(Foto: José Tramontin/Athletico)

Codornas do Imperador, assinatura Helena de Menezes. Receita, entrada e sobremesa

Helena de Menezes é uma espécie de partisan da culinária paranaense. Uma cozinheira raiz, em outras palavras. Em sua tra..

Helena de Menezes é uma espécie de partisan da culinária paranaense. Uma cozinheira raiz, em outras palavras. Em sua trajetória de pesquisadora e chef, ela está sempre pronta para combater o bom combate, em defesa dos valores autênticos da terra. Tudo que faz está relacionado com a história, buscando sempre entrelaçar o passado ao presente. Ora, nesta linha de pensamento, aproveitou muito bem o recolhimento da pandemia para resgatar receitas antigas de família e fazer outras inovações na cozinha. A que ela mais se orgulha é a célebre receita Codornas do Imperador (que apresentamos nesta matéria). Mas, ela nos oferece também uma receita de sopa fria de pepinos com iogurte (entrada) e uma compota de laranja gigante (sobremesa) – tudo com a marca da sua busca das raízes paranaenses na gastronomia.

O prato codornas ao molho paranaense, recheadas de pinhão e marzipã (pasta de amêndoas), foi servido ao imperador japonês Akihito e à imperatriz Michiko, em duas ocasiões, quando visitaram o Brasil em junho de 1997: no banquete oferecido pelo estão presidente Fernando Henrique Cardoso ao casal imperial, em Brasília, e num almoço de gala no Jardim Botânico, em Curitiba, patrocinado pelas autoridades locais e a comunidade japonesa. Helena foi escolhida entre muitos chefs, pelo cerimonial da comissão organizadora da visita, para fazer as codornas, o prato principal, três meses antes da visita. As codornas fizeram sucesso. Para dar cabo de sua receita de codornas na capital federal, teve de levar na bagagem cinquenta quilos de pinhão.

“Cada etnia aproveitou o pinhão de seu modo”

Helena começou a se dedicar à pesquisa sobre as origens da culinária paranaense em 1989, depois que pediu demissão do cargo de secretária-executiva da Nutrimental, indústria de alimentos processados. Frequentadora do extinto restaurante La no Pasquale, no Passeio Público, em Curitiba, foi lá que pegou gosto pela feijoada ali famosa, que acabaria sendo o carro-chefe de seu restaurante Manjericão. Em três meses, ganhou a tão cobiçada estrela do “Guia Quatro Rodas”, sinônimo de qualidade na comida e serviços. Montou, também, o tradicional Estrela da Terra, que geriu por um tempo. Mas, depois, optou por morar uma temporada na Espanha. No retorno ao Brasil, desengavetou velhos cadernos com receitas típicas da comida da terra, passando a trabalhar com bufê em domicílio – o que faz até hoje.

Helena é autora do livro “Pinhão Indígena” (2009, editora do Senac). Ela resgata a história das diferentes formas da utilização do pinhão pelos índios, tropeiros e imigrantes europeus que desbravaram o Paraná. Os índios, por exemplo, comiam o pinhão cozido em panelas de barro, em forma de paçoca ou como farinha, batido no pilão. “Cada etnia aproveitou o pinhão de seu modo. Os italianos, por exemplo, o comiam com arroz e o colocavam na carne. Já os eslavos o assavam na própria folha do pinheiro grimpa)”, conta ela.

Aproveitando os conhecimentos da chef, aliás, em toda a safra de pinhão (abria a agosto), nos últimos anos, ela tem montado uma pequena indústria para processar o pinhão. Uma parte ela congela o fruto com a casca. Outra embala o pinhão descascado a vácuo. Só uma rede de supermercados da capital encomendou trezentos quilos, neste ano.

Outra passagem marcante em sua carreira foi a de ser a chef escolhida para marcar os 90 anos do grande artista Poty Lazarotto (1924-1998, faleceu aos 74 anos), em 29 de março de 2014, no restaurante do Passeio Público, que era frequentado por artistas, políticos, jornalistas e personagens do cenário cultural da cidade.

Sopa Fria de Pepinos e Iogurte, receita dos eslavos de Curitiba

De maneira geral, a formação recente do Paraná, elevado à Província somente 1853, reflete na sua própria culinária. É isso que a pesquisadora e chef Helena de Menezes e outros buscaram e vêm buscando recontar. Nos primeiros tempos, os habitantes desse território incorporaram os hábitos alimentares dos índios e nativos, como é natural nesses processos, e dos portugueses, nossos primeiros colonizadores. Numa segunda fase, adotaram os costumes dos novos imigrantes europeus. Isto tornou os hábitos culinários mais ricos e variados.

Este é o caso da receita da sopa fria de pepinos e iogurte, receita que veio com a leva de imigrantes eslavos para Curitiba (e também para o interior). O prato foi recriado pela chef Helena. Parecido com o gazpacho espanhol e o tzatziki grego, este é um prato típico dos eslavos do Cáucaso (região montanhosa situada na parte meridional da Rússia, entre o mar Negro e o mar Cáspio), segundo ela. “Proveniente das montanhas do Cáucaso, é chamada oyydukh e usa o iogurte diluído em água, criando assim uma sopa refrescante de verão. É servido frio, em pequenas tigelas. É possível prepará-lo mais espesso como molho de acompanhamento, com menos água. Adicionado de pimentões e tomates, aparece na Andaluzia espanhola como gaszpacho”, explica.

