José Pio Martins
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Desde o governo Sarney (1985-1990), o Brasil vem ampliando seus programas de transferência de renda, mecanismos que usam recursos de tributos e os transferem para determinadas faixas da população. Antes dessa época, o país já vinha adotando algum programa de transferência de renda, a exemplo do salário-família e a aposentadoria do trabalhador rural. Porém, no governo Sarney ficou famoso o programa de distribuição de leite e, a partir daí, esse assunto ganhou mais espaço no debate político e econômico.

Em nome de uma boa ação, o governo criou um programa complicado, logística distributiva difícil, burocracia cara e vulnerável à corrupção. O ministro do Planejamento da época, Anibal Teixeira, dizia que, para dar um litro de leite ao pobre, o governo gastava cinco litros. Um gigantesco desperdício. Em 1993, no governo Itamar Franco, foi criado o BPC (Benefício de Prestação Continuada), para pessoas com deficiência e idosos sem condições de manterem a si mesmos.

No governo Fernando Henrique, foram implantados adicionalmente o Bolsa-Escola, o Vale-Gás e o Cartão-Alimentação, que viriam a ser unificados pelo governo Lula no programa Bolsa-Família, que continua, junto com o BPC, o Salário-Família, o Abono Salarial, o Seguro-Desemprego (que vem desde 1990) e a dedução por dependente no Imposto de Renda.

Esse conjunto de programas têm custo administrativo elevado, vulnerabilidade a fraudes, brechas para a corrupção e, sobretudo, uma grande injustiça, no caso específico de crianças: enquanto filhos de famílias ricas e/ou de renda alta recebem benefícios (no mínimo, os ricos têm dedução por dependente no Imposto de Renda), há 17 milhões de crianças que não recebem nada.

O Brasil tem 50 milhões de crianças na faixa de zero a 18 anos, entre elas há 17 milhões que não recebem nenhum benefício (porque não se enquadram em nenhum dos programas sociais), entre as quais 8,5 milhões estão em famílias classificadas nos 30% mais pobres da população. Por isso, o próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que está na hora de o Brasil corrigir essas injustiças, e uma das ideias é criar o programa “Bolsa-Criança”.

A Bolsa-Criança é um benefício do programa de mesmo nome que unificaria todos os benefícios hoje pagos às crianças, mas com uma característica nova: o benefício seria universal para as 50 milhões de crianças de zero até 18 anos, sem distinção. Ou seja, e aqui vai minha proposta, cada criança brasileira de 0 a 18 anos passa a receber R$ 60,00 por mês, ou seja, R$ 720,00/ano. Esse valor se destina a unificar o Salário-Família, o Bolsa-Família (a parte das crianças, e fica mantida a Bolsa-Família de quem tem mais de 18 anos) e a dedução por dependente no Imposto de Renda.

A vantagem desse (ou dessa) Bolsa-Criança é a total simplicidade. É um programa fácil de administrar, não depende de controle sobre renda e emprego da família, não dá margem à corrupção, tudo por uma só razão: todas as 50 milhões de crianças receberão a Bolsa-Criança, seja filho de um mendigo ou de um ricaço. É na simplicidade que reside o mérito do programa. Alguém vai objetar: “como vamos dar dinheiro para os filhos dos ricos?”.

Primeiro, o país já dá benefício para os ricos no direito de deduzir um valor por dependente no Imposto de Renda (em torno de R$ 52,00/mês). Segundo, se o governo tiver que controlar quem tem emprego e quem não tem, quem estava desempregado e não está mais, quem era pobre e hoje não é mais, quem é pobre e quem é rico, e ficar atualizando cadastros todos os dias, os custos burocráticos serão imensos e as fraudes e a corrupção vão pipocar aos montes.

Em terceiro lugar, o benefício universal vai cobrir todas as 50 milhões de crianças, entre elas, aquelas 8,5 milhões cujas famílias estão entre os 30% mais pobres da população e não têm Bolsa-Família, nem Salário-Família e não se beneficiam da dedução por dependente no Imposto de Renda porque os pais estão abaixo da faixa de tributação.

Além do mérito de ser simples, custo de operação baixo, imune a fraudes e corrupção, o programa Bolsa-Criança gera um gasto adicional para o governo federal de R$ 10 bilhões/ano apenas (valor pequeno no orçamento nacional), já que unifica os benefícios atualmente existentes, conforme dito. No começo de outubro/2019, fiz comentário na Rádio CBN Curitiba falando dessa proposta e, no fim da primeira quinzena desse mesmo mês, vi com boa surpresa o resultado do Prêmio Nobel de Economia 2019.

O Nobel de Economia (na prática pago pelo Banco Central da Suíça, desde 1969) foi concedido a três economistas: Abhijit Banerjee (nascido na Índia), Esther Duflo e Michael Kremer, todos dos Estados Unidos, por suas pesquisas sobre políticas de combate à pobreza. Além de defenderem a necessidade desse tipo de política, eles descobriram fórmulas e meios de melhorar a capacidade e a eficiência das políticas e das práticas dos programas destinados a reduzir a pobreza no mundo. Estou convicto de que um programa Bolsa-Criança, universal para os 50 milhões de brasileiros de zero a 18 anos, é necessário, defensável e permitirá que todos os bebês de famílias muito pobres tenham no mínimo o que comer.

 

José Pio Martins é economista e reitor da Universidade Positivo.