Vários outros colegas do jornalista, do Valor e de outros jornais, também se manifestaram. “Nós do @valoreconomico perdemos hoje um grande companheiro de trabalho e uma referência. Antes da pandemia, tive a honra de sentar ao lado do @ribaoliveira54 na nova Redação. Aprendi muito. Que dor é sua partida. Maldita doença, maldito atraso na vacina”, escreveu o repórter do Valor Fabio Graner nas redes sociais.

“Riba se tornou um exemplo para mim desde que o conheci, no final dos anos 1990, pelos corredores do Congresso, dando furos e criando polêmicas na cobertura da CPI dos precatórios.

Inteligente e criterioso, emparedava as fontes com perguntas mordazes, mas sempre com muita elegância e bom humor. Um mestre nos números e rubricas do Orçamento, algo que destrinchava para o leitor como ninguém”, afirmou Julianna Sofia, secretária de Redação da Sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo.

“Tive o privilégio de trabalhar com o Riba no Valor Econômico, quando as reuniões de pauta com ele se transformavam em verdadeiras aulas de macroeconomia. Várias vezes o procurei para pedir ajuda com matérias intrincadas, principalmente sobre o processo orçamentário”, afirma Fabio Pupo, repórter da Folha de S.Paulo, que trabalhou com Ribamar no Valor.

“Sua experiência proporcionava velocidade na análise dos fatos, profundidade de conteúdo e clareza de texto. Uma combinação rara e valiosa que era e continuará sendo uma referência para todo o jornalismo econômico.”

A família publicou uma mensagem na rede social do jornalista externando profunda dor e afirmando que ele lutou bravamente contra a doença. Santista, Ribamar deixa a mulher, Lilian, e três filhos.

Torneira aberta das emendas corrói discurso antissistema de Bolsonaro

Bandeira eleitoral de Jair Bolsonaro (sem partido), o figurino de um presidente antissistema e contrário à chamada “velha política” vem se chocando frontalmente com a prática adotada por ele na relação com o Congresso Nacional.

A partir principalmente do primeiro semestre de 2020, quando firmou acordo com o centrão para escapar da ameaça de um processo de impeachment, Bolsonaro distribuiu cargos federais e um volume recorde de emendas parlamentares aos partidos do grupo que outrora chamava de “a alta nata de tudo o que não presta no Brasil”.

Conforme o jornal Folha de S.Paulo noticiou em março de 2020, a fragilidade política da segunda gestão de Dilma Rousseff (2015-2016) e do governo Michel Temer (2016-2018) e o fracasso de Bolsonaro em montar uma base de apoio concreta em seu primeiro ano de governo levaram o Congresso a atingir um papel de protagonismo poucas vezes visto na história do país, disputando com o Executivo a definição da aplicação do dinheiro federal para investimentos e custeio.

A liberação de verbas de emendas bateu recorde na gestão Bolsonaro, privilegiou correligionários, que direcionaram verbas para obras como pavimentação de vias, construção de adutoras e barragens em seus estados, e foi fundamental, inclusive, para arregimentar o apoio de parlamentares em favor da eleição do seu aliado Arthur Lira (PP-AL) para o comando da Câmara dos Deputados.

No último fim de semana, o jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem relatando detalhes desse modelo de relação entre o governo e o Congresso, o que inclui ofícios enviados por deputados aliados de Bolsonaro ao Ministério do Desenvolvimento Regional, chefiado por Rogério Marinho, pedindo o direcionamento de emendas para obras e a aquisição de tratores nos municípios.

No site do ministério é possível acessar livremente informações e documentos relativos a essas emendas, com o nome do parlamentar, inclusive da oposição (o senador Humberto Costa, do PT-PE, por exemplo), que a apadrinhou, etapas da execução e os valores desembolsados.

As emendas parlamentares, antigo foco de fisiologismo e corrupção na relação Executivo-Legislativo, ganharam mais relevância a partir de 2015, sob a batuta do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ).

