Classe média compra mais no atacarejo para fugir da inflação

Famílias passaram a frequentar mais o atacarejo em busca de preços 15% mais baixos baixos, em média, segundo a consultoria Nielsen|IQ.

Lojas com ar-condicionado, bem iluminadas, com pé-direito alto, espaço para adega, fatiamento de frios, açougue e cafeteria. “Luxos” tão comuns aos super e hipermercados começam a fazer parte de atacarejos –um espaço de vendas tradicionalmente espartano, em que empilhadeiras de pallets dividem espaço com os clientes nos corredores.

O Assaí, vice-líder do setor, com vendas anuais de R$ 46 bilhões (só atrás do Atacadão, que faturou R$ 59 bilhões em 2021), está aproveitando para reformar os pontos que adquiriu do Extra em outubro a fim de atender a crescente presença da classe média nas suas lojas.

Pressionadas por uma inflação galopante – o IPCA chegou a 11,30% no acumulado de 12 meses até março -, as famílias de maior renda passaram a frequentar mais o atacarejo em busca de preços 15% mais baixos baixos, em média, segundo a consultoria Nielsen|IQ.

“Cerca de 25% do nosso público pertence às classes A e B, enquanto na média da população esse percentual está em 14%”, disse à reportagem Belmiro Gomes, presidente do Assaí. A presença do público de maior renda deve aumentar neste ano, diz ele, uma vez que a bandeira de atacarejo também vai ficar mais próxima das regiões centrais, após a aquisição de 70 pontos do antigo hipermercado Extra.

Dados da Nielsen|IQ confirmam essa preferência: no mercado brasileiro de atacarejo (que movimentou cerca de R$ 200 bilhões no ano passado, alta de 25% na comparação anual), as famílias de classes A e B representam 34% do público. No varejo alimentar em geral, A e B somam 28%.

“Os consumidores das classes mais altas são atraídos para o formato cash and carry”, diz Jonathas Rosa, líder de atendimento ao varejo da Nielsen|IQ, referindo-se ao nome técnico para atacarejo. “A classe AB vai a esse tipo de loja fazer uma compra de abastecimento, com um tíquete médio alto, algo que só é possível para essa faixa de renda”, afirma Rosa, lembrando, porém, que o aumento do público dos atacarejos passa por todas as classes sociais, já que a inflação atinge a população como um todo.

De acordo com a Nielsen|IQ, hoje, 2 a cada 3 lares (66%) no Brasil fazem compras em atacarejos. Em 2017, eram 59%. “A média de visitas aos atacarejos é de uma vez e meia por mês, ou seja, o público faz uma compra de abastecimento e em parte das vezes volta para fazer uma compra de reposição”, afirma Rosa.

Dentro dos atacarejos, as categorias que mais cresceram nos últimos dois anos foram as de perecíveis frescos -que englobam frutas, legumes e verduras, açougue e peixaria, justamente onde a inflação dos últimos meses foi mais aguda.

No primeiro trimestre deste ano, o faturamento dos “cash and carry” aumentou 21,1% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o das farmácias cresceu 11,5%, o dos grandes supermercados, 7,7%, e, o dos pequenos supermercados, 4,2%. “Já o formato dos hipermercados continua em crise e caiu 7,1%”, diz Rosa, lembrando que apenas o Carrefour ainda mantém um modelo competitivo nesse segmento no Brasil.

Não por acaso, o hipermercado Extra desapareceu para dar espaço ao Assaí –controlado pelo francês Casino, que também é o principal acionista do GPA (Grupo Pão de Açúcar), ex-dono do Extra. Segundo Belmiro Gomes, trazer os atacarejos para os bairros das grandes cidades significa romper uma fronteira de crescimento para esse formato de loja.

Antes restrito a avenidas próximas de rodovias ou com alto fluxo de caminhões, o Assaí começa a ir para os bairros, a partir do acordo para a compra dos 70 pontos do antigo Extra por cerca de R$ 4 bilhões (até agora, 60 pontos foram absorvidos e os demais devem integrar o Assaí até o final de maio). A estimativa é que 40 lojas do Extra sejam convertidas em Assaí no segundo semestre deste ano e, as demais, até o fim do primeiro trimestre de 2023.

 “Boa parte dos nossos clientes não está mais disposta a pegar um carro e rodar até uma das marginais para fazer uma compra –isso vale tanto para o público comum quanto para os donos de restaurantes”, afirma o presidente do grupo, que hoje soma 216 pontos de venda em 23 estados e no Distrito Federal.

