Arquivos indicam elo de fake news eleitoral de argentino com PL e Bolsonaro

Arquivos divulgados por um consultor argentino que tem insuflado a militância bolsonarista com falsas alegações de fraude eleitoral indicam elo entre ele e pessoas ligadas ao PL e ao governo Jair Bolsonaro (PL).

Desde o início de novembro, após a vitória de Lula no segundo das eleições, Fernando Cerimedo tem feito lives e publicações para dizer que as eleições brasileiras teriam sido fraudadas. Grande parte do que foi aventado por ele já foi desmentido por especialistas que analisaram os dados.

Fernando Cerimedo. Foto: Reprodução

Após fazer uma nova live sobre as urnas eletrônicas no domingo (11), o consultor argentino divulgou um link para uma pasta com o que chamou de “dados para auditoria”.

Informações dos arquivos indicam elo entre o argentino e a Gaio.io, empresa que colaborou com a equipe de auditoria do partido de Jair Bolsonaro, o PL. Além disso, um dos arquivos tem como proprietário Angelo Denicoli, militar da reserva que integrou o atual governo, na pasta da Saúde, e hoje é assessor da Presidência da Petrobras.

A presença de arquivos em nome de Balbino e Denicoli foi primeiro identificada pelo cientista de dados Marcelo Oliveira.

Procurados pela reportagem, o PL, Balbino e Denicoli não se pronunciaram. A reportagem enviou prints dos arquivos para ambos.

A pasta compartilhada por Cerimedo, neste domingo, em seu Google Drive tinha sete arquivos, sendo cinco deles de sua propriedade.

Além de dois arquivos não serem de Cerimedo, três deles tinham sido editados pela última vez por Eder Balbino, que é sócio da Gaio.io. A empresa é citada nove vezes no relatório técnico capitaneado pelo Instituto Voto Legal (IVL) e que baseou o pedido de anulação dos votos das urnas antigas feito pelo partido de Bolsonaro ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O presidente da corte eleitoral, Alexandre de Moraes, rejeitou a ação do PL por litigância de má-fé (exercício de maneira abusiva do direito de recorrer à Justiça). Apesar de a situação relatada pelo partido ter ocorrido nos logs de ambos os turnos, o partido pediu a invalidação apenas de votos do segundo turno.

O nome do sócio da Gaio.io também aparece nos anexos da ação do PL. Em algumas das capturas de telas incluídas como provas técnicas aparece a mensagem: “Você está visualizando a tela de Eder Balbino”.

Um dos arquivos que constavam na pasta de Cerimedo tinha como proprietário Angelo Denicoli, que é assessor da Presidência da Petrobras desde 2021 e que, durante a gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, ocupou o cargo de diretor do departamento de monitoramento e avaliação do SUS. Na época, ele fez postagens em favor do chamado “tratamento precoce”, defendido por Bolsonaro.

Na Petrobras, Denicoli atuaria com outros dois militares como uma espécie de informante de Bolsonaro e teria sido indicado pelo presidente para o cargo, conforme informou a coluna de Malu Gaspar, no jornal O Globo, em maio.

Na agenda do assessor-chefe do gabinete da Presidência da República, João Henrique Nascimento de Freitas, consta reunião com Denicoli em fevereiro deste ano.

Cerimedo disse que não conhecia as pessoas citadas, mas que iria investigar e falar com sua equipe. “Minha resposta é que não os conheço, não fizeram minha pesquisa e não aparecem em meus arquivos. Você está exibindo arquivos de cópia.”

Após o contato da reportagem, a pasta do drive, que até então estava liberada, aparecia como indisponível, sendo preciso solicitar acesso para abri-la.

Apesar de o arquivo de Denicoli, de fato, ter o mesmo nome de outro arquivo de Cerimedo junto ao termo “Cópia de”, a data da última modificação indica que ela já tinha sido feita ao menos em 17 de novembro. Mesma data em que Eder Balbino editou dois dos arquivos de propriedade de Cerimedo.

Como mostrou a reportagem, parte dos elementos que tinham sido trazidos por Cerimedo nas redes sociais apareceram posteriormente no relatório do PL apresentado ao TSE.

Em 14 de novembro, por exemplo, Cerimedo afirmou que havia diferença entre os logs das urnas antigas e as urnas novas. O vídeo dizia que “logs falsos foram encontrados nas urnas anteriores a 2020” e que, por outro lado, “nas urnas de 2020 não foram observados os logs piratas”. Falava ainda em um “código pirata”.

O log da urna é uma espécie de “diário de bordo” de tudo que aconteceu nela, enquanto o código é o programa que dá os comandos para ela funcionar.

Na semana seguinte, no dia 22, o PL protocolou representação junto ao TSE. Uma diferença entre os logs gerados pelas urnas mais novas -o modelo 2020- e os demais modelos foi justamente o argumento utilizado pelo partido de Bolsonaro.

Em novembro, em entrevista por telefone à Folha de S.Paulo, Cerimedo disse que “queria entender o comportamento eleitoral” e que, então, contratou uma empresa privada pequena para fazer uma auditoria. Questionado sobre o nome da empresa que teria contratado, disse que não podia informar. “Não posso revelar o nome porque não foi um contrato, foi um favor. São amigos.” Segundo ele, seriam poucos rapazes que lidam com ciência de dados.

