Pedro Ribeiro

Esta semana, o Brasil foi pego de surpresa com uma pesquisa feita pelo Mapa da Água – Repórter Brasil que tirou debaixo do tapete o lixo da água consumida pelos brasileiros, mostrando que “todos nós bebemos pequenas doses diárias de substâncias químicas e radioativas. São agrotóxicos e outros resíduos da indústria que se misturam aos rios e represas”, mostra a pesquisa em forma de reportagem. 

No Paraná, o quadro é preocupante. No mapa paranaense, dezenas de cidades estão pontuadas como integrantes dessa lista que soma mais de 750 municípios brasileiros. Desde a capital, Curitiba, até pequenas cidades do interior do Estado estão inseridas no contexto dessa suspeita água.

A primeira cidade paranaense a se manifestar foi Maringá. A prefeitura do município, por meio da Agência Maringaense de Regulação (AMR), pede explicações à Sanepar e dá um prazo de 24 horas para obter respostas quanto ao resultado negativo da cidade no Mapa da Água.

A prefeitura de Maringá pontua que índices apresentados pelo Mapa da Água apontam que a água tratada do município poderia conter substâncias com riscos de gerar doenças crônicas ao carregar agrotóxicos e outras substâncias químicas e radioativas que são perigosas para a saúde quando acima dos limites fixados pelo Ministério da Saúde.

Segundo a pesquisa e reportagem, na opinião de alguns especialistas, não há risco se elas – substâncias – estiverem dentro do limite regulamentado. Outros argumentam que as doses aceitas no Brasil são permissivas, pois são bem mais altas do que as da União Europeia.

Sobre um ponto não há dúvida: essas substâncias são prejudiciais à saúde quando estão acima do limite brasileiro. O consumo diário aumenta o risco de câncer, mutações genéticas, problemas hormonais, nos rins, fígado e no sistema nervoso, a depender do produto? questiona o Mapa da Água.

Dados inéditos levantados pela Repórter Brasil mostram que são esses os riscos oferecidos pela água que saiu da torneira de 763 cidades entre 2018 e 2020.

Substâncias químicas e radioativas foram encontradas acima do limite em um de cada quatro municípios que fizeram os testes. Entre eles, estão São Paulo (13 testes acima do limite), Florianópolis (26) e Guarulhos (11).

As informações podem ser consultadas por cidade no Mapa da Água, que destaca quais substâncias extrapolaram o limite e explica seus riscos. Os dados são resultados de testes feitos por empresas ou órgãos de abastecimento e enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde.

Os testes são feitos após o tratamento e a maioria dessas substâncias não pode ser removida por filtros ou fervendo a água.

Se há substância acima do valor máximo permitido, podemos dizer que a água está contaminada.”

Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) diz: “uma outra forma de dizer é que essa água não está própria para consumo, como quando um alimento passa da data de validade.”

Contaminada ou imprópria, Kummrow confirma que existe risco para quem bebe a água, e ele varia de acordo com a substância e com o número de vezes que ela foi consumida ao longo do tempo. O risco é maior para quem bebeu diversas vezes ao longo de anos.

É o caso de quem mora em São Paulo, Florianópolis, Guarulhos e outras 79 cidades onde a mesma substância foi encontrada acima do limite nos três anos analisados (2018, 2019 e 2020).

Com impacto silencioso, esses produtos têm dinâmica diferente das contaminações por bactérias, que provocam dor de barriga, diarreia e até surtos de cólera. Os sintomas das substâncias químicas e radioativas podem levar anos, mas, quando aparecem, são na forma de doenças graves.

Segundo o Mapa da Água – Repórter Brasil, estudos que associam esses produtos ao câncer, mutações genéticas e diversos outros problemas de saúde são carimbados pelos mais respeitados órgãos de saúde, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e as agências regulatórias da União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Austrália.

O Mapa da Água destaca o risco para a saúde e as atividades econômicas em que cada substância é utilizada. O nitrato, por exemplo, terceira que mais vezes excedeu o limite, é usado na fabricação de fertilizantes, conservantes de alimentos, explosivos e medicamentos. Ele é classificado como “provavelmente cancerígeno” pela OMS.