Ingredientes (2 a 3 pessoas)

  • 1 dente de alho
  • 4 ou 5 pepinos descascados e sem sementes
  • ½ cebola roxa
  • Suco de 1 limão
  • Hortelã e salsa picadas a gosto
  • ½ xícara (chá) de iogurte desnatado
  • ½ copo de água
  • 1 pimenta pequena (opcional)
  • Pimentão verde (opcional)
  • Sal

Preparo

Coloque no processador o alho os pepinos e a cebola. Junte suco de limão, sal, as ervas, água e a pimenta. Bata por três minutos ou até que esteja tudo bem picado. Junte o iogurte e bata (botão pulsar). Prove, ajuste os temperos e deixe descansar na geladeira por uma hora. Retire da geladeira e sirva em seguida.

Codornas do Imperador em tempos de pandemia da chef Helena

Como tudo ficou mais caro nesta pandemia,  a chef Helena resolveu reciclar a receita Codornas do Imperador. As caras (e também cada vez mais raras) codornas (200/250 g cada uma) foram substituídas pelo galeto (600 g), vendido em açougues especializados ou até em supermercados. O marzipã (massa de amêndoas) também pode ser opcional, considerando o custo e a dificuldade de ser encontrado. O pinhão usado fora da safra foi congelado (quem se lembrou!?).

Ingredientes

  • 12 codornas limpas e desossadas (ou 6 galetos mencionados)
  • 500 g de pinhões cozidos com sal, passados levemente no processador
  • 500 g de pinhões inteiros cozidos com sal, para enfeitar o prato
  • 200 g de marzipã (pasta de amêndoas, opcional)
  • Sal a gosto, pimenta branca moída e 1 maço de manjericão
  • Azeite e oliva
  • Suco de dois limões
  • Mostarda de Dijon
  • 1 copo de Frangelico (licor de nozes e avelãs)

Preparo

Temperar os galetinhos com sal, o manjericão, o suco de limão, a mostarda de Dijon, o azeite de oliva e a pimenta. Deixe marinar por 2 horas. Processar o pinhão com sal, rechear com esta massa e levar os galetos ao forno, pincelando com manteiga, para um bonito dourado. O tempo de cocção deverá ser medido pela potência do forno, geralmente meia hora em 180 graus.

Modo de fazer o molho

Liquidificar o tempero da marinada com o licor e o manjericão. Recolher a crosta dourada do assado, raspando a assadeira com uma espátula, passando para uma panela. Adicionar ao molho a mistura liquidificada, fazendo redução até que engrosse. Adicionar os pinhões inteiros ao molho reduzido, ferver por cinco minutos e cobrir os galetos com esta mistura, enfeitando o prato. Servir com arroz branco.

Dicas de cozinheiro

Dica para o pinhão: cozinhar na pressão por meia hora; após este tempo abrir a panela, colocar sal (meia colher de sopa para 1 kg de pinhão), fechar a panela e cozinhar por mais meia hora. O pinhão, quando colocado de molho na noite anterior, após cozido, abre na ponta, sendo facilmente descascado. Bastará tão somente apertar com uma faca grande para extraí-lo.

Dica para desossar as aves: retire a fúrcula (sambiquira) e nesta abertura, alcance com os dedos a ponta final do pescoço, segure firme e vire a ave ao avesso. Retire os ossinhos desde o pescoço até a costela, deixando somente os da coxa e sobrecoxa. Os ossos são pequenos e flexíveis; sairão sem problemas com a ponta de uma faquinha afiada. Poderá depois ser desvirada facilmente. E, após marinar, receber recheio no oco que se formará. É uma tarefa que requer mais paciência que destreza.

Receita de doce de laranja gigante

Em Jaguariaíva, nos Campos Gerais paranaenses, além de muitas outras árvores frutíferas como caquizeiros, pessegueiros, pereiras, jabuticabeiras, havia diversas laranjeiras, entre as quais as que não cresciam muito, mas que produziam laranjas gigantes(Citrus grandis), conta a chef Helena de Menezes. Algumas delas chegavam a pesar bem mais de 1 kg. Não se comia “in natura”; somente na forma de doces. Para fazer compota, é preciso cortar uma tampa na laranja, repicar bem a polpa com uma faca (tem poucas sementes), colocar bastante açúcar na polpa, e levar a laranja sobre a chapa do fogão a lenha, quem tiver. Depois de algum tempo, tirar a laranja do fogão deixar esfriar.  Esta é uma receita de compota bastante antiga.

Ingredientes (2 pessoas)

  • 1 laranja gigante
  • 1 kg de açúcar cristal
  • 1 e 1/2 litro de água
  • Cravo e canela em pau a gosto

 Preparo

Descascar toda a laranja, cortar as cascas em pedaços pequenos, e retirar todo o bagaço. Cortar esses pedaços ao meio novamente para que não fiquem muito grandes. Colocar em uma panela grande com água e quando levantar fervura retirar do fogo e escorrer a água. Repetir o processo de 3 a 4 vezes. Colocar na panela 01 e 1/2 litro de água e o açúcar e levar ao fogo médio. Deixar ferver até ficar uma calda grossa. Colocar os pedaços da laranja e continuar a ferver. Quando a água estiver quase secando, pingar mais um pouco de água quente. Fazer isso até o doce dourar bem.