Conheci o professor Fernando Bittencourt, havia muito tempo. Paulista entroncado, meia idade, estatura mediana e cavanhaque branco. Consultor de empresas. Prestava seus serviços nos cursos de “Mediação de Conflitos Trabalhistas” e “Convenção Coletiva de Trabalho” na malha sindical patronal, assim como era palestrante em algumas das principais empresas do Brasil, como o Bradesco, Sharp, Aracruz Celulose entre outras. Agenda laboral anual lotada.
Inteligência rara e carisma envolvente, que mais parecia um carioca da gema do que um paulista da Mooca.
Findo o curso, sentamos para um merecido chopp no calçadão da Rua XV, em Curitiba. Antes do primeiro copo indagou:
- Notei você meio triste durante o curso. Algum problema? Posso ajudá-lo?
- Penso que não.
- Família?
- Não. Um amigo.
- Briga?
- Não.
Era uma conversa monossilábica…Mas de copo em copo, o papo foi criando corpo. O chopp destravando a língua, abrindo a cabeça e o coração. Contei da minha aflição… uma amizade de uma vida inteira estava se fragmentando. E não era um simples amigo. Mas um grande amigo. Se não, um dos maiores. Pelas curvas e lombadas da vida a amizade capotou. Tentei por várias e inúmeras vezes a reaproximação. Em vão. Esta situação me tirou o sono por muitas noites… Ficaram sequelas. Uma tristeza cicatrizada no coração e estampada no rosto. _ Este é o motivo da tristeza! – enfatizei.
- E isto o incomoda tanto?
- Sim. Muito.
- Acha que não tem volta mesmo? Certeza?
- Sim. Certeza!
Mudamos de assunto e o Prof. Fernando contou que lhe coube por herança, uma pequena fazenda no Sul de Minas. Uma bela sede, com mobiliário e louças do começo do século passado.
Um jogo de café de porcelana chinesa era o que ele mais gostava. Uma obra de arte. Uma peça rara e de extrema beleza! Tanto que levou para seu apartamento em São Paulo. Era um conjunto de seis xícaras e seis pratos, que ficavam em um pequeno móvel. Com as xícaras penduradas verticalmente sobre os pratos.
Ocupava um lugar de destaque em sua sala…
Um belo dia a diarista bateu em uma xícara. Na queda partiu-se ao meio. Os incidentes acontecem… O Prof. Bittencourt ficou chocado. Fazer o quê, não é? Com aquela cola Super Bonder, uniu as metades. A xícara voltou ao seu lugar.
Passados uns dois meses, outra tragédia. Sua esposa bateu na mesma xícara. Agora quebrada em seis pedaços. A mesma cena. O professor com a mesma cola, pacientemente, com uma precisão cirúrgica conseguiu remontar os cacos. Mas agora percebia-se a tragédia…
Por ironia do destino e como prova que os incidentes acontecem, chegou a sua vez de esbarrar na mesma xícara. Aí não houve mais conserto.
- Credo…. Que pena. E o que você fez?
- Joguei no lixo!
- O quê?
- Isto mesmo. Joguei no lixo.
E concluiu:
-Na vida, quando as coisas não puderem ser consertadas, se realmente não der, não fique se martirizando pelo que não tem conserto. Simplesmente, jogue no lixo.
P.S.: Fica aí a lição… Não tem mais jeito? Jogue no lixo! Você ficará bem melhor! Eu fiquei!
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