Pedro Ribeiro

 

Seria Lula um cidadão bipolar? A pergunta é pertinente, porque em um palanque, onde estão aliados ligados à brava militância petista, o ex-presidente discursa como se estivesse falando em uma roda de cerveja ou cachaça em bar.

Suas palavras são dirigidas aquele público que gosta de sua sinceridade, do seu natural de fazer política, de suas críticas aos empresários, aos políticos e gritos de apoio às políticas socialistas integracionistas chamadas bolivariana.

Nessa toada e nesse tom, Lula se realiza. Mas, quando vai falar para uma plateia de empresários, o ex-presidente tem que segurar o freio e isto não está acontecendo, como vimos na semana, onde suas declarações atrapalharam seu discurso de moderação que queria emplacar nas eleições deste ano.

Não se contém. Como bem analisou o Estadão em seu editorial desta sexta-feira, 8. Era para Lula se apresentar como o único em condições de liderar uma frente ampla em defesa da democracia e, portanto, seria a única opção contra o autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro.

O convite ao ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para ser vice em sua chapa seria a prova de sua definitiva conversão ao centro democrático. Mas o Lula “moderado” desaparece quando ele está em ambientes exclusivamente petistas, onde não precisa enganar ninguém. Ali, Lula surge em estado bruto.

Na Fundação Perseu Abramo, instituto de estudos criado pelo PT, Lula se sentiu à vontade para atacar seu alvo favorito: a classe média. Segundo o petista, a classe média brasileira “ostenta um padrão de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. E continuou: “Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que não tem em muitos lugares. Aqui na América Latina, a chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”.

O ódio petista à classe média é velho conhecido. Foi enunciado com todas as letras por uma das intelectuais petistas mais representativas, a filósofa Marilena Chauí, em inesquecível discurso num evento do partido em 2013: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez; é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. (…) A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”.

É evidente que os petistas de classe média – e eles existem aos montes, como é o caso da própria Chauí – não se consideram nada disso. Talvez se envergonhem dos bens e do patrimônio de que dispõem, talvez sejam apenas cínicos, mas o fato é que, para a turma que urra quando Chauí e Lula atacam a classe média, os odiados “burgueses” são sempre os outros.

Mas Lula agora foi além: pretende dizer como devem viver os cidadãos de classe média que pagam impostos e ganham dinheiro com o suor do rosto. Em seu marxismo de botequim, o líder petista, ora vejam, acha que a classe média não pode ter um padrão de vida acima do que ele considera “necessário”.

Em outro evento, na CUT, Lula fez pior. Disse que de nada adianta realizar protestos em frente ao Congresso, porque isso não comove os políticos. Para o petista, o ideal é que os militantes perturbem os parlamentares em suas residências, bem como suas famílias. “Deputado tem casa. Eles moram em uma cidade, nessa cidade tem sindicalista. (…) Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas até a casa dele, não é para xingar, mas para conversar com ele, conversar com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele. Eu acho que surte muito mais efeito.” Muito democrático.

Não se sabe exatamente qual é a estratégia de Lula por trás desse discurso autoritário, mas isso pouco importa. O que interessa é que fique muito claro para os eleitores que Lula não é tão diferente de Bolsonaro como pretende fazer crer. Assim como o presidente, Lula aposta no rancor e na divisão da sociedade para eletrizar seus devotos. Ambos querem resumir a eleição a um confronto do “bem” contra o “mal”.

A pacificação do País obviamente passa por dar fim a essa polarização agressiva que não resolveu nem resolverá nenhum dos problemas crônicos da sociedade brasileira, como um desemprego resistente de dois dígitos, a inflação alta, a volta da fome e a ausência de soluções para a deficiente oferta de serviços de educação e saúde pelo Estado.

Nesse sentido, é muito bem-vinda a sinalização de uma união de partidos de centro em torno de uma só candidatura ao Palácio do Planalto. Independentemente da escolha final desse grupo, trata-se por enquanto da melhor resposta a esse embate apocalíptico que Lula e Bolsonaro tentam fazer parecer inevitável. (Editorial do Estadão).