Festival gastronômico marca retorno ao Mercado Municipal de Curitiba

Qual é o segredo da vitalidade do Mercado Municipal de Curitiba, que em 2022 vai completar 64 anos? Cada vez que o super..

Qual é o segredo da vitalidade do Mercado Municipal de Curitiba, que em 2022 vai completar 64 anos? Cada vez que o supermercado apresenta um produto ruim, o especializado cresce, disse certa vez um dos mais fortes importadores de Curitiba, Pedro Corrêa de Oliveira, dono da Porto a Porto. A frase continua muito atual. Embora os supermercados tenham se especializado e melhorado muito seus serviços nos últimos anos, eles ainda não conseguem competir com o mercado num quesito essencial: o varejo é feito com sangue correndo nas veias, não é frio, recriando todo o dia o conceito de que o bom produto é inerente ao bom e pessoal atendimento.

Como toda a economia e o comércio nesta pandemia, o Mercado Municipal de Curitiba foi abalado pelas duras restrições e temores dos clientes, mas os permissionários (comerciantes), em sua grande maioria, sobreviveram. Além disso, no período, o mercado perdeu clientes por causa da grande alta da inflação. No entanto, embora o movimento atual seja menor do que antes da pandemia, os comerciantes apostam no caminho da recuperação e em um Natal bem alvissareiro. Hoje, praticamente, não há restrições de circulação por causa da Covid-19, a não ser o uso estrito da máscara. Os clientes habituais e turistas estão voltando e os restaurantes funcionando quase a todo vapor.

Leia: Curitiba rural preserva culinária polonesa

Leia: A cozinha italiana clássica de Dudu Sperandio

Leia: Codornas do Imperador, assinatura Helena de Menezes. Receita, entrada e sobremesa

Festival abre o período natalino do Mercado Municipal

Um claro sinal de “renascimento” do mercado é o Festival Gastronômico promovido pela Associação dos Comerciantes Estabelecidos no Mercado Municipal de Curitiba (Ascesme), que vai até o sábado dia 21. Ao todo serão 15 restaurantes participantes com 25 pratos inspirados nas cozinhas de várias partes do mundo. Os preços são populares; variam entre R$10,00 e R$35,00. Restaurantes, cafeterias e lanchonetes se uniram para oferecer opções para café da manhã, almoço e lanche da tarde para compensar o tempo perdido.

“Quem passar pelo Mercado Municipal durante o festival terá a oportunidade de fazer uma viagem gastronômica, descobrindo receitas nacionais e internacionais com valor especial em estabelecimentos tradicionais da cidade, afirma Cleverson Augusto Schilipacke, presidente da Ascesme. Ele está otimista com esse tipo de iniciativa para estimular a volta do turismo seguro e um maior número de frequentadores habituais. Para garantir mais saúde e segurança aos clientes e funcionários, segundo Cleverson, as mesas da praça de alimentação do mercado permanecerão distanciadas e serão higienizadas diversas vezes ao dia, seguindo as orientações das autoridades de saúde.

As mulheres que “mandam” no Mercado Municipal

Nas duas últimas décadas, o Mercado Municipal de Curitiba evoluiu e tornou-se cada vez mais abrangente na área de alimentação e também nos serviços alimentares. Revitalizado em 2002, hoje, abriga 197 permissionários, que colocam à disposição do público cerca de 80 mil itens.  São produtos paranaenses, de todo o Brasil e de âmbito global. Em média, a Ascesme estima que estão passando pelo mercado, nesta pós-pandemia, cerca de mil pessoas por dia.

“Mulheres 40 +, classe A/B, pessoas casadas e que moram com mais de uma pessoa em casa representam mais de 50% do público frequentador do mercado. A amostra revelou que 60% dos entrevistados pertencem ao sexo feminino, sendo que 47% do público são casados e 59% dele têm filhos, morando com mais de uma pessoa na mesma casa (90%)”, explica Cleverson.

Em grande parte das lojas predominam o bacalhau, azeite de oliva, queijos, vinhos, cervejas, azeitonas, macarrão italiano, champignons, molhos, frutas secas, nozes, temperos, especiarias, carnes e embutidos, peixes e fruto do mar, cereais, enlatados em geral e itens da culinária japonesa. Algumas dedicam mais espaços aos vinhos. Outras têm grifes exclusivas de produtos ou linhas bastante sofisticadas de importados e continua grande a parte dos hortifrutigranjeiros. Em síntese, cada loja procura apresentar o seu diferencial, num rol incontável de mercadorias que sempre têm um cliente específico. Os restaurantes na parte superior e os cafés nas áreas externa e interna têm clientela certa.

A elevação do poder aquisitivo do brasileiro, aliada as massivas ofertas da globalização, foi o fator que empurrou o crescimento do mercado e a elevação da qualidade do seu mix de produtos singulares. São tendências que não ocorrem somente em Curitiba ou no Brasil. A rigor, o comércio da atualidade adquiriu duas vertentes: o varejo pensado e o varejo pensante. No primeiro caso, o cliente é tratado com base num perfil mais ou menos igual (mediano) no mundo desenvolvido, com “preferências gerais”. No segundo, o consumidor tem a oportunidade quase sempre de contato direto com os responsáveis pelas lojas. E este segundo ponto o mercado faz bem.

O Mercado Municipal cresceu com a evolução da cidade

O prefeito Ney Aminthas de Barros Braga (1917-2000), em sua gestão de 1954 a 1958, aprovou e assinou um projeto bastante original para a construção do futuro mercado (1955), com mais de oito mil metros quadrados de área. O mercado foi construído com recursos da iniciativa privada, o que surpreendeu muita gente. O custo da obra foi assumido pela concessionária, a companhia Gastão Câmara S/A. Em troca, a empresa adquiria o direito de explorar o comércio dos boxes, bancas e lojas por vinte anos. Terminada a concessão, a renda passaria a ser do município, sob a responsabilidade da prefeitura. Foi isso que aconteceu, no terreno da antiga Avenida Capanema (atual Afonso Camargo).

Em 2 de agosto de 1958, foi então inaugurado o Super Mercado Municipal de Curitiba – nome que ostenta até hoje em sua fachada, como se estivesse vislumbrando o futuro. As obras duraram mais de dois anos, de maio de 1956 a julho de 1958. O projeto construtivo foi elaborado pelo engenheiro Saul Raiz, mais tarde prefeito de Curitiba (1975-1979). E o engenheiro responsável pela obra foi Affonso Alves de Camargo Neto (1929-2011).  A concessão acabou faz tempo e, hoje, quem administra o mercado é a Secretaria Municipal do Abastecimento.

A inauguração do mercado deu um novo alento àquela região desabitada do antigo Capanema. Foram muito mais que melhorias urbanas imediatas: o entreposto, criado para a comercialização de alimentos e hortifrutigranjeiros, acabou sendo um dos principais elementos catalisadores do desenvolvimento do bairro e região de influência, nas décadas de sessenta e setenta e também posteriormente.

Mercados, história muito antiga que reflete a civilização

O mercado, do latim Mercatu, tem na sua essência características muito semelhantes na linha do tempo. Quer busquemos exemplos nas narrativas históricas dos gregos e persas, dos chineses aos egípcios, da Idade Média ao Renascimento, ou da era da Revolução Industrial à pós-modernidade, hoje. É um espaço público que, em seu âmago, remete ao conceito de democracia. Sua dimensão no país ou na cidade, pequeno ou grande, expressa as diversidades da cultura e da vida material. Suas cores, aromas, sabores e revelações representam a complexidade e as riquezas da natureza humana.

As origens dos mercados públicos no Brasil têm múltiplas singularidades, mas todos foram criados com um só objetivo: concentrar o comércio num único ponto. Da mesma forma, o de Curitiba nasceu da necessidade prática de se centralizar a venda e a revenda de produtos da terra procedentes do cinturão verde da cidade. Antes, o abastecimento era nômade. Os colonos traziam em carroças sua produção e transitavam pelas ruas oferecendo seus produtos. O mercado se sofisticou e atende a um público mais específico. O Ceasa (Centrais de Abastecimento do Paraná), com o crescimento populacional e a transformação da logística,  há décadas, passou a ter esse papel, que era originalmente do mercado.

Como o Maia Box, restaurantes são patrimônio do Mercado Municipal  

Um dos restaurantes que representa a tradição do Mercado Municipal de Curitiba é o Maia Box, que iniciou suas atividades no ano 2000. Maialu Delfina de Barros, filha de pernambucano, que havia crescido num ambiente de uma cozinha familiar muito marcante, depois de algumas andanças encontrou um espaço à venda no mercado e resolveu iniciar o negócio desta sanduicheria, cafeteria, bistrô e bar, junto com seu marido Mauro Jordani (1954-2019), formado no curso de Cozinheiro Chefe do Senac de Águas de São Pedro (SP).

Todo mundo sabe que a rotina de um mercadão como esse é atribulada. O dia a dia é madrugar e ter que se virar numa cozinha pequena, com uma grande clientela. No entanto, Maia nunca desanimou, nem mesmo com a morte prematura do marido, e tem muito a contar nesses 21 anos do Box.

O seu cardápio de rotina, com sanduíches, aperitivos, pratos leves e outras iguarias, atende de modo geral o pessoal que trabalha no mercado e da redondeza. Mas o Box também é um ponto de encontro para pequenas confrarias e turistas, nos fins de semana e feriados, hábito que está sendo retomado diante do avanço do combate à pandemia.

Mauro Jourdani deixou nas redes sociais uma comovente despedida, que hoje é uma espécie de lema da nova fase do Maia Box: “Queridos amigos, na minha vida como chefe de cozinha, aprendi que alguns dos pratos mais deliciosos não estão em nenhum livro de receita. Eles surgem da necessidade, da capacidade de se adaptar e da disponibilidade de ingredientes do momento.”

A culinária do Box, pelas mãos de Maia, é simples e rápida, como diz a mensagem deixada por seu marido. Essas características exigem sempre muita criatividade. Maia procura preservar os aromas e sabores naturais como convém a um espaço tão rico e diversificado como o Mercado Municipal de Curitiba.

Maia apresenta aqui duas receitas, tradicionalmente servidas no Box, com um ingrediente bem conhecido dos paranaenses, o crem (raiz forte), introduzido pelos imigrantes eslavos (ucranianos e poloneses, principalmente) no estado: sanduíche de pastrami com crem e frango assado com laranja e crem e arroz pilaf com amêndoa. 

Sanduíche de pastrami com raiz forte (crem)

Ingredientes

(2 pessoas)

  • Broa escura úmida (4 fatias)
  • 300 g de pastrami fatiado
  • 200 g  de queijo tipo reino fatiado
  • 1 colher de chá mostarda amarela
  • Crem, raiz forte, a gosto
  • Chucrute
  • Maçã verde

Preparo

Misture a mostarda com a raiz forte. Passe na broa, levemente aquecida.

Acrescente o chucrute e o pastrami aquecidos; adicione também a maçã em fatias e o queijo reino derretido.

Frango assado com laranja e raíz forte (crem) e arroz pilaf com amêndoa 

Frango assado com laranja e raíz forte (crem) e arroz pilaf com amêndoa Frango assado com laranja e raíz forte (crem) e arroz pilaf com amêndoas. Foto: Bruno Tadashi.

Ingredientes

(4 pessoas)

Para o frango

  • 4 pedaços de coxa ou sobrecoxa  (com pele de preferência)
  • 6 dentes de alho (ou mais se preferir)
  • 1 colher de chá de mostarda amarela
  • Sal e pimenta-do-reino a gosto
  • Crem, raíz forte, a gosto
  • Suco de uma laranja

Preparo

Misture todos os temperos e regue o frango, deixando descansar por 20 minutos. Com o forno pré-aquecido a 180 graus, asse com papel alumínio por 20 minutos. Após tirar o papel, se preferir, acrescente mais um pouco de crem misturado a mostarda e deixar até dourar todo o frango.

Para o arroz pilaf (origem árabe)

  • 1 xícara de arroz branco
  • ½ cebola picada
  • Óleo para dourar
  • Sal a gosto
  • 2 xícaras de água com caldo de legumes

Preparo

Cozimento tradicional. Depois de cozido, acrescentar 1 colher de manteiga.

Servir com lâminas de amêndoas torrada.

Dica de acompanhamento: se preferir, lentilha colorida e salada verde com molho de mostarda.

*Maia fez o sanduíche e o frango exclusivamente para a coluna. Os pratos não fazem parte do festival.