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É melhor ter Olimpíada sem torcida do que não ter, afirma Usain Bolt

É melhor ter Olimpíada sem torcida do que não ter, afirma Usain Bolt

Quando a pandemia da Covid-19 provocou o adiamento dos Jogos de Tóquio para julho de 2021, Usain Bolt, 34, não achou uma..

Alex Sabino - Folhapress - domingo, 18 de julho de 2021 - 20:00

Quando a pandemia da Covid-19 provocou o adiamento dos Jogos de Tóquio para julho de 2021, Usain Bolt, 34, não achou uma má ideia.

Ele acreditou que seria possível levar Olympia Lightning Bolt para ver sua primeira Olimpíada. A filha do velocista nasceu em maio de 2020, cerca de três anos após a aposentadoria do pai.

O vírus tinha outros planos. A doença não arrefeceu em parte do planeta, Japão incluído, e torcedores não estarão presentes nos estádios. O jamaicano vai acompanhar pela TV as provas que dominou por três Jogos consecutivos.

“Vai ser uma experiência diferente, mas vou relaxar e aproveitar a competição”, afirma um dos maiores atletas da história, recordista mundial dos 100 m e 200 m, em entrevista à Folha de S.Paulo uma semana antes do início da Olimpíada de Tóquio.

Bolt não deseja passar a imagem de que as restrições serão ruins. Ele sabe o quanto os corredores esperam por esse momento. Se as arquibancadas vazias e o protocolo que evita o contato entre atletas, torcedores e imprensa são necessários, paciência.

“Não vai ser a mesma coisa, mas vivemos momentos difíceis. É melhor ter a Olimpíada sem torcida do que não ter Olimpíada”, se conforma.

Segundo nome com mais medalhas de ouro no atletismo dos Jogos, Bolt se despediu do evento em 19 de agosto de 2016, na pista do Nilton Santos, no Rio de Janeiro, com a vitória no revezamento 4×100 metros.

Ao cruzar a linha de chegada, apontou para a torcida, enrolou-se numa bandeira da Jamaica, ensaiou passos de dança com os outros integrantes do time (Asafa Powell, Yohan Blake e Nickel Asmeade) e deu uma volta no estádio para aproveitar pela última vez os aplausos e a adulação que recebia.

Era o adeus, o desfecho perfeito imaginado para a sua carreira olímpica.

“Eu já sabia que minha última Olimpíada seria no Rio, então apenas tentei desfrutar daquele momento. Era a chance também de agradecer aos torcedores que me apoiaram durante todos aqueles anos”, lembra-se ele, que ainda é chamado pela alcunha de “homem mais veloz do mundo.”

O apelido não é por acaso. Bolt ainda detém os recordes mundiais dos 100 e 200 metros rasos. Sua última competição foi o Mundial de Atletismo de 2017. Ele mesmo considera que seu tempo de 9.58 segundos, cravado em Berlim, em 2009, deve durar ainda por muito tempo. É a corrida a qual ainda se lembra de cada detalhe.

“Acho que um dia esse recorde será quebrado, mas não vejo como isso possa acontecer em um futuro próximo”, analisa.

Nem mesmo pelo americano Trayvon Bromell, que Bolt aponta como favorito ao ouro nos 100 metros em Tóquio. Pelo menos é o competidor que lhe vem à cabeça quando questionado sobre em quem apostaria para vencer a prova mais glamourosa do atletismo, a que fez a fama e fortuna do jamaicano.

“Eu não gosto de colocar pressão em ninguém e há muitos bons velocistas correndo em 9.8 segundos neste ano. Mas Trayvon Bromell me pareceu estar bem ao vencer o campeonato americano algumas semanas atrás e ele tem o tempo mais rápido do mundo em 2021”, ressalta, citando a marca de 9.77 segundos do atleta dos Estados Unidos.

O atletismo olímpico terá um medalhista de ouro nos 100 e 200 metros que não se chama Usain Bolt pela primeira vez desde os Jogos de Atenas em 2004. Justin Galt (100) e Shawn Crawford (200), ambos americanos, foram ao lugar mais alto do pódio na Grécia.

As três Olimpíadas seguintes tiveram o jamaicano como referência, sem que jamais tenha perdido uma final. Além dos resultados, seu carisma, o sorriso fácil mesmo sob pressão e a capacidade de se manter relevante através dos anos o elevaram à condição de uma marca global. Fizeram também com que dissesse almejar chegar ao status de Pelé e Mohammed Ali.

Seu surgimento foi uma bênção para o atletismo e, especialmente, para os 100 metros rasos, prova que ficou marcada em Jogos anteriores por suspeitas ou confirmações de doping. No livro “The dirtiest race in history” (A corrida mais suja da história, em inglês, sem publicação no Brasil), o jornalista escocês Richard Moore afirma que, dos oito finalistas em Seul, em 1988, apenas dois não estavam dopados.

Um deles, o americano Calvin Smith, quarto colocado que ficou com o bronze quando o vencedor Bem Johnson foi eliminado, publicou uma biografia com o título “It should have been gold” (Deveria ter sido ouro, em inglês, sem publicação no Brasil).

Bolt nunca teve um teste positivo de doping, mas perdeu uma medalha de ouro no revezamento 4×100 m por causa disso. Em 2017, o time jamaicano foi desclassificado de maneira retroativa da prova na Olimpíada de Pequim-2008 porque Nesta Carter foi flagrado com substância proibida.

As oito medalhas douradas que lhe restaram o fazem perder apenas para o finlandês Paavo Nurmi (nove vitórias) no ranking do maior ganhador da história do atletismo olímpico. Ele é o único a ter vencido os 100 e 200 metros em três Jogos consecutivos.

Mesmo sem treinos, viagens e provas, sua vida está movimentada, garante.

“Tem sido ótima. Estava muito ocupado com meus patrocinadores e o trabalho da minha fundação antes da pandemia. As coisas ficaram mais lentas no ano passado por causa das restrições para viajar, mas agora estou ocupado de novo”, afirma o corredor que também tentou jogar futebol profissional.

Em ação da Puma, uma de suas patrocinadoras, Bolt é embaixador da campanha “Only see great” (apenas veja coisas boas, em tradução livre do inglês), em que pretende espalhar mensagens de esperança e otimismo em meio aos desafios recentes no planeta. Neymar é outro dos embaixadores.

Ver pela TV as provas olímpicas em que foi o nome máximo por mais de uma década produz sentimento de nostalgia em Usain Bolt. Mas só até certo ponto.

“Eu sinto falta de competir. Sempre gostei de entrar em um estádio cheio de fãs gritando e esperando uma grande corrida. Mas não sinto saudades de treinar”, finaliza o velocista que deu à sua filha o nome de um de seus apelidos: lightning (relâmpago).

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