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Bolsonaro recua e revoga decreto sobre privatização de unidades de saúde do SUS

Bolsonaro recua e revoga decreto sobre privatização de unidades de saúde do SUS

RICARDO DELLA COLETTA, DANIEL CARVALHO E NATÁLIA CANCIANBRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro (sem par..

Folhapress - quarta-feira, 28 de outubro de 2020 - 20:49

RICARDO DELLA COLETTA, DANIEL CARVALHO E NATÁLIA CANCIAN

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) revogou o decreto que colocava UBS (unidades básicas de saúde) no escopo de interesse do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) após repercussão negativa gerada pela edição da norma.

O anúncio da revogação foi feito por Bolsonaro em uma rede social. Ele publicou uma mensagem intitulada “o SUS e sua falsa privatização”.

“Temos atualmente mais de 4.000 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 168 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) inacabadas. Faltam recursos financeiros para conclusão das obras, aquisição de equipamentos e contratação de pessoal. O espírito do decreto 10.530, já revogado, visava o término dessas obras, bem como permitir aos usuários buscar a rede privada com despesas pagas pela União”, escreveu o presidente.

A Secretaria-Geral da Presidência informou que o cancelamento do decreto será publicado em edição extra do Diário Oficial da União ainda nesta quarta-feira (28).

Publicado na terça-feira (27), o decreto colocava a atenção primária -porta de entrada do SUS- na mira do programa de concessões e privatizações do governo. Especialistas e entidades de saúde criticaram a medida e disseram temer a privatização da área, um pilar do sistema.

O decreto de terça era assinado por Bolsonaro e pelo ministro Paulo Guedes (Economia). Ele previa que fossem feitos estudos “de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de unidades básicas de saúde”. Não havia estimativa de quantas das 44 mil unidades poderiam ser incluídas nessas parcerias.

As reações ao decreto fizeram com que o Palácio do Planalto desencadeasse uma operação de redução de danos nesta quarta. A Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou pela manhã um texto para tentar contornar as críticas.

Na nota, o órgão afirmou que “a medida não representa qualquer decisão prévia, pois os estudos técnicos podem oferecer opções variadas de tratamento da questão, que futuramente serão analisados pelo governo federal”.​

Em outra manifestação para tentar contornar as críticas, o governo disse que os serviços “seguirão sendo 100% gratuitos para a população”. O Planalto também afirmou que partiu do Ministério da Saúde a iniciativa de colocar a atenção primária no programa de concessões e privatizações do governo -embora a norma não incluísse consulta à pasta comandada pelo ministro Eduardo Pazuello.

“A avaliação conjunta é que é preciso incentivar a participação da iniciativa privada no sistema para elevar a qualidade do serviço prestado ao cidadão, racionalizar custos, introduzir mecanismos de remuneração por desempenho, novos critérios de escala e redes integradas de atenção à saúde em um novo modelo de atendimento”, diz nota do governo.

O comunicado afirma ainda que, segundo a Saúde, a participação privada no setor é importante diante das restrições fiscais e das dificuldades de aperfeiçoar o modelo de governança por meio de contratações tradicionais.

“Atualmente, há mais de 4 mil UBS com obras inacabadas que, de acordo com o Ministério da Saúde, já consumiram R$ 1,7 bilhão de recursos do SUS.”

Apesar de o governo afirmar que a decisão partiu do ministério, o decreto retirou menção à pasta que já constava de documentos anteriores sobre a proposta.

É o caso de uma resolução divulgada em novembro de 2019 pelo PPI. No texto, que repete quase os mesmos termos do decreto, o programa já se posicionava de forma favorável à “qualificação da política de fomento ao setor de atenção primária” dentro das ações de concessões do governo. Em seguida, previa submeter a decisão ao Presidente da República.

Um dos trechos, porém, teve mudanças. A resolução previa que fossem feitos estudos para estruturar projetos-piloto, “cuja seleção será definida em ato da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimento da Presidência da República – SPPI, ouvido o Ministério da Saúde.”

A publicação da norma gerou reações de entidades que atuam na área.

Em vídeo divulgado ainda na terça, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (Conass), Fernando Pigatto, disse ver na medida uma privatização dos postos de saúde. Avaliação semelhante sobre os riscos da medida é apontada por Ricardo Heinzelmann, da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), que reúne médicos que atuam na atenção básica.

O Conass também saiu em defesa da revogação do decreto e disse que decisões relativas à gestão do SUS não podem ser tomadas de forma unilateral, mas em consenso entre as esferas federal, estadual e municipal.

“Assim, o CONASS manifesta sua integral convicção de que a APS (Atenção Primária à Saúde) necessita ser preservada em sua forma de atuar, sob gestão pública e isenta de quaisquer atrelamentos às lógicas de mercado, que não cabem, absolutamente neste caso. O decreto apresentado não trata de um modelo de governança, mas é uma imposição de um modelo de negócio.”

O secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade no Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, foi às redes sociais defender a proposta.

“Sem paciência para a fake news do dia sobre ‘privatização do SUS'”, escreveu o secretário. “A maior parte dos procedimentos do SUS já são executados pelo setor privado (Santas Casas). Além disso, PPPs em saúde não são privatizações, já existem e merecem ser estudadas sem ideologia.”

Parlamentares também foram à internet criticar o decreto sob a hashtag #DefendaOSUS.

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