Nos Estados Unidos e União Europeia, qualquer um pode consultar testes de todas as substâncias presentes na água. E, em muitos desses países, as empresas monitoram um número maior de substâncias e alertam os consumidores em caso de problemas.”

“O quadro revelado por esses dados é grave”, afirma Leo Heller, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e relator especial do Direito Humano à Água da ONU entre 2014 e 2020. “Eles mostram omissões e falhas dos órgãos e serviços que fazem parte de uma importante cadeia de responsabilidades.”

Quase todos os estados que testaram a água acharam problemas. São Paulo foi o que mais encontrou, com 1.298 resultados acima do limite, mas também foi o que mais testou. Foram 831 mil testes, 45% de todos os realizados no país. A capital paulista traz um retrato preocupante: três substâncias acima do limite, uma delas nos três anos analisados.

A contaminação contínua, cenário de maior risco, ocorreu em 82 cidades do Brasil. As substâncias acima do limite estavam em três sistemas importantes que abastecem a cidade.

Ironicamente, as maiores responsáveis pelos problemas com a água no Brasil são substâncias geradas pelo próprio tratamento. Quando o cloro interage com elementos como algas, esgoto ou agrotóxicos, nascem os chamados “subprodutos da desinfecção”. Eles estão acima do limite em 493 cidades, 21% das que testaram.

“Evidente que é importante tratar a água para remover microrganismos, mas não é aceitável eliminar riscos biológicos e gerar riscos químicos”, afirma Heller, da Fiocruz.

Além dos órgãos públicos que deveriam fazer o monitoramento, cabe também à indústria e ao agronegócio controlar o despejo de substâncias tóxicas no ambiente. “Mas quem está no centro [empresas e órgãos de abastecimento] é quem deveria garantir a qualidade.”

A falta de transparência é tamanha que nem sempre os fiscais têm acesso aos dados. Em quase metade dos municípios (48%), as companhias de abastecimento não informaram resultados ao Sisagua. Isso é grave, já que é pelo Sisagua que as secretarias municipais ou estaduais de saúde monitoram a água. Há problemas até nas cidades que mais testam, como São Paulo.

A Sabesp alega que os resultados acima do limite são casos pontuais e que eles não indicam problemas no padrão da água. A empresa informa que faz sua avaliação por uma média móvel, mas não divulga esses dados.

Questionada, a Sabesp se negou a enviar os resultados ou os critérios de cálculo da média. Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde admite que também não teve acesso a esses dados (leia respostas na íntegra).

A Prefeitura de Guarulhos negou que existam substâncias acima do permitido, mesmo diante dos dados do Sisagua (leia resposta). Já Florianópolis afirmou estar trabalhando para resolver o problema (leia resposta completa). Leia também o que a Casan e a Cagece responderam sobre o caso.

Há 50 cidades com pesticidas acima do limite. Esses casos também deveriam acender o alerta máximo devido a sua periculosidade: 21 dos pesticidas monitorados na água do Brasil são tão perigosos à saúde que foram proibidos na União Europeia. Cinco são “substâncias eternas”, tão resistentes que nunca se degradam.

Apesar do problema, especialistas pedem cuidado para evitar pânico. “Pegar água no poço do vizinho ou comprar água que você não sabe a procedência pode ser pior”, afirma Paulo Barrocas, pesquisador da Fiocruz.

A água de garrafa traz ainda o problema do plástico, que também pode liberar substâncias perigosas. O ideal é evitar a contaminação dos cursos d’água. “No caso dos agrotóxicos, por exemplo, precisamos de rigor na liberação de novos produtos, assim como discutir a proibição da pulverização aérea [por avião]”, afirma Fábio Kummrow, da Unifesp.

Agrotóxicos já foram encontrados em poços profundos, lençóis freáticos e até mesmo na água da chuva. Neste ponto, especialistas falam em coro: não há como se blindar do problema da água no Brasil, ele já afeta ou vai afetar a todos, a única solução passa por políticas públicas.

Essa matéria faz parte do especial Mapa da Água, da Repórter Brasil: