Condenação de militares por mau uso de recursos avança, e TCU vê recado a Bolsonaro

As condenações na atual gestão envolvem 19 oficiais superiores, incluindo 4 generais, o mais alto posto no Exército.

LUCAS MARCHESINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O TCU (Tribunal de Contas da União) condenou pelo menos 28 militares por má utilização dos recursos públicos desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Essas condenações na atual gestão têm como origem oito processos abertos de 2014 a 2020, envolvendo 19 oficiais superiores, incluindo 4 generais, o mais alto posto no Exército. Os outros 9 condenados têm patentes mais baixas.

O número de militares condenados no governo Bolsonaro é maior que o do período de 2015 a meados de 2018, quando 15 membros das Forças Armadas foram multados pelo TCU. Desse total, 11 eram oficiais superiores. As multas totalizaram R$ 2,6 milhões.

Os processos decididos pelo tribunal desde 2019 totalizam R$ 25 milhões em prejuízos para a União, e as multas aplicadas somam R$ 2,9 milhões. As multas individuais variam entre R$ 5.000 e R$ 600 mil e foram para 19 integrantes do Exército, 3 da Aeronáutica e 6 da Marinha.

Apesar de não envolverem apenas casos durante o governo Bolsonaro, ministros da corte avaliam que as punições são um recado em um momento no qual militares passaram a ocupar um espaço inédito na Esplanada dos Ministérios desde a redemocratização.

Militares condenados pelo TCU

Com maior presença no governo, os militares ampliaram sua influência sobre uma parcela expressiva do Orçamento, que tradicionalmente não estava nas mãos da categoria. Na avaliação de um ministro do TCU, isso fez com que o órgão de controle passasse a ter a atenção mais voltada para a atuação desse grupo.

As condenações do TCU envolvem de conluios para desviar verba em licitações para obras a situações como a de um general que usou um pregão do Exército para reformar a própria piscina.

Nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), elaborada por Flávia de Holanda Schmidt, mostra que, de 2016 a 2020, a quantidade de militares em cargos comissionados ou requisitados cresceu 34,5%, passando de 1.965 para 2.643.

Em 2021, o número de membros das Forças Armadas comandando empresas públicas bateu recorde e chegou a 92. O número inclui participações em conselhos.

Procurado pela reportagem, o TCU não quis comentar o número de condenações. O Ministério da Defesa informou que os assuntos dizem respeito a cada uma das Forças e por isso não se posicionaria. Exército, Marinha e Aeronáutica não responderam aos questionamentos até a publicação deste texto.

Dentre todos os processos analisados pelo órgão de controle, um deles apurou um débito de R$ 17,5 milhões para o governo federal e resultou em uma multa de R$ 1,5 milhão para seis militares do Exército – dois generais, três coronéis e um suboficial.

Nele, “militares do IME (Instituto Militar do Exército) em conluio com diversas empresas perpetraram fraudes e desvios generalizados de recursos públicos oriundos de convênios firmados entre aquela organização militar e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestruturas de Transporte)”, aponta o relatório do TCU.

O caso envolveu o general José Rosalvo Leitão de Almeida, que na época era assessor especial do DEC (Departamento de Engenharia e Construção) do Exército.

Ele recebeu uma multa de R$ 600 mil. A condenação aconteceu em 2019, mas Leitão continuou em uma função comissionada no Ministério da Defesa até 2021.

Outro general envolvido no caso foi Paulo Roberto Dias Morales, foi multado em R$ 440 mil.

Na época ele era general de brigada e chefe da assessoria 7 do DEC. Em sua defesa no TCU, ele alegou que “como coordenador geral técnico dos trabalhos impugnados, não tinha conhecimento dos procedimentos administrativos detalhados feitos à época”.

Eles foram condenados por pagar em duplicidade serviços prestados e contratar irregularmente fundações para execução de convênios com o Dnit.

“Embora não comprovada a má-fé dos senhores José Rosalvo Leitão de Almeida e Juan Carlos Ramos Perez deve ser ressaltado que os atestos e demais atos irregulares não ocorreram um uma ocasião singular, tendo sido realizados de forma contínua e sistemática na execução dos contratos impugnados”, diz o relatório do TCU sobre o caso.

Em sua defesa, Leitão disse que “inexistiu duplicidade contratual” e que existiam “contratos distintos” evidenciando obras diferentes.

Houve também uma apuração na esfera penal, que resultou em uma pena total de 16 anos de prisão entre todos os envolvidos.

Outro caso punido pelo TCU no período envolve o general José Ricardo Kümmel. De acordo com o processo, ele usou recursos destinados a consertar as antenas de oito unidades sob seu comando para repaginar o imóvel funcional no qual morava. Isso incluiu trabalhos na piscina e na churrasqueira da casa.

A multa foi de R$ 380 mil, sendo R$ 190 mil para Kümmel e outros R$ 190 mil para o general Gilseno de Souza Nunes Ribeiro. Ambos alegaram em sua defesa que não houve dano ao erário e que a demora entre o fato e o julgamento pelo tribunal de contas prejudicava o direito de defesa.

O caso mais recente tratou de um pregão para contratar serviços de engenharia no Comando da Brigada de Infantaria Paraquedista. Um coronel e um terceiro-sargento foram multados em R$ 10 mil cada um.

De acordo com a decisão do tribunal, os dois militares escolheram uma proposta que não era a mais vantajosa para o governo federal.

Isso teria acontecido a partir da ” desclassificação irregular das propostas de 19 licitantes”, aponta o acordão do TCU. No processo, os envolvidos negaram as acusações e disseram que ” foram motivados a atender ao interesse público”.