José Pio Martins

O estudo publicado pela consultoria LCA, usando os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), produzida pelo IBGE com os parâmetros do Banco Mundial, traz uma informação chocante: o Brasil tinha 54,1 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza no início de 2018, entre os quais 13,6 milhões classificados como miseráveis, para uma população de 210 milhões naquele momento. Esse flagelo social recebeu a contribuição de mais 8,3 milhões de brasileiros, que se tornaram pobres de 2015 a 2017, anos da recessão econômica no governo Dilma Rousseff. 

Os anos de 2018 e 2019 ensaiaram uma leve recuperação e havia a esperança de reduzir a miséria e a pobreza nos anos seguintes de forma sustentada, ainda que lentamente. Infelizmente, o mundo foi atacado por um vírus que causou a pandemia terrível, ainda não debelada, com reflexos fortemente negativos na economia. Isolamento social, fechamento de empresas e estabelecimentos de serviços, desemprego, perda de renda, falências e agravamento da miséria material e emocional foram as marcas de 2020 inteiro, e ainda prosseguem neste início de segundo semestre de 2021. 

A prioridade mais urgente é retomar a atividade econômica e o retorno de milhões de trabalhadores a seus postos, coisa que vem acontecendo de forma gradativa e deve se consolidar no último trimestre deste ano por força da vacinação em massa da população acima de 18 anos. Retomada a vida econômica, o produto nacional voltará a crescer, o desemprego diminuirá e o caixa do governo será aliviado pelo aumento da arrecadação e pela redução do auxílio emergencial. É o primeiro passo para estancar a progressão do quadro de pobreza e miséria. 

Mas isso não basta. Na sequência da redução do número de pobres e miseráveis – que será trabalho para vários anos – o Brasil necessita encarar seriamente a questão das desigualdades sociais, que derivam da desigualdade de renda. Esse problema não diz respeito apenas a razões humanitárias e de solidariedade social: trata-se de mostrar que o capitalismo pode ser eficiente na questão econômica e equitativo na questão social. 

Considerando os recursos naturais que o país tem, o atual estágio da ciência e do conhecimento, a evolução da tecnologia mundial e o tamanho da força de trabalho nacional, não faz mais sentido o Brasil continuar tão pobre e desigual. Passada a pandemia, o problema tem que ser enfrentado logo, pois está em curso uma profunda transformação demográfica e é urgente certas soluções sociais que, se não feitas a tempo, podem se tornar inviáveis depois.

Um estudo da escola de medicina da Universidade de Washington, publicado no dia 14 de abril deste ano pela revista científica britânica The Lancet, diz que a população brasileira seguirá crescendo até 2047, quando então começará a diminuir e poderá chegar ao ano 2100 com menos 50 milhões de pessoas. Essa redução, combinada com o aumento da população idosa, mudará em tal magnitude a proporção entre idosos e a população em idade de trabalhar que não haverá mais condições de o país se desenvolver. 

Não se conhece exemplo de país que conseguiu enriquecer depois de envelhecer. Não dá para arriscar. O Brasil deveria levar a sério o projeto de enriquecer antes de envelhecer, o que significa no mínimo dobrar a renda por habitante, saindo dos atuais US$ 11 mil/ano para algo como US$ 25 mil/ano. Se tiver como meta um padrão equivalente à Inglaterra ou Canadá, a renda média teria que chegar a US$ 35 mil/ano, meta praticamente impossível até 2050.

O combate à desigualdade não implica exigir igualdade entre todas as pessoas. Não se trata de reivindicar igualdade de resultados; mas igualdade de oportunidades. Igualdade na saída, não na chegada. Em uma sociedade evoluída, todos devem direito ao básico digno em termos de moradia, alimentação, saúde e oportunidade de educação. A partir daí, cada um executa seu propósito individual de vida segundo suas preferências e seu propósito existencial. 

Os seres humanos são diferentes e perseguem propósitos diferentes de vida. O que não se pode admitir é que alguém, por ter escolhido um propósito diferente, seja submetido ao sofrimento da pobreza e da miséria por falta do mínimo necessário a uma vida digna. Estou falando de propósitos moralmente dignos e honestos. Se alguém decide viver como um criminoso, aí é outra história. Então, que comecemos essa discussão.

José Pio Martins, economista, professor, palestrante e consultor.