José Pio Martins

Eu conversava com um amigo sobre o significado da ação moral, ele afirmara que toda ação geradora do bem é uma ação moral, e citou como exemplo a empresa que tem, em seu código de conduta, o respeito ao cliente. Respondi-lhe que isso não era verdadeiro e o exemplo da empresa não servia como prova. Claro, as palavras têm certa flexibilidade, porém, a boa comunicação e a linguagem técnica e filosófica exigem rigor na definição e significado das palavras.

No extremo, temos o filósofo Immanuel Kant (1724-1804), para quem uma ação é moral somente se for desinteressada. Para ele, uma ação boa pode caminhar na direção da ação moral, porém, se for executada por interesse, desaparece seu caráter de moralidade ao se destinar a atender interesse do autor, não do beneficiário. Uma empresa que respeita o cliente, certamente o faz porque isso dá lucro. 

Adam Smith (1723-1790), cuja obra magistral A Riqueza das Ações (1776) deu a base para a compreensão das teorias econômicas, afirmava o seguinte: “Não é da bondade do padeiro e do açougueiro que devemos esperar nosso jantar, mas da defesa que eles fazem de seu próprio interesse”. Ou seja, o padeiro não acorda às 4h da manhã para produzir pão por amor ao próximo, mas por seu interesse comercial.

Falei ao amigo que, sobre a virtude da moral, penso assim: “Há quatro razões para ser moral: 1) por temor a Deus; 2) por temor à lei; 3) por interesse; 4) por dever e convicção. Somente esta última é uma virtude real”. Não importa qual das quatro razões leva o indivíduo a praticar a boa ação, mas seu valor moral será sólido se não for por interesse. 

A virtude moral tem mais chance de ser permanente se não depender de fatores externos à convicção do indivíduo e se levá-lo às boas ações para beneficiar os outros, sem vantagens pessoais. O filósofo André Comte-Sponville (1952-) diz que há o amor de concupiscência e o amor de benevolência. Se digo que amo frango frito, não é para o bem do frango, é para meu bem: amor de concupiscência. Se digo que amo meu filho, é para o bem de meu filho: amor de benevolência.

Amor de benevolência é quando amo o outro para o bem do outro, ao contrário do amor de concupiscência que é amar o outro para meu próprio bem. Com a ação moral se dá o mesmo: ajudar o outro por dever moral e amor ao próximo é amor de benevolência. Porém, se faço o bem a alguém para satisfazer meu interesse, a ação é boa, mas não é moral, pois cessado o atendimento a meu interesse, eu deixo de praticá-la.

Nietzsche (1844-1900) tratou da moral vinculada à crença em Deus, pela qual o indivíduo faz boas ações por medo de punição divina. E quando na Europa a religião e a crença em Deus começaram a decair, em parte pela prosperidade da ciência, Nietzsche anunciou que Deus estava morto e se perguntava o que seria agora da vida social sem o temor a Deus. 

O filósofo Luc Ferry (1951-) escreveu sobre a moral sem Deus e seguiu na linha de Kant quando este diz que devemos fazer o bem por dever moral e por amor ao próximo, não por temor a Deus ou ao código penal nem por interesse próprio. Porém, o interesse próprio é o principal motor das ações bem-sucedidas, especialmente no campo das ações coletivas. 

A defesa do próprio interesse faz a humanidade trabalhar, inventar, produzir e prosperar, mas não basta para a ocorrência das boas ações que a humanidade requer. Diante do sofrimento humano, necessário se faz estimular que na alma do indivíduo habitem também o dever moral e o amor ao próximo. No plano coletivo, as ações e as políticas precisam de racionalidade e eficiência econômica, pois estas permitem que seja beneficiado um maior número e com melhores resultados.

Costumo repetir que o capitalismo tem duas máquinas: a máquina de produzir (sistema produtivo baseado na liberdade) e a máquina de distribuir (o governo, que cobra impostos para financiar programas sociais). A maior tragédia do mundo moderno é que, enquanto a máquina de produzir prospera, inova, inventa e se torna cada vez mais eficiente, a máquina de distribuir falha, cria suas próprias castas, impregna-se de corrupção e cumpre mal seu papel de distribuir. De tudo isso, resta que o ser humano é virtuoso e portador de grandeza, mas também é imperfeito e carrega muita pequenez dentro de si. 

José Pio Martins, economista, professor, palestrante e consultor econômico-financeiro.