Janaina Chiaradia

In loco: transmitindo informações e compartilhando experiências

Da série: questões imobiliárias e urbanísticas

Em mais uma matéria da série, dentro do In Loco, com a amiga, expert na área de Direito Imobiliário e Urbanístico, Debora de Castro da Rocha, e seus convidados, nos apresenta suas reflexões e ensinamentos… então vamos lá!

USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS PERTENCENTES ÀS COMPANHIAS HABITACIONAIS DE ECONOMIA MISTA

Debora Cristina de Castro da Rocha

Nesta senda, a usucapião urge no ordenamento jurídico brasileiro com o escopo de proteger a função social da propriedade, direito fundamental previsto no bojo constitucional em seu art. 5º, incisos XXII e XXIII, cumprindo, ainda, com a promoção da justiça social, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Por este viés, considerando-se a classificação dos bens públicos e o instituto jurídico da usucapião, analisa-se a incidência da aquisição da posse em face da classificação ora exposta e à luz do art. 102 do Código Civil, que dispõe “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”

A propósito, por conseguinte, cabe se discutir a evolução das linhas gerais de políticas públicas habitacionais, como por exemplo o Sistema Financeiro de Habitação (SFH)

Por oportuno, vale mencionar que com o mesmo propósito fora criado o projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV), que dispõe sobre a regularização fundiária de imóveis rurais e urbanos, todavia, a aplicabilidade da referida legislação depende totalmente de um plano diretor, das ditas políticas públicas, dentre outros dispositivos de interesse social, que uma vez não realizados, impedem o regular andamento do procedimento e por via de consequência, a obtenção do título de propriedade.

Muito embora a lei supramencionada tenha sido animada pelo interesse de proporcionar a regularização fundiária, e que na mesma esteira, alguns municípios tenham criado legislações para regulamentar a questão na esfera municipal, tem-se que, diante da morosidade na sua efetivação, muitos possuidores de imóveis pendentes de regularização acabam sendo obrigados a buscar em nosso ordenamento jurídico dispositivos hábeis à satisfação dos seus direitos de propriedade, tais como a usucapião.

Entretanto, o problema surge quando os ocupantes possuem imóveis que se constituem como propriedades das Companhias Habitacionais locais, o que, em alguma medida, pode gerar certa controvérsia, pois, a Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 124 de Jurisprudência em Teses, que aborda o tema Bens Públicos, dispondo o seguinte: Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedades de economia mista sujeitos a uma destinação pública, equiparam-se a bens públicos, sendo, portanto, insuscetíveis de serem adquiridos por meio de usucapião.

Todavia, a contrassenso da referida tese, por sua vez, os Tribunais, inclusive o próprio Superior Tribunal de Justiça, têm reconhecido possibilidade de usucapião em imóveis de propriedade de Companhias Habitacionais, constituídas sob sociedade de economia mista, como se depreende do entendimento da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastou a reintegração de posse e reconheceu usucapião de imóvel da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU).

No referido caso, o autor havia adquirido o imóvel de mutuários de planos de moradia há mais de 20 anos, no entanto, por inadimplência dos mutuários originais, a companhia ajuizou ação de reintegração de posse. Não obstante, o relator apontou que a companhia não adotou nenhuma medida para retomar o imóvel antes de cinco anos, prazo previsto para consolidação da propriedade em caso de inadimplemento. “Não pode agora pretender retomar o imóvel, do qual não tem mais a propriedade, diante da transmudação da natureza da posse que ali passou a ser exercida”, assim afirmou o magistrado.

Apelação – Reintegração de posse ajuizada pela CDHU – Pedido de usucapião em sede de contestação – Somente não são passíveis de usucapião, os bens públicos, a teor do art. 183, § 3º, da Constituição Federal e do art. 102 do Código Civil – As sociedades de economia mista se submetem ao regime de direito privado – Sentença reformada – Recurso provido para admitir a aquisição da propriedade pela usucapião.

(TJ-SP – AC: 02156577120098260005 SP 0215657-71.2009.8.26.0005, Relator: Luis Mario Galbetti, Data de Julgamento: 12/06/2019, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/06/2019)

No mesmo sentido, tem-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça dispondo que bens pertencentes à sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião. (Resp 647.355/MG).

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA DE DEFESA. BEM PERTENCENTE A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.

I Entre as causas de perda da propriedade está a usucapião que, em sendo extraordinário, dispensa a prova do justo título e da boa-fé, consumando-se no prazo de 20 (vinte) anos ininterruptos, em consonância com o artigo 550 do Código Civil anterior, sem que haja qualquer oposição por parte do proprietário.

II Bens pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião. Precedentes. Recurso especial provido.

Considera-se nesse sentido, ser possível a pretensão aquisitiva por usucapião de imóvel pertencente às companhias habitacionais, desde que preenchidos os requisitos legais, demonstrando-se, assim, a possibilidade pelo deferimento da tutela almejada.

Portanto, é plenamente cabível a aquisição por usucapião, se a ação for proposta em tempo hábil, transcorrido período aquisitivo necessário ao reconhecimento da aquisição do domínio, assim como se demonstrados pelo possuidor, os requisitos de posse ad usucapionem, em plena conformidade com as regras do Código Civil, ou mesmo, da Constituição Federal, no caso da usucapião especial de caráter social.

O objetivo da usucapião consiste em acabar com a incerteza da propriedade imobiliária, assegurando a paz e a tranquilidade na vida social pelo reconhecimento da propriedade em favor daquele que por longa data vem sendo o seu possuidor. Sua finalidade se volta ao cumprimento da função socioeconômica da propriedade, de acordo com os artigos 6º e 170, ambos da Constituição Federal de 1988.

Mais do que isso, certo que a usucapião contribui para a função social da propriedade (como moradia, subsistência, atividade econômica ou outro), velando ainda pela manutenção dos direitos daquele que toma posse  e que preenche os requisitos necessários segundo a modalidade da usucapião utilizada. Além de assegurar os direitos hereditários sobre a propriedade e a segurança da moradia.

Derradeiramente, vale ressaltar a importância de se regularizar um bem imóvel, seja para fazer cessar a situação de clandestinidade do possuidor, seja para assegurar o direito à moradia, ou ao menos, possibilitar a indenização em caso de desapropriação.

 

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e  do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET – CWB TV.

Acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná – FAESP (Centro Universitário UNIFAESP). Colaborador no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia e Secretário de Presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná – SINAP. Produtor do Programa SINAP NO AR, que vai ao ar no Canal 5 da Net da CWB TV e transmitido na Rádio Blitz.net. Produtor do Programa SINAP NA TV, que vai ao ar no Canal 525 da Net da Rede Central TV Brasil. E-mail: [email protected]

Superior Tribunal de Justiça STJ – RECURSO ESPECIAL : REsp 647357 MG 2004/0038693-7 Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/33347/recurso-especial-resp-647357-mg-2004-0038693-7> Acessado em 20 de março de 2021.