Pedro Ribeiro
Foto: Divulgação

 

Jair Bolsonaro não faz e não aprende a lição de casa. Em meio à tragédia na Bahia, ele participa de  festas em Santa Catarina com direito à visita especial ao amigo Luciano Hang, o velho da Havan. Vai no circo do Beto Carreiro e proibe ajuda humanitária da Argentina aos baianos, afirmando que as Forças Armadas estão em campo trabalhando para socorrer o estado que foi atingido por fortes chuvas. O governador baiano disse que aceita o apoio. Também usa seus canais nas redes sociais para ironizar: “se eu for à Bahia, vão dizer que estou gastando cartão corporativo”. Que absurdo.

Diante de um governo que não governa e um presidente que só faz piadas, tomamos a liberdade, com o devido crédito, e publicamos abaixo, editorial desta sexta-feira, na Folha de São Paulo (Não é Rede Globo), que traça um perfil do que foi o governo Bolsonaro nestes três últimos anos.

Golpismo derrotado

Arquitetura da democracia resiste a Bolsonaro; cumpre proteger setores cruciais

Encerra-se um ano particularmente tumultuoso na política nacional, sobretudo pelo comportamento anômalo do presidente da República. Apesar dos percalços e da dissipação de energia cívica, a arquitetura da democracia brasileira resistiu ao golpismo aloprado.

O apogeu da cavalgada autoritária aconteceu nas manifestações do Dia da Independência, mas ela foi desmoralizada em menos de 48 horas por ausência de materialidade.

Jair Bolsonaro ameaçou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, com algo que nem soube enunciar —porque não há nada que o chefe de Estado possa fazer contra a autonomia de um Poder sob a Constituição de 1988.

Atiçou a massa de fanáticos com mentiras sobre a urna eletrônica e com bravatas sobre sair morto do Palácio do Planalto. As eleições de 2022 ocorrerão normalmente sob a égide das urnas eletrônicas, e Bolsonaro sairá da sede do governo derrotado, não martirizado, caso falhe a tentativa de reeleger-se, como hoje apontam as pesquisas.

Ao final da epifania restou uma chusma de caminhoneiros dispostos a sabotar os canais de abastecimento de 214 milhões de brasileiros. Até Bolsonaro percebeu que deixá-los agir seria abrir caminho para a anarquia e o impeachment.

Assim terminou o devaneio autocrático que só a lunáticos pareceu fazer sentido. Restou a face real de Bolsonaro, a de um presidente que não sabe e não quer governar.

A súbita elevação de um deputado patrono de corporativismos, insolente e inepto ao posto de dirigente político máximo dá-se bem a ver nas imagens finais de 2021. Enquanto uma catástrofe humanitária ocorria no sul da Bahia, castigado por inundações e deslizamentos em decorrência de fortíssimas tempestades, o presidente passeava de jet ski em Santa Catarina.

Se gasta seu tempo com assuntos de interesse geral, é para obstruir, com alegações de profunda ignorância científica, a urgentíssima vacinação de crianças contra a Covid, num quadro de nova escalada mundial das infecções.

A aventura de Jair Bolsonaro, que felizmente parece encaminhar-se para seu ocaso, deixa evidenciada a fortaleza dos pilares da democracia brasileira diante do teste mais desafiador sob esta Constituição.

Esse trauma político também deveria incentivar iniciativas reformistas para evitar que áreas cruciais da política pública, como saúde, educação, proteção aos vulneráveis e ao ambiente, fiquem à mercê de piromaníacos eventuais.

Do mesmo modo que o país soube proteger a gestão da moeda de apetites imediatistas de governantes, há de conseguir blindar o futuro de suas crianças e o bem-estar de sua população dos saqueadores e dos que bailam com a morte. (Folha de São Paulo 31/12/2021)