As reformas dos pontos são intensas, segundo Gomes. “O piso de um hipermercado é projetado para suportar entre 800 quilos e 1 tonelada. Já o de um atacarejo deve aguentar 3,5 toneladas”, diz ele, que também aumentou o espaço para estocagem de produtos nas novas lojas a fim de agilizar a reposição, além de aumentar o espaço para câmara fria e instalar ar-condicionado, o que exige uma rede elétrica mais robusta.

“Mesmo sendo mais centrais, as novas lojas do Assaí já estavam em pontos que permitiam o tráfego de caminhões, que será adaptado de acordo com a legislação local”, diz ele, em relação aos impactos da logística no tráfego dos bairros.

Dos 70 pontos herdados do Extra, 67 tinham galerias de lojistas –que foram prejudicados com o fechamento dos espaços para a reforma, conforme revelou a Folha de S.Paulo. Nesses casos, os acordos dos lojistas eram como o GPA. Segundo Gomes, interessa para o Assaí manter a maioria das galerias: em apenas três pontos os espaços foram removidos, porque estavam em rotas de fuga, diz.

“Queremos oferecer serviços como óticas, farmácias, consertos de celulares, lotéricas e salões de beleza, por exemplo”, afirma.

A meta do Assaí é chegar ao final de 2024 com mais de 300 lojas em operação e um faturamento de R$ 100 bilhões. Agora, com um modelo de loja que vai muito além do original, concebido no passado para atender transformadores como dogueiros e confeiteiras ou pequenos varejistas. “Não vamos chegar à Oscar Freire [centro de compras de luxo na capital paulista]. Mas estaremos mais perto de quem gasta mais”, diz ele.

CONCORRÊNCIA

A briga entre os atacarejos é acirrada –especialmente entre os dois primeiros, Atacadão e Assaí. O Carrefour, controlador do Atacadão, comprou o grupo Big em março do ano passado, o que lhe rendeu a rede Maxxi Atacado, hoje com 63 pontos, que estão sendo convertidos para Atacadão. Parte da rede de hipermercados Big também vai ser transformada em atacarejo.

O Makro, do grupo holandês SHV, vendeu a maior parte das suas lojas para o Carrefour em 2020 (29 lojas por R$ 1,95 bilhão). A empresa se desfez de outros 14 pontos e manteve sua rede de 24 lojas no estado de São Paulo, onde pretendia focar esforços.

Mas agora se sente pressionado pela concorrência intensa com Atacadão, Assaí, Tenda e Roldão e pretende abrir mão da sua presença no país, apurou a reportagem.

O Makro contratou o banco Santander para achar um comprador para as suas 24 lojas, por cerca de R$ 3 bilhões. A informação foi dada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pela Folha de S.Paulo. Na avaliação da rede, o mercado “cash & carry” é promissor, mas exige um alto investimento para aumentar a capilaridade, o que não está nos planos do grupo holandês.

O Makro foi dominante por muito tempo no Brasil, com uma operação robusta em nível nacional, diz o consultor em varejo Alberto Serrentino, da Varese Retail. “Foi um atacado tradicional, que nunca quis abrir para o varejo, tanto que os clientes precisavam ter um CNPJ para comprar na loja”, afirma.

Mas, com a escalada do atacarejo no Brasil, guiada pela expansão do Atacadão e do Assaí, o Makro foi ficando cada vez mais pressionado. “Eles perderam competitividade e, quando resolveram se abrir para o formato atacarejo, o mercado já estava tomado”, diz Serrentino. Começaram a vender lojas, boa parte delas comprada pelo Atacadão. “Agora não é estranho que os controladores queiram passar o negócio para a frente.”

*Colaborou Leonardo Vieceli, do Rio.

O QUE MAIS PESOU NA INFLAÇÃO DE ALIMENTOS EM CADA MÊS

Mês – Produto – Variação (em %)
Março 2021 – Mamão – 21,27
Abril 2021 – Leite longa vida – 2,4
Maio 2021 – Costela – 4,3
Junho 2021 – Leite longa vida – 4,03
Julho 2021 – Tomate – 18,65
Agosto 2021 – Frango em pedaços – 4,47
Setembro 2021 – Frango em pedaços – 4,42
Outubro 2021 – Tomate – 26,01
Novembro 2021 – Café moído – 6,87
Dezembro 2021 – Café moído – 8,24
Janeiro 2022 – Banana prata – 11,73
Fevereiro 2022 – Batata inglesa – 23,49
Março 2022 – Tomate – 27,22
Fonte: IBGE – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo