Detenções na fronteira dos EUA com o México batem recorde neste ano

Agentes americanos detiveram mais de 1,7 milhão de migrantes na fronteira dos Estados Unidos com o México durante o ano ..

Agentes americanos detiveram mais de 1,7 milhão de migrantes na fronteira dos Estados Unidos com o México durante o ano fiscal de 2021, encerrado em setembro. A cifra é a mais alta já registrada, de acordo com dados do Serviço de Alfândegas e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) obtidos pelo jornal The Washington Post.

As travessias ilegais cresceram no período após a posse do presidente Joe Biden, em janeiro. Os meses com mais detenções, de acordo com os registros, foram julho e agosto -em cada um, mais de 200 mil migrantes foram presos entre os dois países, quando a média mensal em anos anteriores era de 50 mil.

Enquanto nos anos fiscais de 2012 e 2020 as detenções na fronteira sul dos EUA foram, em média, de 540 mil imigrantes, o número de 2021 foi mais que o triplo. A principal nacionalidade dos migrantes detidos é mexicana (608 mil). Na sequência, estão os centro-americanos Honduras (309 mil), Guatemala (279 mil) e El Salvador (96 mil) -países que formam o chamado Triângulo Norte.

O número de brasileiros também explodiu. Dados do CBP anteriores à divulgação desta quarta pelo Washington Post indicavam que mais de 47 mil cidadãos do Brasil haviam sido apreendidos entre outubro de 2020 e setembro de 2021.

O órgão começou a fazer o monitoramento em 1960, segundo mostram os registros históricos. Naquele ano, foram 21 mil detenções ou expulsões na fronteira com o México. Na década de 1970, a cifra anual ultrapassou 200 mil -e nunca mais foi menor que isso.

Ao longo das seis décadas de registros, porém, nenhum ano fiscal obteve o volume de detenções observado atualmente. O ano de 2000, recorde anterior, contabilizou 1,64 milhão de detenções, cerca de 90 mil a menos que o ano fiscal de 2021.

A fiscalização na fronteira se tornou um desafio político para Biden, que tem recebido críticas tanto de republicanos quanto de seus apoiadores. A decisão do governo democrata de deportar milhares de migrantes haitianos detidos na fronteira em setembro, por exemplo, fez com que o enviado especial dos EUA para o Haiti, Daniel Foote, renunciasse e descrevesse a conduta do governo como desumana.

O líder da maioria democrata no Senado, Charles Schumer, de Nova York, também teceu críticas. “A decisão desafia o bom senso”, disse o senador, em um discurso no plenário da Casa. “Também desafia a decência e o que é a América.”

Pesquisa realizada pela Reuters em parceria com o instituto Ipsos em setembro mostrou que apenas 38% dos americanos dizem aprovar a política migratória de Biden -porcentagem que sobe para 65% se os respondentes forem democratas e cai para 10% se forem republicanos. Foram entrevistados mil americanos com mais de 18 anos.

Em uma audiência do Senado nesta terça-feira (19) com Chris Magnus, indicado por Biden para chefiar a patrulha na fronteira, senadores da oposição caracterizaram a situação como uma crise migratória. Magnus, por sua vez, descreveu o cenário como um “desafio significativo” e defendeu a permanência da medida conhecida como Título 42.

Estabelecida pelo ex-presidente Donald Trump em março de 2020 sob o pretexto de auxiliar a conter o avanço da pandemia de Covid-19, a ordem de saúde pública permite a expulsão imediata de pessoas que forem detidas tentando entrar pela fronteira de forma ilegal, sem que elas possam solicitar asilo.

Era esperado que Biden, ao assumir a Casa Branca, deixasse de aplicar o Título 42, apontado como uma das principais alavancas para o salto na quantidade de detenções. Desde o início do mandato, porém, a medida continua em uso e, em agosto, o governo do democrata a renovou por mais dois meses.

Especialistas em migração vêm apontando que a ordem leva a tentativas repetidas de travessia, o que, por consequência, acarreta maior número de detenções. Segundo as informações obtidas pelo The Washington Post, a taxa de reincidência nos últimos meses foi o dobro da registrada nos anos anteriores.

Do total de 1,7 milhão de detenções no ano fiscal de 2021, mais de 60% foram feitas sob o guarda-chuva do Título 42. Dados do CBP mostram que, desde que a medida entrou em vigor até agosto deste ano, mais de 1 milhão de expulsões foram fundamentadas na ordem -somente no mês de agosto, por exemplo, foram mais de 93 mil.

Para Magnus, a insistência na medida, apesar da crise migratória que se agrava, justifica-se porque seria “absolutamente necessário fazer todo o possível para impedir a disseminação da Covid-19”. O possível futuro chefe da patrulha fronteiriça disse, ainda, que apoiaria a vacinação de imigrantes que estão sob custódia federal e a aplicação de testes para o coronavírus no grupo, o que poderia derrubar a necessidade do Título 42, justificada pela crise sanitária.

O CDC (Centro de Controle de Doenças) dos EUA afirmou, em agosto, que a política seria mantida até que não houvesse mais perigo de que pessoas que não são cidadãs americanas transmitam o vírus ao cruzar a fronteira. A partir de novembro, outras restrições impostas nas fronteiras do país durante a pandemia serão suspensas para cidadãos vacinados, mas a Casa Branca já reiterou que só poderão entrar os que também apresentarem documentos que permitam a imigração.

Em seu discurso de abertura no Senado, Chris Magnus, 60, lembrou que sua própria família é composta por imigrantes: o pai veio de Oslo, capital da Noruega, e o marido, Terrance Cheung, de Hong Kong. Ele prometeu adotar uma abordagem “pragmática e bipartidária”, de acordo com a emissora pública NPR.

O agente foi indicado por Biden para liderar o serviço de patrulhamento de fronteiras em abril, mas precisa que seu nome seja confirmado pelo Congresso. Chefe de polícia de Tucson, no Arizona, ele tem se aliado ao grupo mais progressista do Partido Democrata, que pleiteia uma política de segurança e policiamento menos violenta.

Ao longo dos últimos meses, porém, a indicação de seu nome vem recebendo críticas de alguns setores, entre eles o Conselho Nacional de Patrulha da Fronteira, sindicato que reúne três quartos dos mais de 20 mil agentes. Membros da associação, conhecida por apoiar as políticas de Trump e por ter endossado a campanha do republicano à reeleição, argumentam que Magnus já se recusou a trabalhar com o CBP.

Referem-se a um episódio de 2017 durante o qual, segundo relatos dados à agência de notícias Reuters, a polícia de Tucson, já chefiada por Magnus, recusou a cooperação da patrulha da fronteira para encontrar um imigrante hondurenho que fugiu de um hospital quando um policial local, que o supervisionava, se distraiu.

Integrantes do sindicato dizem que a recusa foi motivada pelo receio de Magnus de enfrentar manifestações em defesa dos imigrantes, o que demonstraria que o chefe de polícia estaria mais preocupado com a política do que com o pleno funcionamento da segurança migratória.

A agravada situação na fronteira dos EUA com o México tem sido palco também para cenas, cada vez mais frequentes, de crianças cruzando a divisa sozinhas ou, então, sendo abandonadas por coiotes.

Somente no mês de agosto, 18.847 crianças desacompanhadas cruzaram a fronteira, número cinco vezes maior que o registrado no mesmo mês em anos anteriores.

Até a publicação deste texto, o CBP não havia comentado a reportagem do Washington Post.