Aviões como o de Marília Mendonça dominam os acidentes fatais na década

A banda Mamonas Assassinas em 1996, o presidenciável Eduardo Campos em 2014, o empresário Roger Agnelli em 2016, o minis..

A banda Mamonas Assassinas em 1996, o presidenciável Eduardo Campos em 2014, o empresário Roger Agnelli em 2016, o ministro Teori Zavascki, do Supremo, em 2017, a estrela sertaneja Marília Mendonça agora.

A morte dessas figuras públicas em acidentes aéreos de aeronaves de pequeno porte evidencia uma realidade mundial que se reflete no Brasil.

Na última década, não houve nenhuma morte associada à chamada aviação comercial regular, ou seja, os Boeing, Airbus, Embraer e ATR que cruzam os céus brasileiros. O último acidente fatal nessa categoria ocorreu em 2007.

Foram nos últimos dez anos 922 vítimas, das quais 479 estavam em aeronaves particulares, 152, em aviões agrícolas e 116, em táxis aéreos.

Os dados são do Cenipa, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, órgão da Força Aérea Brasileira que ganhará atenção nos próximos dias ao apurar a tragédia que matou a estrela sertaneja Marília Mendonça na sexta.

Ainda há poucas evidências sobre o que ocorreu com o modelo Beechcraft King Air em que a cantora estava quando caiu na aproximação do aeroporto de Caratinga, em Minas Gerais, num acidente que ainda matou outras quatro pessoas.

O que há de concreto é uma torre de distribuição de energia com fio atingido, o que faz supor que o bimotor turboélice a atingiu. Se for isso, a queda entrará no escaninho do quarto lugar das principais causas de acidentes desta década.

Fora 126 incidentes do tipo no pouso ou na decolagem, segundo o Cenipa. O principal vilão é a falha de motor no ar, com 362 acidentes, seguido pela perda de controle no ar -342 ocorrências- e no solo -221.

Ao todo, houve 1.822 casos até outubro, 1.311 deles com aviões, 216 com helicópteros como o acidente que matou o jornalista Ricardo Boechat e 299, com aeronaves de outro tipo, como planadores ou experimentais.

Aviões particulares e táxis aéreos compõem quase 80% da frota de 22,2 mil aeronaves no Brasil, o que ajuda a explicar a alta taxa de acidentes relacionados a eles.

Por outro lado, a regulação e inspeção de suas condições de aeronavegabilidade são mais frouxas do que as aplicadas a aeronaves comerciais, que passam por escrutínio mais apurado.

Acidentes aéreos, como se sabe, raramente se dão por só um motivo. Segundo o Cenipa, o principal fator concorrente para isso nesta década que passou foi erro de julgamento de pilotos, presente como coadjuvante em 450 casos investigados.

Diferentemente do que o senso comum indica, contudo, a ideia de que basta estar num avião acidentado para morrer é errada. Em toda a década, cerca de 50% dos passageiros envolvidos em acidentes saíram ilesos, enquanto 23% morreram, 16% ficaram levemente feridos e 9%, de forma grave.

A velha máxima de que voar é o meio mais seguro de transporte segue válida. Nos anos 1970, havia seis acidentes a cada 1 milhão de decolagens no mundo. Hoje, a média flutua em torno de um, a depender, é claro, de anos excepcionais como o 2001 do 11 de Setembro.

Em 2019, ano bom para comparações por anteceder a paralisação do setor aéreo na pandemia, morreram no mundo todo 283 pessoas em acidentes envolvendo linhas aéreas e aparelhos com mais de 14 lugares, segundo a ONG Flight Safety Foundation.

No Brasil, foram 50 vítimas, mas todas no escopo fora dessa métrica. São aviões particulares, taxis aéreos e aeronaves agrícolas –o venerando aparelho de borrifação de lavouras Embraer Ipanema, até pela característica de voar junto ao solo, é o campeão de acidentes.

Aqui cabe um parêntese. O King Air no qual estava Marília Mendonça é um avião bastante seguro. Em dez anos, houve apenas 15 acidentes no Brasil com o modelo, o 21º na lista do Cenipa de aeronaves mais afetadas em quedas e incidentes.

A tradicional comparação com os perigos da estrada se mantém. De 2011 a 2019, foram 644 mil acidentes rodoviários no país, ante 1.210 com aviões, helicópteros e afins. No período, morreram quase 500 mil pessoas em desastres rodoviários, enquanto 829 perderam a vida em aeronaves.

Há, contudo, uma ponderação importante. Tomando 2019 como exemplo, a frota brasileira de veículos era de 110 milhões, e houve 30,3 mil mortes, ou seja, 2,75 óbitos por 10 mil carros, caminhões, ônibus etc. Já no ar, a fatalidade ficou em 28,3 mortes por 10 mil aviões, helicópteros e outras aeronaves. Dez vezes mais perigoso, sob essa ótica.

Naturalmente, são apenas números de modais incomparáveis -o uso rodoviário é mais intensivo, e na estatística geral estamos falando tanto do Boeing-737 da ponte aérea Rio-São Paulo quanto o monomotor usado por um fazendeiro de Mato Grosso de tempos em tempos.

Mas, como os números mostram, o problema ora se concentra nas aeronaves menores. Claro, isso muda com um infortúnio envolvendo um avião maior –a última tragédia envolvendo um avião comercial de matrícula brasileira foi o acidente no pouso de um Airbus-320 da TAM em Congonhas, em 2007.

Novamente, é só estatística. Isso dito, o Brasil segue em uma posição desconfortável em termos amplos e, especificamente, no caso da aviação comercial. De 1945 para cá, na base de dados da Flight Safety Foundation, o país figura em quarto lugar no mundo em número de acidentes, atrás de Estados Unidos, Rússia e Canadá.