Nobel de Física 2021 vai para pesquisa de sistemas complexos, com destaque para predição do aquecimento global

O prêmio Nobel em Física deste ano foi dedicado ao estudo de sistemas complexos, dentre eles os que permitem a compreensão das mudanças climáticas que afetam nosso planeta. A escolha coloca um carimbo definitivo de consenso sobre a ciência do clima.

Os pesquisadores Syukuro Manabe, dos Estados Unidos, e Klaus Hasselmann, da Alemanha, foram premiados especificamente por modelarem o clima terrestre e fazerem predições sobre o aquecimento global.

A outra metade do prêmio foi para Giorgio Parisi, da Itália, que revelou padrões ocultos em materiais complexos desordenados, das escalas atômica à planetária, em uma contribuição essencial à teoria de sistemas complexos, com relevância também para o estudo do clima.

“Muitas pessoas pensam que a física lida com fenômenos simples, como a órbita perfeitamente elíptica da Terra ao redor do Sol ou átomos em estruturas cristalinas”, disse Thors Hans Hansson, membro do comitê de escolha do Nobel, na coletiva que apresentou a escolha.

“Mas a física é muito mais que isso. Uma das tarefas básicas da física é usar teorias básicas da matéria para explicar fenômenos e processos complexos, como o comportamento de materiais e qual é o desenvolvimento no clima da Terra. Isso exige intuição profunda por quais estruturas e quais progressões são essenciais, e também engenhosidade matemática para desenvolver os modelos e as teorias que as descrevem, coisas em que os laureados deste ano são poderosos.”

Eles vão dividir a bolada de 10 milhões de coroas suecas (R$ 6,25 milhões), na badalada premiação concedida pela Academia Real de Ciências da Suécia. Isso sem falar no prestígio que um Nobel traz à carreira de um cientista.

Para além da ciência, a escolha deste ano vem como um recado político para as delegações do mundo inteiro que devem se reunir na Conferência do Clima (COP) 26 da ONU (Organização das Nações Unidas), em Glasgow, Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro.

“Eu acho que é urgente que tomemos decisões muito fortes e nos movamos em um passo forte, porque estamos numa situação em que podemos ter uma retroalimentação positiva e isso pode acelerar o aumento de temperatura”, disse Giorgio Parisi, um dos vencedores, na coletiva de apresentação do evento. “É claro que para as gerações futuras nós temos de agir agora de uma forma muito rápida.”

COMO É ESCOLHIDO O GANHADOR DO NOBEL

A tradicional premiação do Nobel teve início com a morte do químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite. Em 1895, em seu último testamento, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada para a construção de um prêmio –o que foi recebido por sua família com contestação. O primeiro prêmio só foi dado em 1901.

O processo de escolha do vencedor do prêmio da área de física começa no ano anterior à premiação. Em setembro, o Comitê do Nobel de Física envia convites (cerca de 3.000) para a indicação de nomes que merecem a homenagem. As respostas são enviadas até o dia 31 de janeiro.

Podem indicar nomes os membros da Academia Real Sueca de Ciências; membros do Comitê do Nobel de Física; ganhadores do Nobel de Física; professores física em universidades e institutos de tecnologia da Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Noruega, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo; professores em cargos semelhantes em pelo menos outras seis (mas normalmente em centenas de) universidades escolhidas pela Academia de Ciências, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada pelos continentes e áreas de conhecimento; e outros cientistas que a Academia entenda adequados para receber os convites.

Autoindicações não são aceitas. Começa então um processo de análise das centenas de nomes apontados, com consulta a especialistas e o desenvolvimento de relatórios, a fim de afunilar a seleção. Finalmente, em outubro, a Academia, por votação majoritária, decide quem receberá o reconhecimento.

HISTÓRICO RECENTE DO NOBEL DE FÍSICA

A descoberta de buracos negros e o impacto disso na compreensão do Universo levaram o Nobel de Física de 2020. A láurea foi dividida entre Roger Penrose, Reihard Genzel e Andrea Ghez.

Ghez é somente a quarta mulher premiada com o Nobel de Física, entre 216 homenageados.

Já em 2019, o prêmio ficou James Peebles, Michel Mayor e Didier Queloz, mais uma vez, por pesquisas cósmicas, que ajudaram a explicar melhor o funcionamento do Universo. Peebles ajudou a entender como o Universo evoluiu após o Big Bang, e Mayor e Queloz descobriram um exoplaneta (planeta fora do Sistema Solar) que orbitava uma estrela do tipo solar.

Pesquisas com laser foram premiadas em 2018, com láureas para Arthur Ashkin, Donna Strickland e Gérard Mourou.

Indo um pouco mais longe, o prêmio já esteve nas mãos de Max Planck (1918), por ter lançado as bases da física quântica e de Albert Einstein (1921), pela descoberta do efeito fotoelétrico. Niels Bohr (1922), por suas contribuições para o entendimento da estrutura atômica, e Paul Dirac e Erwin Schrödinger (1933), pelo desenvolvimento de novas versões da teoria quântica, também foram premiados.

Nasa volta a estudar vida passada em Marte, em nova missão ao planeta vermelho

Nesta quinta (30), a Nasa espera despachar mais uma de suas incansáveis missões marcianas. Mas esta tem sabor diferente, no estilo “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas”. O rover Perseverance tem como foco o estudo das possibilidades de atividade biológica passada em Marte, enquanto pavimenta o caminho para o futuro da vida no planeta vermelho.

Começando pelo começo: a meteorologia dá boas chances (70%) de condições adequadas ao voo do foguete Atlas 5, e a janela do dia se abre às 8h50 (de Brasília), com duração de duas horas.

A partida se dá na plataforma 41 da Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral, Flórida (EUA), e, se bem-sucedida, dará início a uma jornada interplanetária de sete meses. E o lançamento se dá em um regime pouco festivo, em meio à pandemia do novo coronavírus.

“Infelizmente não foi possível viajar para ver”, conta Ivair Gontijo, físico brasileiro do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), em Pasadena, Califórnia, que participou do desenvolvimento da missão. “Somente um grupo muito pequeno que estará trabalhando no lançamento na Flórida. Então nós também vamos assistir de casa.”

Caso tudo corra bem, o jipe Perseverance, voando no interior de uma cápsula, deve realizar sua tentativa de pouso no mundo vizinho em 18 de fevereiro de 2021. Até lá, não terá por que sentir solidão, sabendo que voam a seu lado, praticamente na mesma trajetória de transferência da Terra a Marte, uma espaçonave dos Emirados Árabes Unidos e outra da China.

Dos três participantes da jornada, aproveitando a janela que se abre a cada 26 meses para lançamentos até Marte (em razão do alinhamento planetário), a Nasa é a mais consistente e tradicional.

Para dar uma ideia disso, nos últimos 24 anos, a agência espacial americana só deixou de usar a janela marciana em duas ocasiões, em 2009 e em 2016. Foram ao todo 12 lançamentos para Marte no período, e apenas 2 missões perdidas (Mars Climate Orbiter e Mars Polar Lander, em 1999). Neste século, a Nasa ainda tem de saber o que significa fracasso na exploração marciana.

Isso contrasta com o esforço de chineses e árabes. Com o lançamento da Tianwen-1, a China faz sua segunda tentativa de chegar ao planeta vermelho –mas a primeira para valer. Antes disso, os chineses “cozinharam” às pressas um orbitador marciano em 2011, para voar acompanhado da sonda russa Fobos-Grunt. O foguete russo falhou, e as duas nem chegaram a deixar a órbita terrestre.

Nove anos depois, a China deixou de ser a “caroneira” dos russos e agora executa uma missão completa e ambiciosa. Usando um foguete Longa Marcha 5, com tecnologia 100% chinesa, a sonda Tianwen-1 é um projeto “três em um”: voam juntos um orbitador, um módulo de pouso e um rover. E não duvide se ela se tornar o segundo país no mundo a fazer um pouso bem-sucedido em Marte.

Fora os americanos, ninguém até hoje conseguiu. A Nasa pode ter feito parecer fácil, com seus 8 pousos de sucesso desde 1976 (com apenas uma falha, a já citada de 1999). Mas nada poderia estar mais longe da verdade.

