Produção de veículos cai 3,5% em fevereiro e setor antecipa março difícil

A falta de componentes somada à alta dos preços de insumos no mercado internacional fez a produção de veículos cair 3,5%..

A falta de componentes somada à alta dos preços de insumos no mercado internacional fez a produção de veículos cair 3,5% no Brasil em fevereiro na comparação com o mesmo mês de 2020. O dado foi divulgado nesta sexta (5) pela Anfavea, entidade que representa as montadoras instaladas no país.

Na comparação com janeiro, houve retração de 1,5%. Os dados incluem carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões.

As variações podem parecer pequenas, mas o contexto mostra o contrário. As montadoras não pararam durante o Carnaval deste ano, diferentemente do que ocorreu em 2020, antes da pandemia. As empresas usaram as peças disponíveis enquanto negociavam novos contratos, e veem março como um período muito difícil, em que já ocorrem paradas nas linhas de produção.

A General Motors iniciou férias coletivas de 20 dias na fábrica de Gravataí (RS) e anunciou nesta segunda (1º) um plano para suspensão temporária de 600 contratos de trabalho em São José dos Campos (interior de São Paulo). Essa medida deve entrar em vigor na segunda (8) e se estender até o dia 8 de maio.

Essas ações mostram a gravidade do problema: as fábricas paralisadas por falta de peças -principalmente semicondutores- produzem o carro mais vendido do país (Chevrolet Onix, montado na região Sul) e o modelo nacional mais rentável da GM, a picape S10 (feita no estado de São Paulo).

Foram feitas operações de guerra para manter as linhas ativas ao longo do primeiro bimestre. Houve casos de empresas que buscaram os componentes de helicóptero em portos e aeroportos para não interromper suas linhas de montagem.

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, evita falar em um possível apagão da indústria devido aos problemas com o fornecimento de peças, mas não descarta que isso possa ocorrer pela falta de semicondutores.

“Se não recebemos esses componentes, deixamos de comprar também aço, pneus e partes plásticas”, diz o executivo.

Com as dificuldades, os estoques seguem baixos. Segundo a Anfavea, há carros suficientes para atender a 18 dias de vendas, patamar que deve ser mantido ao longo do ano.

Os reflexos nas vendas são imediatos. Há filas de espera por alguns modelos e queda de 16,7% nos emplacamentos na comparação entre os meses de fevereiro de 2020 e de 2021.

Embora também sofra com a falta de componentes, um recorte sobre o setor de veículos pesados mostra que o segmento permanece aquecido. A produção teve altas de 29,3% na comparação com fevereiro de 2020 e de 37,9% em relação a janeiro. O agronegócio continua sendo o principal responsável por esse crescimento.

“Tivemos 7,8 mil caminhões vendidos em fevereiro, um crescimento de 21,4% em relação a fevereiro de 2020 e de 3,2% na comparação com janeiro”, diz Marco Antonio Saltini, vice-presidente da Anfavea.

O setor de pesados segue puxando as contratações, mesmo que sejam para vagas temporárias. Houve alta de 1,2% nos postos de trabalho entre janeiro e fevereiro, a maior parte em empresas que produzem caminhões. Contudo esse número deve terminar 2021 em queda devido às demissões na Ford, que fechou suas fábricas no Brasil. Os desligamentos ainda não foram efetivados.

Em meio às incertezas, chegou o momento de renovar os contratos com fornecedores de insumos. “São negociações de pitbull, sai faísca”, diz Moraes sobre as conversas entre siderúrgicas e montadoras. Para o executivo, o que mais preocupa são os pequenos e médios fornecedores, que adquirem aço de distribuidores, e não diretamente nas empresas de siderurgia. Por isso, têm menor possibilidade de negociação.

A alta impacta no valor final cobrado pelos veículos, e a Anfavea vê que essa pressão está chegando ao limite. “Há o problema de como repassar isso, temos a impressão de estar matando nosso consumidor, que a cada dia terá menos capacidade de absorver esses preços”, afirma Moraes.

O executivo diz que, nesses momentos de crise, as carcaças do custo Brasil voltam a aparecer no leito seco do país. “A taxa de juros está baixa, mas continua um inferno para quem precisa tomar dinheiro para fazer investimentos, comprar uma máquina, um caminhão ou um automóvel”.

Ele enumerou os problemas logísticos, estruturais e sanitários do momento: falta de insumos, atrasos de fretes, falta de contêineres, necessidade de lockdown para conter a disseminação da Covid-19 e voos cancelados.

Moraes voltou a criticar o modelo de cobranças de impostos no Brasil, que chamou de “manicômio tributário”. A queixa tem sido levada quinzenalmente à equipe econômica do ministro Paulo Guedes -a rotina de reuniões já foi retomada neste ano.

Como exemplo, o executivo disse que uma negociação de compra de um carro de R$ 100 mil com a entrega de outro na troca gera um gasto de R$ 42.080 diluído em tributos federais, estaduais e municipais.

A mudança nas regras para compra de veículos por pessoas com deficiência azedou ainda mais a relação.

A medida provisória publicada nesta terça (2) restringe a isenção, até 31 de dezembro, a carros novos com preço de até R$ 70 mil, incluindo tributos incidentes, e amplia o prazo de troca desses veículos de dois para quatro anos. A mudança é uma das compensações para a isenção de tributos federais incidentes sobre o óleo diesel e o gás de cozinha.

O teto de R$ 70 mil foi estipulado em 2008. Segundo a Anfavea, a pressão de custos indicaria, pelo IGPM, que o valor corrigido deveria ser de R$ 169,5 mil.