O CNPJ da Gaio.io é registrado em Uberlândia. De acordo com declaração do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, em coletiva à imprensa em 23 de novembro, o problema levantado pelo partido na representação foi descoberto por um “gênio de Uberlândia”.

“Nós contratamos uma empresa de homens altamente qualificados para poder acompanhar as eleições, e eles, por coincidência e talvez por tecnologia, conseguiram atingir esse objetivo de conseguir algo palpável no segundo turno”, disse Valdemar, um dia depois de ter apresentado ação ao TSE.

“No segundo turno eles aumentaram a equipe, trouxeram um gênio lá de Uberlândia e que ajudou muito a gente. Aí ele descobriu esse problema que o nosso pessoal não tinha descoberto. Então nós fomos obrigados a colocar isso aí.”

Diferentemente do apontado no relatório do PL, a limitação relatada não impede a identificação e a fiscalização delas, conforme apontam especialistas em computação.

Dono do canal “La Derecha Diário” e conhecido da família Bolsonaro, o argentino tornou-se praticamente um herói para os bolsonaristas insatisfeitos com a derrota, atuando diariamente a favor das manifestações.

Entenda ponto a ponto o relatório feito pela Defesa sem apontar fraude eleitoral

O relatório apresentado pelo Ministério da Defesa ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não traz nenhuma evidência ou indício de que possa ter ocorrido fraude na eleição.

No documento, os militares fazem críticas a pontos que avaliam como insuficientes para o que consideram que seria uma fiscalização completa do processo. Na prática, portanto, eles nem colocam o sistema em xeque tampouco atestam a integridade.

Ao longo do ano, diferentes episódios envolvendo os militares e a corte eleitoral deram munição ao discurso golpista e mentiroso do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Usadas no país desde 1996 sem nenhum registro de fraude até hoje, urnas eletrônicas e sistemas eleitorais brasileiros têm passado por constantes melhorias, pleito após pleito. Parte delas impulsionadas pela contribuição e críticas da comunidade técnica.

Entenda pontos do processo eleitoral tratados pelo relatório e medidas sugeridas pela pasta.

RELATÓRIO

No início do documento, a Defesa destaca que não está no escopo do trabalho “avaliar o grau de segurança” dos sistemas eleitorais ou das urnas eletrônicas. Ao todo são 63 páginas, sendo 24 de análise das etapas de fiscalização e o restante de anexos.

O relatório diz ainda que devido à complexidade do sistema, da falta de esclarecimentos técnicos, de acesso a programas e bibliotecas, “não foi possível fiscalizar o sistema completamente, o que demanda a adoção de melhorias no sentido de propiciar a sua inspeção e a análise completas”.

Na prática, ao mesmo tempo em que aponta não ter identificado nenhum indício de fraude, a pasta evita afrontar Bolsonaro, ao indicar que não teria como assegurar a total confiabilidade do processo.

ANÁLISE DO CÓDIGO-FONTE

De outubro de 2021 até setembro de 2022, o código-fonte da urna eletrônica ficou disponível em uma sala do TSE para análise das entidades interessadas. Esse código é o programa que dá as instruções e comandos para ela funcionar e registrar os votos.

Apenas em agosto deste ano os militares solicitaram acesso ao TSE. Uma das críticas dos militares se refere às condições dadas para fiscalização. Eles sugerem por exemplo que seja autorizado o uso de outras ferramentas para análise dos códigos.

Também apontam dados a que quiseram ter acesso, como o sistema de controle de versões do código-fonte, o que inviabilizou, segundo eles, a comparação da versão do código que foi compilada para ir para as urnas com a versão fiscalizada.

Segundo informações da Secretaria de Comunicação do TSE, o código-fonte mantido no repositório de controle de versões foi integralmente disponibilizado para análise.

Além da auditoria de entidades fiscalizadoras, o código-fonte da urna também foi analisado por hackers no Teste Público de Segurança (TPS) e, nesta eleição, foi enviado para a inspeção de universidades parceiras.

COMPILAÇÃO DO CÓDIGO

Para funcionar, algumas linguagens de programação precisam passar por um processo chamado de compilação. Nele, as instruções são traduzidas para uma linguagem que computadores entendem, gerando um programa que é escrito apenas em zeros (0) e uns (1) – o código binário.

No caso do código da urna, esse processo é feito em uma cerimônia pública, em que o código é assinado digitalmente pelo TSE e pelas entidades fiscalizadoras. Depois disso ele é gravado, lacrado e armazenado numa sala-cofre.

O ponto levantado pelos militares no relatório se relaciona com o modo como o código que vai ser compilado é baixado para o computador que faz a compilação.

Os militares afirmam que “os computadores utilizados no processo de compilação acessaram infraestrutura de rede” para obtenção dos códigos-fontes ou bibliotecas de softwares e alegam que tal acesso pode configurar “relevante risco à segurança do processo”.

Segundo informações da Secretaria de Comunicação do TSE, os repositórios usados para o desenvolvimento dos sistemas não estão expostos na internet e, no casos em que foi necessário acesso remoto, ele foi realizado por meio de acesso individualizado, com uso de VPN e múltiplo fator de autenticação.