Tanto que o máximo que os soviéticos conseguiram, durante a Guerra Fria, foi pousar uma vez, em 1971, na missão Mars 3, e operar o módulo por 14,5 segundos, antes de pifar. E o outro país a bater na trave foi o Reino Unido, com a missão Beagle-2, em 2003. Imagens de satélite mostraram que o pequeno módulo até pousou direitinho, mas falhou em abrir seus painéis solares e, por isso, não conseguiu estabelecer comunicação com a Terra.

E a última falha num pouso marciano se deu há menos de quatro anos, em outubro de 2016, quando o módulo russo-europeu Schiaparelli se espatifou no solo por uma falha de software. Ou seja, não é fácil, e ninguém deve se chocar se a China falhar nesta tentativa.

Também não deve ser chocante se o Perseverance americano acabar não chegando inteiro ao solo de Marte. É bem verdade que o histórico ianque é excelente, e o mesmo método usado para colocar o novo rover no solo é o mesmo que serviu bem a seu antecessor, o jipe Curiosity, em 2012. Mas os americanos não chamam o processo de entrada atmosférica e pouso de “sete minutos de terror” à toa.

Evitando essa parte mais “zicada” das missões marcianas, os Emirados Árabes Unidos se concentraram em enviar apenas um orbitador. Batizado de Hope (ou Al Amal), ele representa a esperança do país árabe a colocar seu primeiro marco nos arredores de Marte. A missão consiste em um satélite meteorológico marciano, com três instrumentos desenvolvidos em parceria com universidades americanas. Mas as ambições declaradas do país são enormes: construir e habitar uma cidade em Marte em 2117.

Tanto a missão chinesa quanto a americana têm como objetivo declarado buscar sinais de vida marciana. Pode parecer surpreendente, mas ninguém admite de forma aberta este objetivo desde as sondas Viking, da década de 1970. Isso justamente porque aquele primeiro experimento de buscar atividade biológica produziu resultados estranhos e inconclusivos.

Desde então, a Nasa decidiu abordar o tema “pelas beiradas”. Primeiro, estabelecer as condições do presente e do passado de Marte, investigando onde e quando a água –composto essencial à vida– pode ter fluído por lá. Depois, com o jipe Curiosity, o objetivo foi detectar substâncias orgânicas –outro ingrediente requerido para a biologia. E agora o Perseverance (fazendo jus ao nome, perseverança) vai direto ao ponto, procurar sinais químicos fósseis de atividade microbiana no passado marciano.

Para isso, ele vai descer na cratera Jezero, onde sabe-se que água se acumulou no passado remoto e que possui as características geológicas ideais para a possível preservação de sinais de vida antigos.

Investigar as possibilidades de vida em Marte respondem ao chamado de uma das mais clássicas dúvidas a perseguir o ser humano: estamos sós no universo? Mas, para além disso, também aborda questões práticas. Algo na linha: o que estamos eticamente autorizados a fazer no planeta vermelho?

Emirados Árabes preparam lançamento de sua primeira missão a Marte

A nova temporada de lançamentos para Marte vai começar. No dia 14 de julho, deve partir a primeira missão marciana conduzida pelos Emirados Árabes Unidos.

A condução da missão é compartilhada com outras instituições. Trata-se de um projeto gerido pela agência espacial do emirado, com integração do Centro Espacial Mohammed bin Rashid, de Dubai, em parceria com três universidades americanas: Universidade do Colorado em Boulder, Universidade Estadual do Arizona e Universidade da Califórnia em Berkeley.

A sonda, batizada de Al Amal, ou Esperança em português, já está pronta para ser lançada por um foguete japonês H-IIA, da Mitsubishi, e será uma orbitadora. Ou seja, ela não vai pousar, mas apenas estudar o planeta em órbita.

A missão deve chegar a Marte em fevereiro de 2021, com o objetivo de estudar a atmosfera do planeta vermelho. O custo está estimado em US$ 200 milhões.

Depois dela, ainda teremos uma ambiciosa missão chinesa a Marte, que terá orbitador e módulo de pouso com jipe, seguida pela americana Mars 2020, com o jipe Perseverance, que já foi acoplado ao foguete para voar entre 30 de julho e 15 de agosto. Os europeus perderam essa janela e só vão lançar seu jipe Rosalind Franklin, da missão Exomars, em 2022.