Até então, funcionava o seguinte modelo: cada um dos 513 deputados federais e 81 senadores poderia alocar parte do Orçamento Federal –peça elaborada pelo governo, mas votada e emendada pelo Congresso, dai o nome “emenda parlamentar”– para obras e investimentos em seus redutos eleitorais.

Ocorre que o governo não era obrigado a cumprir essas emendas. Ou seja, executava-as de acordo com o seu interesse político –em geral privilegiando quem lhe era fiel e punindo opositores. Congressistas, por sua vez, condicionavam o apoio à execução de suas emendas. Daí a expressão “toma lá dá cá”.

Em 2015, o Congresso alterou a Constituição e estabeleceu a execução obrigatória das emendas apresentadas individualmente por cada um dos parlamentares, um total de cerca de R$ 10 bilhões, observadas algumas regras.

O grande salto ocorreu em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando se aprovou o Orçamento para 2020. O Executivo tentou sem sucesso emplacar um modelo de relação com parlamentares baseado na interlocução com frentes temáticas, como a ruralista, e não com partidos.

Foi quando o Congresso tornou obrigatória a execução das emendas de bancadas estaduais –cerca de R$ 6 bilhões–, além das individuais.

Mais importante do que isso, emplacou um valor expressivo para emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, que é o deputado ou o senador que, a cada ano, conduz a análise do Orçamento pelo Congresso.

Câmara e Senado aprovaram um valor de cerca de R$ 30 bilhões para o relator, que repassaria essa verba para ser distribuída por deputados e senadores alinhados.

Após reação da equipe econômica, que temia um estrangulamento do poder de manejo orçamentário do governo, Bolsonaro vetou a medida, mas o Congresso só não derrubou o veto mediante acordo com o Palácio do Planalto que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral, sob a rubrica orçamentária RP9.

Foi nesse período em que o presidente deixou de atacar o centrão. Antes das emendas de relator, as negociações, como ocorreram na votação da reforma da Previdência, envolviam outra forma de liberação, via recursos extraorçamentários, que não entram no cálculo das emendas de destinação impositiva.

Na discussão do Orçamento de 2021 os parlamentares voltaram a tentar reservar cerca de R$ 30 bilhões para as emendas do relator-geral –valor que, na verdade, é rateado entre vários congressistas a depender dos acordos políticos firmados–, mas o montante ficou em torno de R$ 20 bilhões após vetos de Bolsonaro negociados com a equipe econômica e com líderes do Congresso.

Com isso, as emendas parlamentares autorizadas no governo Bolsonaro tiveram valores mais do que duplicados em sua gestão. Em 2018, as individuais e coletivas representaram cerca de R$ 13 bilhões. Em 2019 (cujo Orçamento foi aprovado em 2018), cerca de R$ 15 bilhões.

Em 2020 e 2021, e já com a novidade das emendas do relator-geral, esses valores saltaram para R$ 38 bilhões e R$ 35 bilhões, respectivamente.

A verba do relator é uma moeda de troca muito mais passível de uso para obtenção do apoio parlamentar –já que as emendas individuais são de execução obrigatória– e sujeitas a ainda menos transparência.

O Planalto nega que haja irregularidades na forma como o dinheiro foi distribuído. Bolsonaro atacou nesta terça-feira (11) as reportagens.

“Eu faço um churrasco aqui , apanho. Inventaram que eu tenho um Orçamento secreto agora. Eu tenho um reservatório de leite condensado ali, 3 milhões de latas escondidas”, ironizou. “É sinal que eles não têm o que fazer. Como é que o Orçamento foi aprovado, discutido meses, agora apareceu R$ 3 bilhões?”

No programa Roda Viva, na noite desta segunda-feira (10), o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que a indicação de emendas por parlamentares não é novidade e que não há nada de secreto na operação. Para Bezerra, essa questão vai ser esclarecida e ele acha “muito difícil” que se torne “tema de preocupação para o governo federal”.