Já os computadores em que ocorre a compilação dos códigos-fonte dos sistemas eleitorais não ficam perenemente conectados à internet, mas têm eventuais e controladas aberturas de acesso para atualização de drivers dos tokens utilizados pelas entidades fiscalizadoras para a realização de assinatura digital dos códigos.

CERIMÔNIA DE PREPARAÇÃO DAS URNAS

A geração das mídias que serão inseridas em cada uma das urnas, com base nos programas enviados pelo TSE, é feita pelos diferentes Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em cerimônias públicas divulgadas em edital.

Já na cerimônia de carga das urnas, ocorre a instalação dos programas e a inserção de dados como lista de eleitores e de candidatos. Depois disso, elas são lacradas fisicamente com dispositivos produzidos pela Casa da Moeda.

Os militares acompanharam cerimônias em diferentes estados e afirmaram que a “geração das mídias de carga feita conforme previsto” e que “não foram identificadas inconformidades nos trabalhos executados pelos TRE nas localidades visitadas” em ambos os turnos.

TESTE DE INTEGRIDADE

O chamado teste de integridade tem por objetivo verificar se as urnas registram os votos corretamente. No dia da eleição, votos feitos em papel por fiscais são digitados por servidores na urna eletrônica e lidos em voz alta. Tudo é filmado e, ao final, é emitido o boletim da urna, e os resultados são comparados com os votos em papel. Os votos do teste não são contabilizados na eleição.

No relatório, os militares apontam que o teste de integridade tradicional “foi realizado em conformidade com o previsto”. “O Teste de Integridade (sem biometria) não encontrou, em todos os TRE, inconsistências nas urnas escolhidas e sorteadas”.

PROJETO PILOTO COM BIOMETRIA

Em resposta a uma demanda das Forças Armadas, neste ano, parte das urnas passaram por um projeto-piloto do teste de integridade com biometria.

Eles ocorreram nos locais de votação e dependiam da participação de eleitores voluntários possam liberar as urnas com sua biometria, com o objetivo de tornar o teste mais próximo das condições em que a votação ocorre. Depois disso, o restante do teste é idêntico ao de integridade tradicional.

A crítica dos militares neste ponto foi quanto à baixa participação de eleitores no teste, que segundo o relatório foi de 13% em média em ambos os turnos, considerando as 58 seções eleitorais em que foi realizado. Apontaram ainda como problemas a quantidade de urnas que participaram do teste e a escolha não aleatória.

A partir disso, eles apontam que o teste foi “inconclusivo para a detecção de eventuais anomalias no funcionamento das urnas”.

BOLETINS DE URNAS

Os boletins de urnas são comprovantes impressos emitidos ao final da votação com um resumo do que foi registrado ali, como a soma dos votos nos diferentes candidatos, brancos e nulos. Ele permite que as pessoas (e partidos) confiram o resultado imediatamente após a eleição.

A equipe dos militares conferiu 442 boletins de urna de seções eleitorais pelo país e afirmou não ter identificado divergência nos dados registrados com os votos totalizados pelo TSE.

“Em ambos os turnos, não se verificou divergências entre os quantitativos registrados no BU afixado na seção eleitoral e os quantitativos de votos constantes no respectivo BU disponibizado no site do TSE”, consta no documento.

PROPOSTA DE COMISSÃO

Em ofício, os militares sugerem à corte eleitoral a “criação de uma comissão específica, integrada por técnicos renomados da sociedade e por técnicos representantes das entidades fiscalizadoras”.

O objetivo desta comissão seria “realizar uma investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos” e “promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas”.

“Em face da importância do processo eleitoral para a harmonia política e social do Brasil,solicito, ainda, a essa corte superior considerar a urgência na apreciação da presente proposição”, concluem.

TSE rejeita pedido das Forças Armadas para ter acesso a dados de eleições passadas

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou parcialmente um pedido das Forças Armadas de acesso a arquivos das eleições de 2014 e 2018. A resposta foi enviada ao ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.

No documento anexo ao ofício assinado pelo atual presidente do TSE, ministro Edson Fachin, o tribunal afirma que as entidades fiscalizadoras –o que inclui as Forças Armadas–, “não possuem poderes de análise fiscalização de eleições passadas, não lhes cumprindo papel de controle externo do TSE”.

O tribunal afirmou ainda que as regras de pleitos passados estabeleciam as datas de 13 de janeiro de 2015 e 17 de janeiro de 2019, respectivamente para as eleições de 2014 e 2018, “como prazo limite para apresentação do pedido”.

Procurada pela reportagem, a Defesa não se manifestou até a publicação do texto.

Outra parte do pedido referente às duas últimas eleições gerais foi respondida com links do portal de dados abertos do tribunal.

Em um ofício remetido à corte no final de junho, as Forças Armadas solicitaram uma série de arquivos relacionados às eleições de 2014 e 2018, justamente os anos em que o presidente Jair Bolsonaro alega, sem nenhuma evidência, além de teorias conspiratórias, que teria havido fraude. Bolsonaro acumula mentiras sobre o tema.

O pedido se soma a uma séria de ocasiões em que os militares questionam a corte em alinhamento ao discurso do presidente de desacreditar as urnas.

