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O golpe do ICMS dos combustíveis e seus reflexos na Lei Orçamentária do Paraná

O golpe do ICMS dos combustíveis e seus reflexos na Lei Orçamentária do Paraná

Assembleia Legislativa interrompe recesso de julho para discutir a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 com impacto na arrecadação do ICMS dos combustíveis.

Pedro Ribeiro - quinta-feira, 30 de junho de 2022 - 15:30

 

Assembleia Legislativa suspende recesso para digerir a lei que reduz o ICMS dos combustíveis, seu impacto na arrecadação do Estado e como cortar despesas na elaboração da LDO.

A luz de uma gestão pública é a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). É ela que indica e sinaliza os caminhos do planejamento e do trabalho de um administrador público, seja ele o presidente da República, governadores de estados ou prefeitos municipais. Em resumo, as receitas e despesas precisam andar juntas para que a administração dos recursos seja eficiente. Por que a Assembleia Legislativa do Estado suspendeu o recesso do mês de julho em plena campanha eleitoral da maioria dos seus parlamentares?

Esta determinação, feita pelo presidente da casa, deputado Ademar Traiano, não deveria surpreender se não fosse pela interferência do Governo Federal junto ao Congresso Nacional para aprovar lei da redução do IMCS dos estados sobre os combustíveis. “Em função das decisões que estão sendo tomadas em Brasília, em relação à redução do ICMS dos combustíveis, e isso vai causar uma situação de queda de receita para o Estado, o próprio Governo nos fez um apelo para que a gente suspenda o recesso. Comunico que não teremos pausa nos trabalhos no mês de julho”, escreveu Traiano.

A redução da alíquota do ICMS de combustíveis, transportes, energia e telecomunicações para 17% e 18% vai prejudicar o orçamento do Paraná, desequilibrando as contas públicas. O problema já começa na votação da Lei Orçamentária Anual, que será retardada na Assembleia enquanto não se define recurso jurídico apresentado por 11 governadores no STF.

PERDA DE ARRECADAÇÃO DO ESTADO SERÁ DE R$ 6,33 BI

Já existe cálculo da Secretaria da Fazenda prevendo perda de receita de R$ 6,33 bilhões, sendo R$ 2,04 bilhões em combustível, R$ 2,07 bilhões em energia elétrica, R$ 610 milhões em telecomunicações e R$ 1,39 bilhão com a retirada do ICMS sobre as tarifas de uso de transmissão e de distribuição de energia elétrica (TUST, TUSD). O número responde à uma redução de 17,4% na arrecadação de ICMS segundo a LOA. Municípios paranaenses perderiam R$ 1,18 bilhão com mudanças na tributação do ICMS.

O mesmo impacto refletirá nos orçamentos dos 399 municípios, além dos demais poderes. Cálculos feitos pela SEFA já apontam as consequências nos cofres do Legislativo (R$ 236 milhões), Judiciário (R$ 448,4 milhões) e Ministério Público (R$ 193,5 milhões). Se não houver nenhum tipo de compensação, a prestação de serviços públicos estaduais será seriamente afetada no próximo governo.

Segundo o secretário de Finanças do Estado, Renê Garcia Junior, “todos os meses valores arrecadados pelas receitas estaduais são destinados às 399 cidades paranaenses para financiar serviços públicos para a população nas áreas de infraestrutura, desenvolvimento sustentável, saúde e educação. Mas parte desses repasses pode ser cortado com a possível aprovação do PLP 18/2022 pelo Congresso Federal. O projeto impõe a redução das alíquotas do ICMS sobre combustível, energia elétrica, telecomunicações e transporte, desequilibrando, de maneira imediata, programas que contavam com projeções dentro do cenário atual”.

Garcia Junior informa ainda que o ICMS hoje corresponde, em média, de 70% a 80% da receita total do Estado e 25% desse bolo é transferido aos municípios, de acordo com os índices legais. Apenas com as transferências desse imposto o Estado repassou nos cinco primeiros meses deste ano R$ 3,53 bilhões (já deduzidos 20% para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização aos Profissionais da Educação). Com isso, no caso de diminuição de alíquota, de acordo com a Secretaria da Fazenda, os municípios perderiam R$ 1,18 bilhão.

Informação da Secretaria das Finanças aponta que, de acordo com uma pesquisa comparativa, se essa lei estivesse em vigor desde o começo do ano Nova Aliança do Ivaí, município de 2 mil habitantes, que recebeu R$ 749,7 mil nesse período, teria recebido uma média estimada de R$ 562,2 mil. Miraselva, no mesmo cálculo, perderia quase R$ 200 mil: (de R$ 778,6 mil para R$ 583,9 mil). Os orçamentos das grandes cidades também teriam impacto imediato. Curitiba recebeu R$ 318,8 milhões e o cenário dentro do PLP 18/2022 aponta para recursos da ordem de R$ 239,1 milhões.

IMPACTO SOBRE OS INVESTIMENTOS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO

Ao todo, somando ICMS e outros tributos, os 399 municípios paranaenses receberam mais de R$ 5,76 bilhões em repasses feitos pela Secretaria da Fazenda no acumulado de janeiro a maio de 2022, segundo dados do Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro da Secretaria da Fazenda. Os repasses englobam, além do ICMS, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Fundo de Exportação (FPEX) e royalties do petróleo. Os recursos de investimentos diretos do Estado em obras não estão nessa conta.


A tramitação do projeto de lei 18/2022 no Congresso Nacional, com imposições sobre a arrecadação do ICMS dos estados, causa preocupações sociais. A aprovação de tal proposta causaria uma redução abrupta no financiamento dos serviços. Afetaria, por exemplo, a capacidade de investimento público na área da educação, que pela Lei Orçamentária Anual (LOA) tem em sua fatia o mínimo constitucional de 30% destinado à manutenção e desenvolvimento de ensino público.

Governadores de 11 estados e o Distrito Federal acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei, sancionada nesta terça-feira (28), que limita a tarifa do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre alguns produtos essenciais. A Lei Complementar 192/2022 estabeleceu os combustíveis – incluindo diesel, gasolina e gás natural –, a energia elétrica, as comunicações e os transportes coletivos como itens essenciais “para fins de tributação”. Com isso, os estados e o Distrito Federal ficaram impedidos de cobrar mais de 17% ou 18% de ICMS sobre esses bens e serviços.

A ação aberta pelos governadores pede uma liminar (decisão provisória) para suspender a lei, que dizem ser inconstitucional. Entre outros pontos, eles argumentam que as unidades da federação têm autonomia na fixação de alíquotas tributárias. Segundo os governadores que assinaram o documento, há preocupação com a redução da arrecadação, pois os combustíveis foram responsáveis por 86% das arrecadações estaduais e distrital em 2021.

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi aberta pouco depois de estados como São Paulo e Goiás se adiantarem e limitarem, por conta própria, suas alíquotas de ICMS sobre combustíveis. Assinam a ação os governadores de Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe. Nenhum dos estados do Norte ou Sudeste figuram como parte na ADI.

PARA DEPUTADOS DA OPOSIÇÃO A MEDIDA DA ALEP É ELEITOREIRA

Os deputados da oposição, Arilson Chiorato e Requião Filho criticaram a ausência da assinatura do governador Ratinho Junior no documento que teve a participação de 11 governadores e o Distrito Federal. Para eles, a suspensão dos trabalhos legislativos vai afetar a votação da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e o trabalho de campo dos parlamentares que são candidatos à reeleição. Para Requião Filho, a “medida é eleitoreira”.

Na opinião do deputado Requião Filho, a manobra tenta atrasar a votação para atender aos interesses do Governador Ratinho Júnior, que encaminhou à Assembleia Legislativa decreto que libera “estado de calamidade pública no Paraná” para 14 de agosto, por conta dos benefícios que este decreto traz ao poder público. Na prática, a prorrogação da calamidade pública autoriza o Poder Executivo a “manusear o orçamento” do Estado como bem entender, sem a necessidade de licitação pública, na véspera da eleição.

