Pedro Ribeiro

 

Para o advogado e procurador regional da República aposentado, Carlos Fernando dos Santos Lima, a “classe política é viciada em dinheiro público e pagamos um imposto alto chamado corrupção para sustentar este modelo. Por isso, é preciso aperfeiçoar nossa democracia”. Ele, que esteve no olho da Operação Lava, disse que acompanhou todas as reações do poder político contra a operação e entende que  “pessoas não podem ser mais importantes que o interesse público”, afirma.

Santos Lima, que deixou a Operação Lava Jato, onde foi um dos procuradores mais combatíveis dentro do processo de estancamento da corrupção no Brasil,  será um dos participantes do 1º Simpósio Estadual de Justiça, Ética e Compliance que está sendo realizado no auditório do Sesc da Esquina.

Ainda no âmbito da corrupção, o procurador aposentado afirma que o país “precisa de reformas nas leis penais e processuais penais,  tornar nossas campanhas políticas mais baratos, mais democracia partidária e transparência no uso do dinheiro público. São necessárias muitas mudanças que levarão ainda gerações para serem alcançadas”, observa.

Santos Lima, que está abrindo seu escritório em Curitiba com atuação focada na área de compliance e regras de governança, investigações internas, monitoria e acordos de leniência, participa  do evento com palestra enfocando “Compliance, Anticorrupção, Investigações e Cooperação´´.

O evento irá capacitar funcionários das Secretarias de Estado do Paraná, da sociedade civil, empresários e público acadêmico, além de debater a importância da aplicação de regras de governança e compliance em diferentes setores público e privado.

Conversamos com Santos Lima sobre compliance, corrupção e Operação Lava Jato. Confira a entrevista:

COMPLIANCE

Paraná Portal – Compliance virou uma palavra de moda e utilizada por governos de inicio de mandato como se fosse um recado à população de que a partir de agora tudo será diferente. O senhor concorda  ou tem outra posição?

Santos Lima – Compliance não é moda. Ele veio para ficar. Mas não é uma panaceia, um remédio para todos os problemas. E o principal, trata-se de uma exigência do mercado. Será cada vez mais difícil para as empresas serem fornecedoras de outras e conseguirem acesso ao mercado de capitais em condições favoráveis se não tiver um programa de compliance bem estabelecido. O governo pode ajudar esse instrumento ao tornar obrigatória a existência de compliance para a participação em licitações públicas. Já há alguns Estados que exigem isso. Essa medida é importante para consolidar o processo de conformidade das empresas, que é do interesse de todos.

PP –  Compliance seria sinônimo de combate à corrupção?

SL – Compliance vai muito além do combate à corrupção. Cada ramo econômico possui suas peculiaridades. Há setores que tem maior preocupação com lavagem de dinheiro, como o bancário. Outros, como os recentes estouros em barragens mostram, deveriam investir em compliance ambiental. Todas as empresas precisam levantar os seus riscos específicos e montarem o melhor programa de compliance para os evitar. Corrupção é um risco maior entre as empresas que trabalham para o governo ou dependem de autorizações deste para trabalhar. Cada caso é um caso. Não existe compliance de prateleira.

PP –  Quando o senhor acha que a sociedade vai entender compliance?

SL – Creio que a sociedade entende o compliance empiricamente. Na prática os consumidores estão cada vez mais exigentes de uma postura ética das empresas. O risco reputacional pode levar a perdas significativas de mercado, migração em massa de consumidores e a uma crise financeira e econômica que pode levar à morte uma empresa. Não se pode mais subestimar a sociedade brasileira, ainda mais nestes tempos de comunicação instantânea e redes sociais.

PP- O senhor acha que os agentes públicos brasileiros estão preparados para o compliance?

SL – Creio que a lei de lavagem de dinheiro e a lei anticorrupção foram um marco para o compliance e para o entendimento deste pelos agentes públicos. Cada vez mais veremos a análise dos programas de compliance como uma fase necessária na investigação e punição de crimes e ilícitos administrativos. Há muito a ser feito, entretanto, mas esse evento promovido pelo governo do Paraná já mostra que o poder público compreende essa nova realidade.

PP – Explique sobre o tema de sua palestra?

Vou falar sobre um aspecto menos conhecido do compliance, as investigações internas. Vou falar sobre a necessidade dos empresas em serem proativas e não reativas quando descubram indícios de que a empresa pode estar envolvida em irregularidades. É uma matéria bastante técnico, cheia de nuances, que vai desde a decisão de investigar, passa pela análise do resultado de investigação, chegando até à decisão do destino desse resultado e das consequências para a empresa. É em assunto que gosto muito desde antes de participar da operação Lava Jato.

PP –  A corrupção no Brasil é um câncer que se enraizou a partir do Congresso Nacional e se estendeu para áreas periféricas, inclusive do poder judiciário. Quanto tempo ainda o Brasil precisa para sair do topo do ranking da corrupção?

SL – Precisamos aperfeiçoar nossa democracia. A nossa classe política é viciada em dinheiro público. Pagamos um imposto alto chamado corrupção para sustentar esse modelo. Precisamos de reformas nas leis penais e processuais penais, precisamos tornar nossas campanhas políticas mais baratos, precisamos de mais democracia partidária e transparência no uso do dinheiro público . São necessárias muitas mudanças que levarão ainda gerações para serem alcançadas.

PP – Por que o senhor deixou a Lava Jato?

SL – Saí da Lava Jato seis meses antes de minha aposentadoria. Era preciso um afastamento das investigações para poder cumprir uma quarentena ética espontânea. Após 40 anos de serviço público resolvi trilhar um novo caminho, agora na advocacia.

PP –  A saída do juiz Sergio Moro, do senhor, do Diogo Casto r e de outros procuradores  enfraqueceu o trabalho da Lava Jato ou podemos dizer que o Congresso Nacional e o STF contribuem para esse combate não avance?

SL – Mais que tudo, vemos a reação do poder político contra a operação. Pessoas não podem ser mais importantes que o interesse público. É claro que substituições são sempre difíceis, mas os problemas que o combate à corrupção enfrenta são muito maiores e mais graves. Sempre soubemos das dificuldades, mesmo porque todos nós somos conhecedores dos problemas enfrentados pela operação Mãos Limpas na Itália, bem como por tantas investigações mortas em seu início no Brasil. Soubemos evitar muitas armadilhas e mostramos à sociedade brasileira o que acontecia. Isso é o mais importante.

PP -O senhor está abrindo escritório de advocacia. Pode nos falar sobre seu projeto futuro?

SL – Estou trabalhando em auxiliar as empresas a seguir um novo paradigma, o paradigma da conformidade. Trata-se de uma advocacia fortemente alicerçada na ética e nos valores que desenvolvi nesses 40 anos de serviço público. Creio que posso auxiliar e muito as empresas a resolverem seus passivos éticos e seguirem um caminho novo, liderando a sociedade brasileira para um patamar de desenvolvimento compatível com nossa pujança econômica. Não podemos ser um dos 10 maiores PIB’s do mundo com práticas medievais de apropriação do público por interesses privados.