Planalto dribla Guedes e entrega a deputado PEC com corte de tributos de combustíveis

Aliado do governo Jair Bolsonaro dizem que Áureo propôs um texto mais amplo, que alcança diesel, gasolina, etanol e gás de cozinha

O Palácio do Planalto elaborou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que permite a redução de tributos sobre os combustíveis mais ampla do que o combinado com o ministro Paulo Guedes (Economia) e a entregou a um deputado da base para ser protocolada na Câmara.

O texto foi redigido por um funcionário da Casa Civil, o subchefe-adjunto de Finanças Públicas, Oliveira Alves Pereira Filho, conforme é possível identificar nas propriedades do documento. A proposta foi protocolada pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), que agora recolhe as 171 assinaturas necessárias para que possa tramitar na Casa.

Aliado do governo Jair Bolsonaro (PL) e correligionário do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, Áureo propôs um texto mais amplo, que alcança diesel, gasolina, etanol e gás de cozinha. Guedes defendia baixar tributo apenas ao diesel. A PEC diz que União, estados e municípios poderão zerar ou reduzir parcialmente alíquotas de tributos que incidem sobre combustíveis e gás, “em decorrência das consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19”.

Isso significa que o texto também permite que estados cortem o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis. O governo queria incluir o corte do ICMS na PEC como forma de pressionar governadores, com quem Bolsonaro trava uma disputa em torno de quem teria culpa pela alta de preços.

As medidas poderiam ser adotadas em 2022 e 2023 e não precisariam atender às exigências da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que prevê a necessidade de elevação de outros tributos para compensar a perda de receitas. A proposta ainda permite o corte de tributos de “caráter extrafiscal”, o que inclui IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico).

A PEC vem sendo discutida há pelo menos seis meses no governo, mas pegou de surpresa auxiliares palacianos, líderes no Congresso e integrantes da equipe econômica.
Apesar disso, o texto conta com o aval do Planalto e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A expectativa inicial era que a proposta fosse apresentada pelo Senado, comandado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pré-candidato a presidente. Integrantes da equipe de Guedes ficaram contrariados pelo fato de o texto ter sido elaborado pela Casa Civil. Eles classificam a proposta como loucura, surreal e algo que pode pôr fogo na economia.

O impacto pode chegar a R$ 54 bilhões para a União, segundo cálculos internos do governo. Com o corte nos impostos do diesel, por exemplo, o impacto seria de R$ 17 bilhões. Para o time de Guedes, o texto induz à percepção de piora nas contas públicas, que, por sua vez, pode impulsionar as cotações de dólar e juros, dificultando a retomada e acelerando a inflação.

Uma fonte disse reservadamente que, se a PEC for aprovada, pode piorar a situação econômica do país. A avaliação entre técnicos é que o corte de tributos sobre combustíveis pode rapidamente ser anulado por novos reajustes pela Petrobras, cuja política segue preços do mercado internacional.

Sem qualquer redução de tributos, o governo já prevê um rombo de R$ 79,3 bilhões neste ano. O país acumula sucessivos déficits desde 2014. Para este ano, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) autoriza um resultado negativo de até R$ 170,5 bilhões. O texto não inclui até agora a possibilidade de cortar os tributos sobre energia elétrica, o que elevaria o impacto a R$ 75 bilhões.

Já membros da ala política vinham se queixando há meses de intransigência da equipe econômica. Segundo relatos, a despeito da orientação de prioridade do presidente, a cada momento a Economia surgia com um novo empecilho. O episódio é um novo capítulo da disputa entre as alas política e econômica do governo, que se arrasta desde o começo da gestão Bolsonaro.

Dentro do próprio governo, há defensores de medidas mais agressivas para baixar na marra o preço dos combustíveis, que impulsionou a inflação em 2021 e deve continuar pressionando o bolso dos consumidores em ano eleitoral. Auxiliares palacianos costumam condicionar uma eventual melhora no desempenho do mandatário nas pesquisas, hoje atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à melhora na condição de vida, passando pela queda no preço do combustível
Nesta semana, Bolsonaro fez um apelo pela aprovação da medida.

“Peço agora ajuda aos parlamentares aqui. Ninguém vai fazer nenhuma barbaridade, mas quero que emergencialmente me deem os poderes de zerar o imposto do diesel -do gás de cozinha nós já zeramos-, para enfrentar esses desafios”, afirmou Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto. Pela primeira vez, na semana passada, a pesquisa de preços da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) detectou gasolina sendo vendida a mais de R$ 8 por litro.

A PEC apresentada vai rivalizar com outras propostas já em tramitação no Senado.
Na noite de terça-feira (1º), Pacheco se reuniu com Lira para tratar das propostas em tramitação. No entanto, não houve ainda uma definição sobre qual delas ganhará preferência. Lira cobrou publicamente Pacheco e o Senado durante o recesso parlamentar, pois a Casa havia engavetado uma proposta aprovada na Câmara para tentar mudar a forma de cobrança do ICMS.

Um líder próximo a Pacheco afirma que o encontro de terça serviu para que fossem explicadas alterações que devem ser promovidas no texto vindo da Câmara. Em reunião de líderes de bancada nesta quinta-feira (3), não houve definição sobre a questão dos combustíveis. Um novo encontro, específico para tratar desse tema, será realizado na próxima semana.

O relator das propostas no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), afirma que um dos textos sob seu cuidado vai conter medidas para a redução dos tributos do diesel -inicialmente seria apenas para esse combustível. Uma das propostas já pronta para votação em plenário, após aprovada na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), ainda prevê a criação de uma fonte de custeio para uma espécie de fundo para ser usado na estabilização dos preços. Os recursos viriam por meio de um imposto sobre a exportação de petróleo e derivados.

Prates explicou ao presidente do Senado que o formato de fundo pode incorrer em vício de origem, porque apenas o Executivo pode legalmente criar esses mecanismos. Por isso trabalha em uma forma alternativa, que será apenas uma conta de compensação para angariar esses recursos.

Outro parlamentar que pretende apresentar proposta para a redução do preço dos combustíveis é o senador recém-empossado Alexandre Silveira (PSD-MG), que chegou a ser convidado para líder do governo no Senado, mas não deve aceitar. Silveira defende posições consideradas mais radicais pela equipe econômica. “Eu estou estudando de forma muito profunda uma PEC que tenha uma concepção mais ousada do que a PEC que autoriza apenas a redução de tributos por parte da União, dos estados e dos municípios”, afirmou na quarta-feira (2), após a sua posse.

Silveira tem dito que as dificuldades para aprovar uma PEC desidratada ou mais ousada seriam as mesmas. Por isso, ele quer investir também na ideia de um fundo de estabilização dos preços. A diferença é que o senador mineiro defende o uso de dividendos da Petrobras para essa finalidade. Além disso, os recursos não seriam destinados apenas para segurar o valor do diesel, mas também de outras fontes de energia.

“Sobre a PEC, eu entendo que apenas a redução de tributos ou até mesmo a isenção dos tributos não é suficiente para conter os balanços da alta de petróleo que vem do exterior comprimindo o Brasil”, afirmou. “O que pode ser feito agora é otimização dos dividendos da Petrobras, para financiarem o equilíbrio do preço dos combustíveis no Brasil, do óleo diesel, do gás e da energia elétrica”, completou.

Até então, Silveira apresentaria a proposta pelo governo, mas o Planalto acabou convidando o deputado Christino Aureo (PP-RJ) para protocolar o texto do governo.