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“Ninguém fechará esta Corte”, reage Fux, afirmando que não tolera ameaças de golpe

“Ninguém fechará esta Corte”, reage Fux, afirmando que não tolera ameaças de golpe

“Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribu..

Pedro Ribeiro - quarta-feira, 8 de setembro de 2021 - 17:35

Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com a democracia, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste País”, disse Fux.

A reação ao presidente foi debatida entre os ministros do STF na noite de terça-feira e resultou em uma pesada resposta ao Planalto. Durante o encontro, cada magistrado expressou sua avaliação sobre os atos de 7 de Setembro. Todos os integrantes do tribunal, incluindo Kássio Nunes Marques – indicado ao cargo por Bolsonaro –, prestaram solidariedade a Alexandre Moraes.

Em sua fala, Fux disse que o Supremo Tribunal Federal não aceitará intimidações a sua independência e aos seus membros. ”Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis em respeito ao juramento constitucional que todos nós fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta Corte”, reagiu.

O ministro disse que Bolsonaro tenta “descredibilizar” o tribunal e, caso descumpra as decisões da Corte, poderá ser enquadrado por crime de responsabilidade.

O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, afirmou.

A lei de impeachment (1.079) inclui no rol de crimes de responsabilidade, que podem levar ao impedimento do presidente, o descumprimento de decisões judiciais. Juristas consultados pelo Estadão avaliam que o discurso de Bolsonaro na Avenida Paulista, onde prometeu desobediência às ordens do Supremo, infringe a Constituição.

O artigo 85 do texto constitucional define como crimes do presidente o ato de “atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”. Já a lei de impeachment aponta como crime o “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Em nome de todos os ministros do Supremo, Fux fez um apelo à população brasileira para que não “caia na tentação de narrativas fáceis e messiânicas que criam falsos inimigos da nação”. Na manifestação do 7 de setembro, em Brasília, os manifestantes gritavam em uma só voz: “Nós somos Bolsonaro”.

Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra suas instituições”, frisou Fux.

Durante as manifestações em Brasília, os ministros do Supremo optaram pelo silêncio. Nos bastidores, os magistrados articulavam a resposta apresentada hoje e elaboravam planos de contenção caso os manifestantes atentassem contra a sede da Corte. Um pedido de ação de Garantia de Leia da Ordem (GLO) – uso do Exército como força policial – foi estudado para inibir a escalada de violência.

O discurso de Fux hoje foi ainda mais firme do que as manifestações anteriores. No dia 5 de agosto, o presidente do STF anunciou o cancelamento da reunião entre os líderes dos Poderes sob o argumento de Bolsonaro não está interessado no diálogo e não honra com a sua palavra. Os dois já estavam juntos para selar um tratado de paz, mas, pouco tempo após o encontro, o presidente voltou a atacar a Corte em sua campanha pelo voto impresso.

Segundo o Estadão, logo após o pronunciamento de Fux, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também fez uma defesa da democracia. Reconduzido ao cargo por Bolsonaro no mês passado, o procurador-geral citou o ex-deputado constituinte Ulysses Guimarães para defender a Constituição e a harmonia entre os Poderes.

Aras classificou os atos nas ruas como uma “festa cívica com manifestação pacífica”. Ele ainda defendeu diálogo e soluções com “ferramentas da institucionalidade” para resolver os conflitos.

Não podemos desprezar os recursos e ferramentas da institucionalidade, o devido processo legal, o devido processo legislativo, o devido processo administrativo”, disse Aras. “A voz da rua é a voz da liberdade e do povo, mas não só, a voz das instituições que funcionam a partir das escolhas legítimas do povo e de seus representantes também é a voz da liberdade.

O procurador-geral da República é responsável por encaminhar eventuais denúncias contra o presidente da República. Indicado por Bolsonaro para o cargo, Aras vem sendo criticado e até acusado de prevaricação por não avançar nas investigações contra o chefe do Executivo.

Leia a íntegra do discurso de Fux:

O Brasil comemorou, na data de ontem, 199 anos de sua independência.

Em todas as capitais e em diversas cidades do país, cidadãos compareceram às ruas. O país acompanhou atento o desenrolar das manifestações e, para tranquilidade de todos nós, os movimentos não registraram incidentes graves.

Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão – direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal.

Nesse ponto, é forçoso enaltecer a atuação das forças de segurança do país, em especial as Polícias Militares e a Polícia Federal, cujos membros não mediram esforços para a preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.

Destaque-se, por seu turno, o empenho das Forças Armadas, dos governadores de Estado e dos demais agentes de segurança e de inteligência pública, que monitoraram em tempo real todas as manifestações, permitindo assim o seu desenrolar com ordem e paz.

De norte a sul do país, percebemos que os policiais e demais agentes atuaram conscientes de que a democracia é importante não apenas para si, mas também para seus filhos, que crescerão ao pálio da normalidade institucional que seus pais contribuíram para manter.

Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem veicularam duras críticas à Corte e aos seus membros, muitas delas também vocalizadas pelo Senhor Presidente da República, em seus discursos em Brasília e em São Paulo.

Na qualidade de Presidente do Supremo Tribunal Federal, em nome do colegiado, impõe-se uma palavra de patriotismo e de respeito às instituições do país.

Nós, Ministras e Ministros do STF, sabemos que nenhuma nação constrói a sua identidade sem dissenso. A convivência entre visões diferentes sobre o mesmo mundo é pressuposto da democracia, que não sobrevive sem debates sobre o desempenho dos seus governos e de suas instituições.

Nesse contexto, em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo Tribunal Federal jamais se negou – e jamais se negará – ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado Brasil.

No entanto, a crítica institucional não se confunde – e nem se adequa – com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação.

Ofender a honra dos Ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas e ilícitas, que não podemos tolerar em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumir uma cadeira na Corte.

Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideias antidemocráticas.

Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas próprias instituições.

Todos sabemos que quem promove o discurso do “nós contra eles” não propaga democracia, mas a política do caos.

Em verdade, a democracia é o discurso do “um por todos e todos por um, respeitadas as nossas diferenças e complexidades”.

Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação.

Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do Brasil. Pelo contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferentes. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira.

Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções.

Os juízes da Suprema Corte – e todos os mais de 20.000 magistrados do país – têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam.

O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional. Num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos, que são as vias processuais próprias.

Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com a democracia, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país.

Em nome das Ministras e dos Ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos problemas reais que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou 580 mil vidas brasileiras; o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que ameaça a nossa retomada econômica.

Esperança por dias melhores é o nosso desejo, mas continuamos firmes na exigência de narrativas verdadeiramente democráticas, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece.

Não temos tempo a perder.

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