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Podem os animais demandar seus direitos em juízo?

Podem os animais demandar seus direitos em juízo?

In loco: transmitindo informações e compartilhando experiênciasDa série: Animais não são coisasPor Vicente de Pau..

Janaina Chiaradia - sexta-feira, 24 de janeiro de 2020 - 14:14

In loco: transmitindo informações e compartilhando experiências

Da série: Animais não são coisas

Por Vicente de Paula Ataide Junior

 

Iniciando o fim de semana, e uma matéria, da série que nos remete a muitas reflexões, que nos faz mudar alguns sentidos da vida, e ainda, aprimorar nossos valores, com tal expectativa, passamos as escritas do amigo, Vicente Ataide, sempre nos presenteando com seus ensinamentos:

 

ANIMAIS NÃO SÃO COISAS

Podem os animais demandar seus direitos em juízo?

 

Vicente de Paula Ataide Junior não uma coisa ou um objeto inanimado.

Justamente porque os animais são seres sencientes é que a Constituição Federal brasileira proíbe, expressamente, quaisquer práticas cruéis contra animais (art. 225, §1º, VII).

A mesma razão levou a Lei paraibana 11.140, de 2018, que instituiu o Código de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba, a estabelecer, dentre outros direitos subjetivos, que “Todo animal tem o direito: I – de ter as suas existências física e psíquica respeitadas; II – de receber tratamento digno e essencial à sadia qualidade de vida; III – a um abrigo capaz de protegê-lo da chuva, do frio, do vento e do sol, com espaço suficiente para se deitar e se virar; IV – de receber cuidados veterinários em caso de doença, ferimento ou danos psíquicos experimentados; V – a um limite razoável de tempo e intensidade de trabalho, a uma alimentação adequada e a um repouso reparador” (art. 5º).

Ora, se os animais possuem direitos subjetivos catalogados em lei, a violação desses direitos gera o direito à reparação, o qual, inevitavelmente, deve ser dar por sentença judicial, após o regular e adequado processo civil.

Pelo princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF), sabemos que todo titular de direitos subjetivos tem o direito de defendê-los em juízo, perante o Poder Judiciário: em regimes democráticos, a tutela jurisdicional é inafastável.

Em outras palavras, todo titular de direitos substantivos tem capacidade de ser parte em processo judicial, sem o que a garantia de acesso à justiça seria eficaz e sem utilidade prática.

Reconhecendo-se a capacidade de ser parte do animal, ele próprio poderá demandar o agressor em juízo.

Em termos gráficos:

 

Animais são sujeitos de direitos

Todo sujeito de direitos tem acesso à Justiça

(art. 5º, XXXV, CF88)

Animais têm acesso à Justiça

Animais têm capacidade de ser parte

Animais podem demandar em juízo

 

Mas, como se pode intuir, não poderá o animal ir sozinho a juízo, pelas próprias patas: os animais, como as crianças humanas ou como qualquer outro humano incapaz, não detêm capacidade processual, devendo ser representados ou assistidos em juízo.

Assim, no caso em análise, o animal será assistido em juízo pelo seu tutor (o “substituto legal” referido pelo Decreto 24.645/1934), em processo no qual intervirá, necessariamente, o Ministério Público (art. 178, III, CPC), como fiscal da ordem jurídica, garantindo-se a proteção do incapaz. Competirá ao tutor, como assistente do animal-vítima, contratar o advogado que patrocinará a causa ou obter a representação judicial por meio da Defensoria Pública.

Nas hipóteses em que o animal não tenha tutor ou representante legal, poderá o Ministério Público (e também a Defensoria Pública, segundo a atual Constituição) ou entidade de proteção animal (as “sociedades protetoras dos animais”) atuar como assistente em juízo.

Evidentemente, na ação proposta poderá ser requerida a tutela provisória de urgência, nos termos do Código de Processo Civil (arts. 294 e seguintes), para se obter, desde logo, o imprescindível aparelho ortopédico, além do pensionamento mensal para custear as despesas médico-veterinárias mais prementes.

Em caso de procedência do pedido, a indenização paga será administrada pelo tutor, em proveito exclusivo do animal, impossibilitando-se a iniciativa do próprio tutor do animal, o que reduz significativamente o acesso à justiça pelos animais, sem falar das dificuldades em se ajustar o objeto da ação às causas abrangidas pelo art. 1º da Lei 7.347/1985. Em segundo lugar, porque a questão de fundo não trata da função ecológica do cão, pelo que o Direito Ambiental, por si só, é insuficiente.

As ações indenizatórias propostas por animais, devidamente assistidos em juízo, bem em breve ocuparão o cenário judiciário brasileiro. Animais não são coisas. São sujeitos de direitos fundamentais, os quais, uma vez violados, devem ser reparados em juízo. Por isso, não se pode negar que animais detêm capacidade de ser parte. O Decreto 24.645/1934, ainda em vigor, aponta quem serão os representantes/assistentes dos animais em juízo.

Com tais demandas propostas e aceitas pelos juízes – não por compaixão, mas por direito – respostas adequadas serão oferecidas a certos dilemas da proteção animal: como garantir recursos para tratar animais maltratados, sejam os abandonados, sejam aqueles cujos tutores são desprovidos de recursos financeiros suficientes? Como pagar as despesas médico-veterinárias necessárias?

O advogado animalista que propuser a primeira demanda em nome de um animal entrará para a história: da Advocacia, do Direito Animal e da construção de um mundo mais justo para todos, independentemente da espécie.

Aguardem as próximas informações a respeito de algo tão relevante: o direito animal!

Registro a obra de suma relevante de coordenação de Vicente Ataide, lançada recentemente, no qual, o Código de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba ( A Positivação dos Direitos Fundamentais Animais), é destacado:

https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=28221

E mais uma vez, a música que retrata muito essa série tão especial:

Um ótimo fim de semana,

Deus abençoe,

Abraços,

Janaina Chiaradia

Professor Adjunto do Departamento de Direito Civil e Processual Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Animal da ESMAFE-PR/UNINTER. Juiz Federal no Paraná. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/8067162391395637>. Email: [email protected]. Portal: http://www.animaiscomdireitos.ufpr.br

Pode-se conceber o Direito Animal como “o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos fundamentais dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, independentemente da sua função ambiental ou ecológica” (ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução ao Direito Animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal. Salvador, v. 13, n. 3, p. 48-76, set./dez. 2018. p. 50).

Segundo a Declaração de Cambridge sobre a Consciência (2012) elaborado por neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos reunidos na Universidade de Cambridge/Reino Unido –, “A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos.” Conferir o texto original, em inglês, disponível em: <http://fcmconference.org/img/CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf>. Acesso em: 4. abr. 2018.

Para saber mais sobre essa Lei Estadual – a primeira a catalogar direitos fundamentais para animais –, consultar: ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula (coord.). Comentários ao Código de Direito e Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba: a positivação dos direitos fundamentais animais. Curitiba: Juruá, 2019.

Segundo o art. 5º da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública):  “Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.”

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