A oposição na Câmara pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) a suspensão dos pagamentos de emendas parlamentares da modalidade RP9. O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, também pediu à corte uma investigação sobre o tema.

A oposição protocolou ainda representação no Ministério Público do Distrito Federal contra o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que irá avaliar o caso para adotar “um posicionamento que seja seguro” e “tecnicamente adequado”, dando “uma resposta que faça a defesa do Congresso Nacional em relação a episódios que por vezes não podem ser atribuídos ao Congresso Nacional.”

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Regional diz que o instrumento de emendas do relator foi criado pelo Congresso, e não pelo Executivo. “É do Parlamento a prerrogativa de indicar recursos da chamada emenda de relator-geral (RP9) do Orçamento.”

A pasta afirma ainda que a execução dos recursos é divulgada e atualizada diariamente no portal do ministério e registra que eles também foram liberados para parlamentares da oposição.

Em vez de impeachment, oposição quer desgaste de Bolsonaro até 2022

Apesar dos tuitaços, panelaços e carreatas, congressistas da oposição admitem nos bastidores que lhes interessa mais a manutenção de “clima de impeachment” e sangria de Jair Bolsonaro (sem partido) até as portas de 2022 do que a efetivação real de um processo para a saída do presidente do cargo.

O cálculo se baseia na avaliação principal de que o presidente tem hoje amparo do bloco do centrão para derrotar qualquer pedido. Ou seja, na hipótese de ser deflagrado na Câmara, o impeachment seria derrotado por Bolsonaro, que sairia fortalecido politicamente.

Mesmo em um improvável cenário de sucesso, assumiria o governo o general Hamilton Mourão (PRTB), que, embora seja visto como mais sensato e eficiente em relação a Bolsonaro, está longe de ser do agrado da esquerda.

O vice teria um tempo relativamente longo para arregimentar apoio e estrutura, podendo vir a se tornar, inclusive, um real adversário da oposição em 2022.

O descrédito com o impeachment ganhou mais força com a folgada eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidência da Câmara, amparado por um guarda-chuva de emendas e cargos oferecidos pelo governo Bolsonaro.

Se sob o comando de Rodrigo Maia (DEM-RJ) já havia dificuldade –ele deixou o cargo com mais 60 pedidos de abertura de processo de impeachment sem análise–, com o líder do centrão no comando as chances rareariam mais ainda.

“O Maia tinha motivos suficientes para iniciar o processo, mas não havia interesse de integrantes do centrão de dar esse passo”, afirma a deputada Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara.

“Agora, a correlação de forças é muito pior do que antes da eleição do Lira. Não vemos com otimismo os 68 pedidos irem para frente.”

Lira recebeu 302 votos e foi eleito em primeiro turno na disputa para o comando da Casa. Ele teve apoio da direita, do centro e até da oposição. Seu principal, adversário, Baleia Rossi (MDB-SP), teve 145.

Pela legislação, cabe ao presidente da Câmara decidir, de forma monocrática, se há elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido. Nesse caso, o impeachment só é autorizado a ser aberto com aval de pelo menos dois terços dos deputados (342 de 513), depois de votação em comissão especial. Formalmente, a esquerda conta com apenas 130 votos na Câmara.

Nesse contexto, uma ala da esquerda avalia que apresentar pedidos de impeachment com a certeza de que eles não serão aceitos tem um saldo positivo para os opositores de Bolsonaro: a cada nova controvérsia em que o mandatário se envolve, haveria uma nova chance de capitalizar em cima do episódio e “sangrar” o capital político do presidente.

O jogo de cena ajudaria ainda a manter os erros da gestão Bolsonaro em evidência até que a vacinação contra Covid-19 ganhe ritmo no país e possibilite o retorno de manifestações de rua, fundamental para qualquer processo de destituição.

Esse é apontado como um dos motivos que resguardam o governo atualmente. Quando a economia está ruim ou há uma situação em que o presidente perde apoio político, o reflexo mais visível da perda de popularidade são os protestos.

Na avaliação de alguns membros da esquerda, uma parcela de insatisfeitos já estaria disposta a sair às ruas. Porém o risco da pandemia impediria uma adesão maior aos atos.

Em janeiro, pesquisa Datafolha mostrou que 53% dos entrevistados avaliavam que a Câmara não deveria abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro –42% achavam que deveria.

Essa leitura “pragmática” de desgastar Bolsonaro, embora forte nos bastidores, não é consenso na oposição.

Muitos defendem a tentativa constante e imediata de destituir Bolsonaro como uma forma de viabilizar um combate mais efetivo à crise sanitária e uma chance de impedir o avanço de pautas conservadoras defendidas pelos bolsonaristas.

“Há aqueles que defendem o impeachment como meramente um discurso político, para esgarçar o presidente até as eleições. Esses estão preocupados exclusivamente com o processo eleitoral”, afirma Júlio Delgado (PSB-MG).

“Mesmo não tendo clima nas ruas, acho que o impeachment é necessário porque o Brasil não suporta mais dois anos disso. Falo, em especial, dos aspectos sanitário, ambiental e diplomático”, afirma o deputado.

Para Carlos Zarattini (PT-SP), a oposição também não pode arrefecer na defesa do impeachment por temer vitaminar Mourão.

“O governo Mourão teria de fazer um acordo político para sobreviver. Ele não tem o mesmo respaldo das urnas que o Bolsonaro tem. Evidentemente que ele não vai levar à frente um programa radical como o Bolsonaro, ele vai ter de se moderar, e isso vai dar uma situação melhor para o Brasil. Cada dia a mais do Bolsonaro no governo é um dia a mais de desgraça para o povo brasileiro”, diz.

Talíria tem opinião similar. “É óbvio que a gente entende que não é um cenário satisfatório para a vida do povo brasileiro ter Mourão presidente. Mas quem hoje, por incrível que pareça, tem posições que resguardam a democracia brasileira é o Mourão. Tem uma questão do que cabe em uma democracia e o que não cabe”, afirma.

“A divergência cabe numa democracia. Estimular atos autoritários, negacionismo insano, não. Mourão, em alguma medida, tem sido um ponto de equilíbrio nesta chapa”, afirma a líder do PSOL.

Bolsonaro infla verba a ruralistas e reduz quase a zero a reforma agrária

O governo de Jair Bolsonaro enviou ao Congresso uma proposta de orçamento para o Incra em 2021 que praticamente reduz a zero a verba de algumas das principais ações destinadas a sem-terra e a melhorias dos assentamentos, ao mesmo tempo em que eleva o dinheiro reservado para o pagamento de indenização judicial a fazendeiros que tiveram suas propriedades desapropriadas.

A medida acentua um esvaziamento iniciado na gestão Michel Temer (2016-2018) e projeta cenário de extinção da reforma agrária, que já sofre paralisia desde o início do atual governo. Em números absolutos, o orçamento do Incra para 2021 até tem uma elevação de 4%, em relação ao aprovado para 2020 –de R$ 3,3 bilhões para R$ 3,4 bilhões.

Desse total, porém, 66% (R$ 2,1 bilhões) foram reservados para o pagamento de precatórios, ou seja, dívidas com fazendeiros que conseguiram na Justiça elevar o valor de indenização por terras desapropriadas por improdutividade –um aumento de 22% em relação ao orçamento deste ano.

Em linha oposta, programas finalísticos da reforma agrária foram praticamente dizimados. Assistência Técnica e Extensão Rural, Promoção de Educação no Campo e Reforma Agrária e Regularização Fundiária tiveram redução de mais de 99% de verba, ficando próximo de zero.

A tesoura nas ações de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, concessão de crédito às famílias assentadas e aquisição de terras ficou acima de 90%. Monitoramento de conflitos agrários e pacificação no campo sofreu corte de 82% e a consolidação de assentamentos rurais, 71%.

Os números foram compilados pela assessoria da Liderança do PT na Câmara e confirmados pela reportagem no Incra e no Projeto de Lei Orçamentária do governo federal para 2021. A proposta, enviada ao Congresso no último dia 31, pode ser alterada por deputados e senadores.

Após o auge observado durante o ano de 2006, no governo Lula (PT), o número de famílias sem terra assentadas passou por um declínio no governo Dilma Rousseff (PT), mas a queda se acentuou de forma aguda a partir de Temer.

Durante a campanha, Bolsonaro chegou a classificar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) de grupo terrorista.

Ao assumir o governo, em 2019, paralisou os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para a reforma agrária, além da identificação e delimitação de territórios quilombolas.

Sob Bolsonaro, o Incra passou a ser subordinado ao Ministério da Agricultura, controlado pelos ruralistas e sob o abrigo do qual está a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, chefiada pelo pecuarista Nabhan Garcia, um antigo adversário do MST.

A ministra Tereza Cristina (Agricultura) e o próprio presidente do Incra, Geraldo José da Camara Ferreira de Melo Filho, são ruralistas.

A Constituição determina, em seu artigo 184, que compete à União “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização”.

“O orçamento proposto é para liquidar, para acabar com qualquer perspectiva de reforma agrária, para acabar com a instituição Incra. A sociedade e os movimentos sociais do campo têm que fazer uma reação grande agora. E nós, do Parlamento, vamos ter brigar muito”, afirmou o deputado federal Beto Faro (PT-PA).

O sociólogo e professor Sérgio Sauer (UnB) chama a atenção para notícias de que, mesmo no caso de terras já desapropriadas, o Incra estaria desistindo dos processos de assentamento sob a alegação de falta de orçamento.

Para ele, a situação tende a agravar a pobreza no campo, a desigualdade e os conflitos.

Dois ex-ministros de desenvolvimento agrário ouvidos pela reportagem fazem análises distintas sobre o tema.

Raul Jungmann, chefe da pasta de Política Fundiária (que virou Desenvolvimento Agrário), de 1996 a 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), disse que a reforma deixou de ser uma questão política relevante, por três fatores.

A ampliação da população urbana, o crescimento dos programas sociais, em especial o Bolsa Família, e o mudança de posição do MST de movimento de oposição para movimento governista, durante as gestões do PT.

Guilherme Cassel, ministro de Desenvolvimento Agrário de 2006 a 2010, sob Lula, diz não haver surpresa nos atuais números orçamentários do Incra. “É a continuidade de uma política que tenta sabotar um processo de reforma agrária. É um governo que não desapropria área, persegue os movimentos sociais, não investe na qualidade dos assentamentos.”

“O mais grave é que você está atingindo fortemente a produção de alimentos”, diz.

O Incra afirmou, em nota, não ter ingerência em relação aos recursos para o pagamento de despesas com sentenças judiciais e que não sofreu pressão de ruralistas. Segundo a autarquia, o incremento se deu por alteração na lei, de 2017, que determinou que os valores de indenizações judiciais “seriam pagos por meio de precatórios e não mais por expedição de TDAs complementares”.

Sobre os cortes nos programas finalísticos, disse que o projeto de orçamento foi elaborado “com base no referencial monetário indicado ao Incra” e que houve priorização de despesas de custeio, como as fiscalizações nos assentamentos. A autarquia disse ainda que nas discussões do Orçamento-2021 no Congresso irá trabalhar para “reforçar as verbas destinadas as ações finalísticas”.

O Ministério da Agricultura disse que em razão do ajuste fiscal a pasta sofreu um bloqueio de R$ 240 milhões, sendo necessário a readequações de valores, e que a secretaria comandada por Nabhan não tem ingerência sobre o orçamento alocado para o Incra.

O ministério também disse que irá tentar elevar os valores no Congresso e reforçou que trabalha para agilizar processos de regularização fundiária em terras da união e em assentamentos.

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