Burraldos no ar e o risco de grave acidente no jornalismo

Quando fui jovem, ouvi falar de gerentes que chutavam portas, gritavam com subordinados, levavam emoção e personalidade demais para o trabalho. Não fui gerenciado por ninguém assim.

Vinícius Sgarbe

Quando fui jovem, ouvi falar de gerentes que chutavam portas, gritavam com subordinados, levavam emoção e personalidade demais para o trabalho. Não fui gerenciado por ninguém assim. E torço (e me preparo) para não ser esse cara horrível, embora às vezes aconteça na forma de sarcasmo, de ridículo.
Acredite, porém, que quando estou sendo ridículo não deixo nenhuma dúvida, contorno o ridículo bem contornadinho, com pouca ou nenhuma chance de ruído. É o caso, neste post. Confirmo a ideia do psicanalista Wilfred Bion: a risada tem um poder corrosivo (no excelente sentido de enfraquecer as ferrugens de preconceito e ódio, por exemplo).
No papel de jornalista, encaro inúmeros dilemas morais e éticos, o que não me abala. Fui treinando para isso na universidade, no trabalho, no desenvolvimento profissional que jamais parou. Uma notícia precisa ser realmente muito ruim para me deixar fora de prumo. Quando é o caso, tendo a resolver na terapia individual. Faço perguntas a mim mesmo, tais como “como isso é importante para mim?” (e evito o “por que é importante para mim”, na ideia de melhorar a qualidade da investigação). Essas são minhas credenciais de repórter e documentarista.
Agora, voltemos ao ridículo. Há alguns anos, lembro de uma repórter da televisão ofegantemente fazer uma “entrada ao vivo” para contar do horror que tinha vivenciado na rua. Ela tinha visto um homem descer do carro para ameaçar outro com uma barra de ferro. Não sei em que mundo a repórter vivia para se estarrecer com “mais um dia de trabalho”.
No jornal matinal desta manhã, e veja que agora estou fazendo um exercício para não ser esnobe, para não perseguir, para não, sei lá, chutar cachorro morto?, em um jornal desta manhã o apresentador parou o noticiário para dizer que as notícias eram muito ruins, que era muito difícil viver em um mundo tão cruel, e que eles (a poior parte é esta: ele estava falando em nome da marca, em nome de uma equipa inteira que madruga), estavam fazendo o trabalho incrível de aliviar o peso daquelas notícias terríveis. Eram informações sobre acidentes de carro.
Aproveito esta oportunidade de texto para perguntar: o que define um “grave” acidente? É um acidente com morte? É um acidente com mais de um ferido? É um acidente que congestiona o trânsito por x tempo, por y distância? Se todo acidente é “grave”, nenhum é grave.
É brincadeira!
*Vinícius Sgarbe é jornalista.