O deputado Soldado Fruet diz: “sou contra o recesso parlamentar de julho. Os brasileiros, o povo, quando conseguem emprego, têm direito a um mês de férias por ano. Por que categorias privilegiadas, como juízes, têm dois meses? Então não faz sentido os deputados terem recesso em julho, já que o País não para, o Estado não para. Mesmo sem sessões plenárias e reuniões de comissões nesse período, o trabalho meu e da minha equipe não para. Mantemos aberto tanto o gabinete em Curitiba, para onde me desloco para atividades do mandato também no recesso parlamentar, quanto o nosso escritório em Foz do Iguaçu”.

Por isso, concordo com a justificativa da Mesa Executiva da Assembleia Legislativa para suspender o recesso parlamentar, afinal essas mudanças na legislação federal de ICMS exigirão uma atenção especial por parte dos deputados. Precisamos estar a postos para discutir a implantação dessas medidas no Estado. Eu seguirei na luta para que os paranaenses paguem mais barato pelas contas de luz e na hora de abastecer seus carros.

O deputado Luiz Claudio Romanelli disse que as “perdas do Paraná com a lei que reduz o ICMS deve passar de R$ 8 bilhões, o que é um valor muito elevado para um estado que tem receita bruta de aproximadamente R$ 56 bilhões. Precisamos ficar de plantão para analisarmos os efeitos de tudo isso”, disse. “O fato concreto é que nós ainda não temos a dimensão exata das decisões que inclusive o próprio STF terá que tomar, e também da adequação dessas alíquotas no desempenho da nossa receita”, pontuou o parlamentar.

SE CORTA NA ARRECADAÇÃO, COMO FAZER PARA CORTAR INVESTIMENTOS

Romanelli lembra que diante do problema da pandemia, a Assembleia Legislativa também suspendeu o recesso e “optamos por suspender o recesso agora por entendemos que a Assembleia Legislativa tem que estar de plantão até termos uma previsão exata do que a Secretaria da Fazenda vai fazer em relação a nossa receita de 2023, porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias é quem ilumina a elaboração da LOA, a Lei Orçamentária Anual que orienta na execução do orçamento. De toda receita do Estado, por exemplo, 25% é destinado à área da Educação Básica e mais 6% para Educação Superior. Portanto, perto de 31% vão para a Educação de forma direta. Temos ainda mais os 12% para Saúde, 10% ou 11% à Segurança Pública. Se você corta a receita, como vai cortar essas despesas?”.

Romanelli explica que hoje, “nós temos R$ 17 milhões que são de renúncia fiscal que são benefícios fiscais a cadeias produtivas, como na área de alimentos. São mais de R$ 8,6 bilhões por ano que o Estado abre mão da receita para beneficiar as cadeias produtivas e para que os preços dos produtos possam ficar mais barato para o consumidor. A lei da micro e pequena empresa no Paraná é a mais benéfica do Brasil e isso tudo que está acontecendo desmonta todo um processo que nós construímos aqui ao longo dos anos”.

Ainda sobre a avaliação do impacto na arrecadação com a perda do ICMS, o deputado Romanelli informou que no Paraná a alíquota líquida do combustível é diferenciada: a gasolina, por exemplo, é uma alíquota de 29%, sendo que 27% vai para o Tesouro do Estado e 2% vai para o Fundo Estadual de Combate à Pobreza, que dá sustentação a muitos programas sociais. “Também a nossa alíquota do metanol é uma alíquota modal, é alíquota de 18%, e o óleo diesel, nós temos aqui uma alíquota de 12%, uma das mais baixas do Brasil. Em tese, nós poderíamos até elevar a alíquota do diesel aqui no Paraná mas acredito que isso não será feito pelo governo, mas acho que é de ponderar o que vai ser feito”, disse.

O reflexo vai além da perda de arrecadação e pode repercutir na incapacidade de fazer frente às demandas sociais e serviços públicos sensíveis à população, com perdas nas áreas da educação, saúde e até ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), que banca grande parte dos serviços assistenciais do Estado.

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