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6.300 casos de violência contra a mulher não geraram inquéritos em 2022

6.300 casos de violência contra a mulher não geraram inquéritos em 2022

Foram 44.493 ocorrências de violência doméstica registradas, mas 38.131 inquéritos civis abertos. No ano anterior, tinham sido abertas 28.584 investigações para 42.530 denúncias

Ana Flavia Silva - domingo, 12 de março de 2023 - 07:01

O Paraná teve 6.362 casos de violência doméstica sem inquéritos abertos, só em 2022. Foram 44.493 ocorrências de violência doméstica registradas, mas 38.131 inquéritos civis abertos. Os dados se aplicam para casos tentados e consumados e são de levantamentos divulgados pelo Ministério Público do Paraná nesta semana, em alusão ao Dia Internacional da Mulher.

Apesar de não ser suficiente, o número de inquéritos abertos deu um grande salto em relação a 2021. No ano anterior, tinham sido abertas 28.584 investigações para 42.530 casos de violência doméstica denunciados. Proporcionalmente, em 2022 o índice aumentou, mas não conseguiu zerar a fila de casos que precisam de investigação. 

FALTA PESSOAL

Segundo a promotora de Justiça Maria Aparecida Losso, o principal desafio é atender a tantas ocorrências. “Em geral falta pessoal, mesmo. É um problema que ainda não conseguimos resolver. São cerca de 30 boletins de ocorrência por dia, só relativos à violência contra a mulher. Para tudo isso virar inquérito, precisaria de mais delegados e investigadores. Uma estrutura que não temos”, relata.

Somente em janeiro e fevereiro de 2023, 54 inquéritos de feminicídio e 6.102 casos de violência doméstica foram registrados no Estado. Os índices representam, respectivamente, 25% e 16% de todos os casos registrados ao longo de todo o ano de 2022. Embora assustadora, a alta é também reflexo de que o trabalho de sensibilização e acolhimento das vítimas têm melhorado. “Isso denota que as mulheres estão tomando mais consciência de seus direitos e indo em busca da Justiça. A gente tem que parabenizar, incentivar que elas façam mesmo o boletim de ocorrência para que a gente tome conhecimento do que está acontecendo”, avalia a promotora. “Por outro lado, gostaria que a gente tivesse mais efetividade e pudesse dar uma resposta rápida a elas”, pondera.

Os números de medidas protetivas requeridas ao Poder Judiciário também revelam o tamanho do desafio. De acordo com levantamento da Promotoria de Justiça de Violência contra a Mulher, com atuação na Casa da Mulher Brasileira – Centro de Referência para Mulheres em Situação de Violência em Curitiba – nos dois primeiros meses deste ano foram distribuídas 986 medidas protetivas de urgência na cidade. No mesmo período no ano passado foram 777. Com relação ao número de mulheres atendidas em 2022 pela Delegacia da Mulher que funciona no local, foram 5.874 vítimas de violência doméstica e/ou familiar. Este ano, somente nos meses de janeiro e fevereiro, já foram 1.282 vítimas atendidas pela unidade.

CASA DA MULHER BRASILEIRA

“A Casa da Mulher Brasileira integra várias instituições que são essenciais no trabalho contra a violência, como o Ministério Público e a Delegacia da Mulher”, explica a psicóloga Jéssica Mendes, que atua na sede da Defensoria Pública que fica no espaço. “Mas esse suporte (prestado à mulher) não se limita ao sistema de Justiça. Existem diversas formas que contribuem para que ela consiga se organizar, se desvencilhar de um relacionamento abusivo, em que muitas vezes ela é dependente economicamente.. O sistema de Justiça é somente parte da história”, complementa.

A punição ao agressor, criminalmente, também é apenas uma parte do problema – e na avaliação da especialista, nem sempre funciona como solução. “A criminalização pode até ter um fim educativo para o agressor, mas sabemos que o sistema penal não é totalmente ressocializador. Você controla o agressor, tira ele do convívio social, mas não tem potencial de mudança do comportamento violento. Precisamos pensar em ações protetivas e principalmente preventivas”, diz Jéssica. Para isso, ela é categórica: a educação é fundamental.

Ela explica. “Hoje, nossos padrões tendem a uma lógica de tratar homens e mulheres como desiguais em termos de superioridade. Esse juízo de valor é criado desde cedo. A gente precisa mudar o padrão da educação, criar um letramento em gênero”. Na prática, o entendimento da profissional é de que casos de violência contra a mulher, infelizmente e ainda, são tão comuns que se tornam banalizados. “Às vezes, atendemos mulheres que nem sabem que são vítimas de violência, pois veem as mesmas situações em casa, com a vizinha, com as amigas e acham normal”, relata.

Mais do que uma questão criminal, é cultural. Antes de tudo é preciso mudar o entendimento sobre a relação entre homens e mulheres colocando-as como inferiores. Ao mesmo tempo, é preciso combater os casos que já ocorrem justamente por causa desse entendimento enraizado culturalmente. “A mulher deve saber que existem outras formas de ser e estar no mundo. Ela tem direito a uma vida sem violência e a um relacionamento que não tire dela a autonomia, a liberdade e a alegria”, finaliza Jéssica.

Se você está em uma situação de violência ou suspeita que alguma mulher esteja sofrendo algum tipo de violência doméstica, denuncie. É possível buscar ajuda na delegacia da mulher do município ou em uma delegacia comum. Há também a possibilidade de se fazer o boletim de ocorrência online. O telefone para acionar a Polícia Militar é o 190 e há também um número específico para atender situações de violência contra a mulher, o 180. O disque-denúncia 181 também pode ser acionado. Em casos de dificuldade de acesso a estas opções, a mulher pode fazer uma marca na palma da mão, um “X”, e mostrar a alguém com quem tenha contato.

O QUE DIZ A POLÍCIA CIVIL

Em nota, a Polícia Civil do Paraná não confirma os dados divulgados pelo Ministério Público do Paraná, “ porque desconhece a base de dados utilizada”. A instituição reforça que “parte das denúncias não possui continuidade por ausência de interesse da vítima, visto que muitas ações são condicionadas à representação da mesma, a qual, em muitos casos apenas registra o boletim de ocorrência e não comparece para dar continuidade, mesmo após ser intimada. Algumas já de imediato decidem não manifestar no momento do registro, ficando a denúncia suspensa pelo período prescricional”.

O texto reitera que a PCPR “trabalha constantemente no combate à violência contra a mulher, conduzindo investigações, solicitando medidas protetivas, realizando a prisão de agressores, além de realizar ações preventivas como campanhas de conscientização e orientação” e destaca que houve contratação de um grande número de profissionais recentemente, para atuar em todas as áreas da Polícia Civil. 

 

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