Bolsonaro vem fomentando a descrença nas urnas. No entanto, ao invés de ser barrado por aqueles ao seu redor, o mandatário tem contado com o respaldo de militares, membros do alto escalão do governo e seu partido em sua cruzada contra a Justiça Eleitoral.

O ofício com a solicitação tinha sido encaminhado ao tribunal por Nogueira, já a listagem dos arquivos a serem solicitados foi assinada pelo coronel do Exército Marcelo Nogueira de Sousa, que é o chefe da equipe das Forças Armadas que participará da fiscalização do processo eleitoral.

Além de Nogueira, assinaram o coronel Wagner Oliveira da Silva (Força Aérea), o capitão de fragata Marcus Rogers Cavalcante Andrade (Marinha) e o coronel Ricardo Sant’ana (Exército).

Também nesta segunda (8), Sant’ana foi excluído pelo TSE do grupo de militares que participa da fiscalização das eleições. Fachin afirmou que o militar divulgou nas redes sociais “informações falsas a fim de desacreditar o sistema eleitoral brasileiro”.

O envio de outros itens solicitados pelos militares também foram negados, o tribunal afirmou que eles estarão disponíveis no ambiente do TSE, durante a inspeção do código-fonte.

“Da leitura das prescrições normativas, haure-se claramente que a comunicação escrita não se presta a detalhar para as entidades fiscalizadoras elementos sobre especificação e desenvolvimento de sistemas que devam ser aferidos exclusivamente in loco na ambiência do Tribunal Superior Eleitoral”, diz o ofício assinado por Fachin.

Na sequência diz ainda que “o TSE franqueou o acesso às suas dependências para inspeção do código-fonte dos programas a serem utilizados nas eleições 2022, desde o mês de outubro do ano de 2021, fazendo ampla divulgação das suas reiteradas iniciativas de transparência”.

Na última semana, o grupo de militares que no último dia 3 começou a analisar o código-fonte das urnas eletrônicas em ambiente montado pelo TSE. Esta inspeção deve se encerrar no próximo dia 12.

Este código está disponível desde outubro de 2021 para as entidades de fiscalização das eleições, como as Forças Armadas. A análise dos militares começou após o ministro da Defesa enviar ao TSE pedido com carimbo de “urgentíssimo”.

As Forças Armadas foram chamadas pelo próprio TSE, em 2021, para participar de discussões sobre as regras das eleições.

Desde então, os militares encerraram um silêncio de 25 anos sobre as urnas eletrônicas e apresentaram mais de 80 questionamentos ao tribunal, além de uma série de propostas de mudanças para o pleito.

A crise na relação entre o TSE e as Forças Armadas tem se intensificado desde maio, quando a corte apontou erros de cálculos dos militares ao negar sugestões dos militares de mudanças nos procedimentos das eleições.

No fim de julho, o Ministério da Defesa mudou a estratégia de atuação junto ao TSE e designou dez militares das três Forças para participar da fiscalização das eleições.

Motivação política de crime não é prevista em lei específica

A Polícia Civil do Paraná concluiu que o assassinato do guarda municipal petista Marcelo de Arruda pelo policial penal bolsonarista Jorge Guaranho teve motivo torpe e, tecnicamente, não será enquadrado como crime de ódio, político ou contra o Estado democrático de Direito, por falta de elementos.

A motivação política de um crime não está prevista em lei específica, mas pode ser um elemento para aumentar a pena, segundo especialistas.

Eles apontam que a motivação política de um crime é diferente de um crime político – que poderia ser aplicável no caso de crimes contra o Estado democrático de Direito.

Em relação aos crimes de ódio, eles são entendidos como aqueles que envolvem a aversão a determinados grupos e segmentos da população. Não existe na legislação brasileira, contudo, a previsão específica para isso.

A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) afirmou que “ficou evidente que a Polícia Civil do Paraná não quer reconhecer que foi cometido um crime de ódio com evidente motivação política que tem que ser investigada na alçada da Justiça Federal como requisitamos à Procuradoria-Geral da República”.

A polícia diz que o crime ocorrido no último sábado (9) em Foz do Iguaçu teve início a partir de uma provocação do bolsonarista seguida de discussão por questões políticas. Mas diz que, para enquadrá-lo como um crime político, seriam necessários requisitos como o de tentar impedir ou dificultar outra pessoa de exercer direitos políticos.

A adoção da tese de homicídio qualificado também ocorreu no caso do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, que foi morto a facadas após uma discussão política em Salvador em 2018. O autor do crime, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, foi condenado em 2019 a 22 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado: por motivo fútil e impossibilidade de defesa da vítima.

Conhecido como Moa do Katendê, Costa estava em um bar no bairro do Engenho Velho da Federação, periferia de Salvador, quando discutiu com Santana sobre a eleição presidencial. O capoeirista defendeu o voto em Fernando Haddad (PT) enquanto o agressor, aos gritos, defendia o apoio a Jair Bolsonaro, então no PSL -ambos disputaram o segundo turno.

Mas há uma diferença técnica entre os casos de Marcelo e Moa do Katendê: no primeiro o enquadramento foi por motivo torpe, e no segundo por motivo fútil.

A advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos explica que o conceito de motivo torpe está mais ligado a condutas imorais e o de motivo fútil se aproxima mais da ideia de banalidade, insignificância e desproporção entre o crime e a causa.

Ambas situações qualificadoras estão previstas no artigo 121 do Código Penal. A pena do homicídio simples vai de 6 a 20 anos de prisão, mas se praticado com motivo torpe a punição sobe para 12 a 30 anos.

CRIME DE ÓDIO

Em geral, crimes de ódio são entendidos como aqueles que envolvem a aversão a determinados grupos e segmentos da população. Não existe na legislação brasileira, contudo, a previsão específica de crime de ódio. Assim, não há um tipo penal expresso denominado crime de ódio com motivação política.

“Apesar da ausência desse rótulo específico, há normas no direito brasileiro que se enquadram ou podem incidir nesses casos”, explica o advogado criminalista Vinícius Assumpção

Ele aponta que o homicídio praticado com base em ódio a determinado grupo politico pode ser considerado como crime qualificado. Isso porque, neste caso, o ódio político seria considerado como motivo fútil ou torpe.

Para Samuel Vida, professor de direito constitucional da UFBA (Universidade Federal da Bahia), falar em motivação política do crime é diferente de crime político – o que ele considera que se aplicaria no caso de crimes contra o Estado democrático de Direito. “Motivação política é diferente de crime político. Nós estamos falando da qualificação que dá o sentido ao crime e que portanto explica e serve de parâmetro interpretativo para avaliar a gravidade do crime”, disse.

Além disso, o exemplo mais evidente dentro do guarda-chuva dos crimes de ódio são as condutas previstas na Lei Caó, também conhecida como Lei do Racismo e que pune com pena de prisão o ódio racial, religioso ou de procedência nacional, diz Assumpção.

Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), também a homofobia e da transfobia foram equiparadas ao crime de racismo até que o Congresso Nacional aprove uma legislação a respeito.

Outro exemplo é o feminicídio, em que a pena do crime de homicídio é aumentada quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

VIOLÊNCIA POLÍTICA

Desde o ano passado, o Brasil possui em sua legislação os crimes contra o Estado democrático de Direito. Eles foram aprovados no mesmo projeto que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional, que era considerada um resquício autoritário da ditadura no ordenamento jurídico do país.

Um dos ilícitos previstos foi o crime de violência política, que consiste em restringir, impedir ou dificultar “o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com emprego de violência física, sexual ou psicológica. A pena é de três a seis anos de reclusão e multa.

O texto aprovado pelo Congresso também criminalizava o atentado a direito de manifestação, porém, este item foi vetado pelo presidente.

Ele consistiria no ato de “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”.

Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada em Bolsonaro na campanha de 2018, foi denunciado e se tornou réu por um dos crimes previstos na agora revogada Lei de Segurança Nacional. No caso, no artigo 20, que definia o crime de “atentado pessoal por inconformismo político”. A pena era de 3 a 10 anos de prisão, que poderia ser dobrada em caso de lesão corporal grave.

De acordo com a investigação, isso ocorreu porque o agressor disse que o que o motivou a cometer o atentado foi sua discordância das posições políticas de Bolsonaro.

VEJA O QUE SE SABE DO CASO DE PETISTA MORTO

COMO E ONDE OCORREU O CRIME?

O ataque aconteceu durante o aniversário de 50 anos de Marcelo de Arruda, comemorado com uma festa temática do PT.

Segundo relatos à polícia, Jorge José da Rocha Guaranho passou de carro em frente ao salão de festas dizendo “aqui é Bolsonaro” e “Lula ladrão”, além de proferir xingamentos. Saiu após rápida discussão e disse que retornaria.

De acordo com as testemunhas, Arruda foi a seu carro e pegou uma arma para se defender.

Guaranho voltou, invadiu o salão de festas e atirou em Arruda. O petista, já ferido no chão, também baleou o bolsonarista. Uma câmera de segurança registrou o crime. Ele foi velado e enterrado na segunda (11).

O QUE A POLÍCIA SABE SOBRE O CASO?

A Polícia Civil do Paraná anunciou na sexta (15) a conclusão do inquérito que investigou em menos de uma semana o assassinato de Marcelo Arruda pelo policial penal bolsonarista Jorge Guaranho.

Segundo a polícia, o crime teve motivo torpe e, tecnicamente, não será enquadrado como crime de ódio, político ou contra o Estado democrático de Direito, por falta de elementos.

A polícia admite que tudo começou com uma provocação do bolsonarista seguida de discussão por questões políticas e ideológicas. Mas diz que, para enquadrá-lo como crime político, seriam necessários requisitos para como o tentar impedir ou dificultar outra pessoa de exercer direitos políticos.

Jorge foi indiciado sob suspeita de homicídio duplamente qualificado. Segundo a polícia, na tarde de sábado, Jorge estava em um churrasco regado a bebidas, ficou sabendo da festa temática do PT e decidiu agir -outro convidado do churrasco era funcionário do clube no qual Marcelo havia alugado o salão e, por isso, tinha acesso às câmeras de segurança.

A pena de homicídio simples prevista na legislação vai de 6 a 20 anos de prisão. Com motivo torpe, pode ir de 12 a 30 anos.

QUAL A LIGAÇÃO DO MILITANTE MORTO COM O PT?

Arruda era tesoureiro do PT municipal em Foz do Iguaçú (PR). No partido havia mais de dez anos, concorreu a vereador e a vice-prefeito em eleições recentes.

O Partido dos Trabalhadores divulgou nota lamentando a morte e afirmando que ela se deu por crime de ódio por um bolsonarista.

A presidente nacional do partido, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), divulgou fotografias do militante em sua festa de aniversário. Ele aparece posando ao lado de decorações temáticas em homenagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao partido.

QUEM É O ASSASSINO DO POLÍTICO PETISTA?

O policial penal [trabalha em unidades prisionais] bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, que matou o guarda municipal petista Marcelo de Arruda, é um dos diretores da associação onde o crime aconteceu, segundo a Polícia Civil do Paraná. Guaranho, que foi baleado, se define como conservador e cristão. Ele usa as redes sociais principalmente para defender Bolsonaro, se diz contra o aborto e as drogas e considera arma sinônimo de defesa.

O CASO PODE SER FEDERALIZADO?

A PGR (Procuradoria-Geral da República) disse que compete à Justiça estadual no Paraná a investigação sobre o assassinato de Marcelo Arruda pelo bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho.

Na segunda (11), a cúpula do PT anunciou pedido ao órgão para federalização do caso. Mas, para a PGR, as apurações seguem curso normal no estado, sem indícios, até o momento, de omissão por parte das autoridades locais.

O PT defende que até hoje não houve conclusão das investigações estaduais sobre um ataque a tiros contra ônibus da caravana do ex-presidente Lula no interior paranaense, em 2018, e que o caso de Foz do Iguaçu não é uma situação isolada.

O QUE ACONTECEU COM O AGRESSOR?

Na segunda-feira, a Justiça decretou a prisão preventiva de Guaranho. A decisão veio após a prisão em flagrante do atirador, no domingo e pedido do Ministério Público do Paraná e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que acompanha as investigações.

De acordo com o MP-PR, a Justiça entendeu que o policial penal coloca em risco a ordem social, “se revelando necessária a contenção cautelar para evitar a reiteração criminosa”.

Ele segue internado em estado grave.

LULA SE MANIFESTOU SOBRE O CASO?

Sim. O ex-presidente comentou o caso em suas redes sociais e afirmou que Arruda “evitou uma tragédia maior”.

O ex-presidente disse que o brasileiro é “um povo de paz” e que é preciso “recuperar a normalidade” no país.

O CRIME PODE ACIRRAR AINDA MAIS A DISPUTA ELEITORAL?

Sim. Outros episódios de violência contra o PT têm sido registrados nos últimos dias.

Na quinta-feira (7), um evento com apoiadores do petista na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, foi alvo de um artefato explosivo.

A bomba caseira, aparentemente feita de garrafa PET, foi lançada do lado de fora da área isolada em frente ao palanque, antes da chegada de Lula.

No último dia 15, apoiadores do ex-presidente foram alvo de drone com um líquido antes de um ato com a presença de Lula em Uberlândia, Minas Gerais.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, a Polícia Federal decidiu antecipar e reforçar o aparato de segurança do ex-presidente Lula.

O que o presidente Bolsonaro disse sobre o crime?

Em sua primeira manifestação sobre o assassinato do militante petista Marcelo Arruda por um bolsonarista, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que dispensa o “apoio de quem pratica violência contra opositores”, mas, no mesmo pronunciamento, atacou a esquerda.

“Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos”, escreveu.

A maioria dos aliados do presidente, geralmente ativa nas redes sociais, preferiu o silêncio, nas horas após a morte.

Telegram suspende grupo bolsonarista, muda regras e proíbe atividade ilegal

Uma das principais comunidades bolsonaristas no Telegram, o Grupo B38 foi temporariamente suspenso do aplicativo nesta semana, em um sinal de mudanças no uso da plataforma que afetam todos os usuários no Brasil.

Após a medida, a empresa também alterou nesta quarta-feira (11) suas regras de uso, prevendo que passará a proibir atividades ilegais.

As alterações na plataforma, conhecida por ter pouca moderação, ocorrem após o Telegram ter entrado na mira do Judiciário brasileiro, especialmente devido ao risco de disseminação de notícias falsas que possam afetar as eleições deste ano.

O grupo bolsonarista suspenso do Telegram passava de 60 mil usuários, era foco de desinformação e havia sido criado por militares da reserva no Recife para apoiar a campanha de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.

Como mostrou o podcast Cabo Eleitoral, da Folha de S.Paulo, o B38 tem representantes pelo país, site e reúne uma militância organizada.

Usuários que tentavam ingressar ou visualizar as mensagens do grupo, que é público, encontravam o aviso de que a empresa deu tempo aos moderadores para removerem mensagens após alguns usuários terem postado “conteúdo ilegal”. A suspensão foi noticiada pelo site Núcleo Jornalismo nesta terça (10).

Um dia depois, o Telegram atualizou seus termos de serviço, ao menos na página em português. Entre os itens vetados agora está “abusar da plataforma pública do Telegram para participar de atividades reconhecidas como ilegais pela maioria dos países -como terrorismo e abuso infantil”.

Até então, os termos de serviço do Telegram previam três casos em que o aplicativo não pode ser utilizado “para enviar spam ou praticar golpes em nossos usuários”; “promover a violência em canais públicos do Telegram, bots, etc.” e “postar conteúdo pornográfico ilegal em canais públicos, bots, etc”, parte deles também sofreu pequenas alterações de redação.

A reportagem questionou o Telegram se a mudança era apenas no Brasil e quais os motivos para a nova regra, por meio do canal de atendimento à imprensa disponibilizado pela empresa. Além disso, antes da alteração, também enviou questionamentos pedindo mais detalhes sobre a medida de suspensão. Até a publicação deste texto, porém, não houve resposta. Procurado, o representante legal da empresa no Brasil afirmou que não comenta casos envolvendo seus clientes.

Em março, a plataforma assumiu compromissos com o STF (Supremo Tribunal Federal), envolvendo moderação e combate à desinformação, mas até então não parecia ter atualizado suas regras públicas.

Para Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, a mudança de regras é relevante e parece uma guinada 180 graus.

“É a primeira vez que a gente vê traduzido em documentos e regras do próprio Telegram essa movimentação de retirar mais conteúdo, de ter mais moderação mesmo”, diz. “Eles estão mudando a promessa que estão fazendo para os usuários em relação à moderação de conteúdo. Isso é importante.”

Porém, ele considera a movimentação insuficiente, pois é muito ampla e critica que se coloque apenas dois exemplos [terrorismo e abuso infantil]. “Me pareceu um salvo-conduto genérico para moderar conteúdo que vai ser utilizado de forma discricionária pela empresa, ao sabor dos seus interesses e conveniências.”

Na avaliação da advogada Flávia Levèfre, que é mestre pela PUC-SP e integrante da Coalizão Direitos na Rede, a mudança é relevante e positiva e uma forma de dar concretude ao acordo que foi feito com a Justiça brasileira. “É uma forma de o Telegram estar se adaptando à legislação brasileira e garantindo segurança para os usuários da plataforma.”

Flávia avalia que, apesar de ter um grau de subjetividade na regra, o fundamental é que ela atue com responsabilidade e observância dos costumes e da jurisprudência dos países. Para ela, a vedação a promoção de violência, por exemplo, é mais aberta do que de práticas ilegais.

“Quando a gente fala ilegal, ilegal pressupõe o que está na lei, e a lei proíbe determinadas condutas. Ou seja, pressupomos o que seja inequivocamente ilegal, com um grau de subjetividade pequeno na análise para controle.”

Diferentes plataformas têm termos de uso e regras próprias e, em geral, a moderação realizada por elas ocorre com base em tais regras. A clareza de tais políticas permite que usuários em geral saibam o que pode ser considerado uma infração para cada uma delas.

Além dos termos de serviço, no caso do Telegram, há uma página com perguntas frequentes, mas elas não trazem muitos detalhes sobre moderação.

No ano passado, integrantes do B38 afirmavam planejar carreatas em diversas cidades pelo país, para os atos de raiz golpista do 7 de Setembro, mobilizados pelo presidente, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.

Ao buscar o grupo no Telegram pelo Google, aparece a quantidade de 63 mil membros junto da mensagem: “Bem-vindo ao maior grupo de apoio a Bolsonaro do Brasil!!!”. Com a suspensão não é possível visualizar a quantidade atual.

“Desculpe, este grupo foi temporariamente suspenso para dar tempo aos moderadores para limpeza, depois que alguns usuários postaram conteúdo ilegal.

Nós vamos reabrir o grupo assim que a ordem for reestabelecida”, diz o aviso, originalmente em inglês.

Apesar dos compromissos assumidos com o Judiciário, a transparência da atuação da empresa em relação à moderação segue questionável. A Folha de S.Paulo havia consultado Brito Cruz e Lefèvre também anteriormente à mudança da regra nos termos de uso.

Para Brito Cruz, o aviso de suspensão incluído pelo aplicativo não é claro sobre qual a origem da medida.

“Nós não sabemos se esse conteúdo ilegal que o Telegram está falando foi notificado para o Telegram por uma ordem judicial ou se foi o próprio Telegram que fez essa análise. Isso que a gente não sabe”, diz.

“O que a gente sabe é que a medida de suspensão do grupo como um todo foi uma decisão corporativa e que tem um dose de ineditismo porque a gente nunca tinha visto outro caso como esse no Brasil.”

Para ele, a partir do momento que uma plataforma toma a decisão de passar a moderar, a transparência passa a ser requerida em muitos mais pontos, já que a partir da decisão surgem uma série de dúvidas.

Flávia Lefèvre considera que transparência é importante, mas ressalta que, havendo práticas ilícitas sendo praticadas, não há ilegalidade na moderação e que, portanto, mesmo antes da alteração da regra a remoção já tinha amparo legal.

“Acho que quanto mais informação melhor e mais atendido o Código do Consumidor, já que a informação é um direito básico de acordo com a lei”, diz ela. “Entretanto, havendo condutas ilícitas sendo praticadas na plataforma, não considero ilegal a remoção de conteúdo ou a suspensão de contas.”

Em março, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de suspender o funcionamento do aplicativo de mensagens no Brasil, a plataforma se pronunciou em processo.

Além de cumprir as determinações do ministro, que envolviam a remoção de mensagem do canal oficial do presidente Jair Bolsonaro, a empresa afirmou ainda que passaria a realizar um monitoramento manual dos cem canais mais populares do país, diariamente. Disse ainda que postagens poderiam ser marcadas como “imprecisas”, a partir de parcerias com agências brasileiras de checagem.

Afirmou também que quem divulgar fake news não poderá criar novos canais.

Dias depois, em 25 de março, o Telegram também aderiu ao programa de enfrentamento à desinformação nas eleições do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Até então a empresa vinha ignorando as tentativas de contato da Justiça Eleitoral.

Apesar de o Telegram ter aderido ao programa, o TSE informou que ainda não foi assinado o memorando de entendimento, que especifica exatamente os compromissos assumidos por cada uma das partes no contexto da iniciativa.

Facebook e Instagram derrubam live em que Bolsonaro associou Aids a vacina da Covid

Na noite deste domingo (24), o Facebook derrubou a live semanal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) transmitida na última quinta-feira (21). O vídeo não está mais disponível nem no Facebook nem no Instagram.

De acordo com porta-voz da companhia, o motivo para a exclusão foram as políticas da empresa relacionadas à vacina da Covid-19. “Nossas políticas não permitem alegações de que as vacinas de Covid-19 matam ou podem causar danos graves às pessoas.”

Em sua live semanal, Bolsonaro leu uma suposta notícia que alertava que “vacinados “. Médicos, no entanto, afirmam que a associação entre o imunizante contra o coronavírus e a transmissão do HIV, o vírus da Aids, é falsa e inexistente.

Esta é a primeira vez que a empresa remove uma live semanal do presidente. Até hoje o Facebook só tinha derrubado um post de Bolsonaro relacionado à pandemia: um vídeo de março de 2020 em que ele citava o uso de cloroquina para o tratamento da doença e defendia o fim do isolamento social.

Apesar de o presidente reiteradamente espalhar desinformação em suas lives, as demais não foram excluídas pelo Facebook. Segundo a Folha apurou, a exclusão desta vez ocorreu porque a fala do presidente foi considerada taxativa pela empresa.

Em março, reportagem da Folha mostrou que Bolsonaro violou a política do Facebook sobre Covid-19 ao menos 29 vezes até então, apenas em 2021. Em 22 dos casos, isso ocorreu em suas lives às quintas-feiras.

Decisão do STF contra marco temporal não impedirá aprovação no Congresso, diz Arthur Maia

O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (1º) o julgamento que discute a demarcação de terras indígenas. Um dos aspectos em discussão é a tese do marco temporal, que tem sua constitucionalidade questionada.

Há, na Câmara, um projeto de lei em tramitação que busca instituir o marco temporal.

Para o deputado federal Arthur Maia (DEM-BA), que foi relator da proposta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), uma decisão do Supremo, mesmo que contrária ao marco temporal, “não impedirá em nenhum momento que o Congresso aprove a qualquer momento o PL 490”.

“O Supremo julga, nós fazemos a lei. Então se o Supremo decidir que não tem marco temporal e, na semana seguinte, nós votarmos a lei dizendo que tem marco temporal, prevalece aquilo que nós estamos estabelecendo. O Supremo não é legislador, o legislador somos nós”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o agronegócio pressiona para que o tribunal determine que os indígenas só possam ter direito sobre terras que já estavam ocupadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

PERGUNTAO Brasil é signatário da Convenção Organização Internacional do Trabalho, que prevê a consulta prévia a povos indígenas em caso de medidas legislativas que podem afetá-los. O PL 490 traz várias mudanças nas regras para terras indígenas. Por que os povos indígenas não foram consultados?

ARTHUR MAIA – Quando se faz um acordo internacional, quem faz é o Executivo, eu nunca ouvi falar que o Legislativo seja submetido durante a sua atividade legislativa a fazer consultas que não sejam ou quer usar o da Constituição passada?

A Assembleia Nacional Constituinte é como se você passasse uma régua no passado, referente às leis, e passa a valer dali pra frente aquele arcabouço que a Constituição está estabelecendo.

Foi documentado pela Comissão Nacional da Verdade que povos indígenas sofreram remoções forçadas por ação do próprio Estado. Além disso, há registros de que terceiros ocuparam terras indígenas com aval do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), órgão antecessor da Funai. O PL não acabaria por avalizar que povos percam o direito de reivindicar suas terras?

AM – Eu penso que tem uma situação que você está trazendo , mas pelo que eu vejo nas televisões, inclusive pelo que eu vi ontem no Fantástico, dos garimpos ilegais em terras indígenas, realmente me faz ter grande dúvida em relação a um dado como esse. Não posso considerar um dado desses diante de tudo que vejo no dia a dia mostrado nas televisões.

Raio-X

ARTHUR MAIA, 57

Foi eleito deputado federal pelo estado da Bahia em 2010 e está em seu terceiro mandato consecutivo. É membro da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA). Desde 2018 é filiado ao Democratas. Advogado e mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).