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Doenças raras: 80% dos casos são de origem genética

Doenças raras: 80% dos casos são de origem genética

Doenças raras ainda são desafio para a comunidade médica, mas resposta para os tratamentos pode estar em terapias gênicas

Ana Flavia Silva - terça-feira, 28 de fevereiro de 2023 - 06:59

Odin de Albuquerque Lima Júnior tinha apenas 17 anos quando ouviu do médico que ficaria cego por volta dos 30 anos. “Ele não foi dos mais sutis, disse para eu procurar o INSS e um cão-guia”, lembra. Hoje, aos 62 anos, casado, pai de duas filhas, o músico é também presidente e fundador da Retina Paraná, um braço da organização Retina Brasil, voltada ao apoio e divulgação de informações para pessoas com doenças da retina.

Odin tem retinose pigmentar, uma doença rara que acomete somente cerca de 50 mil pessoas no Brasil. Talvez por isso, o médico que o atendeu na década de 1970 não tivesse muitas perspectivas positivas sobre o caso do paciente. Na época, ele ainda tinha 80% da visão – e uma dificuldade para enxergar à noite foi o sintoma que o levou ao consultório. Hoje, ele vê com 8% e 5% da capacidade, o que não o impede de realizar eventos, trabalhar em uma empresa com adaptação para sua realidade e tocar piano – uma das paixões a que se dedicou. “Fui aprender música, harmonia, já que ia ficar cego, pensei: ‘pra quê vou fazer uma faculdade?’ Fiz muitos jingles em Curitiba e alguns nacionais, mas ganhava dinheiro tocando em piano bar”.

DOENÇAS RARAS: GENÉTICA E HEREDITARIEDADE

A doença de Odin é genética e hereditária – como a maioria das doenças raras. Segundo a Biblioteca Nacional da Saúde, do Ministério da Saúde, há cerca de 7 mil doenças raras descritas, sendo 80% de origem genética e 20% de causas infecciosas, virais ou degenerativas. “Elas são de difícil tratamento, porque envolvem o defeito de um gene”, aponta o oftalmologista Carlos Moreira Junior, especialista em retina do Hospital de Olhos do Paraná. “Por isso, antigamente a gente não tinha muita perspectiva, achava que não tinha solução e pronto. Isso era muito frustrante para os médicos e para a indústria farmacêutica”, pondera. A boa notícia é que os avanços das pesquisas indicam os benefícios da terapia gênica. “Atualmente existe tratamento para um gene da doença, o RPE 65. Ele é feito com um gene modificado, que vai corrigir geneticamente o defeito deste paciente”, explica.

O procedimento é feito através de injeção intraocular na retina. Mas, segundo o especialista, o medicamento está em processo de liberação no Brasil pela Anvisa. O custo é alto, em torno de R$ 500 mil, e o investimento não representa uma solução definitiva. “Todos os outros 60 genes ainda não têm tratamento, porém, a ciência avança muito rápido, existem várias pesquisas em andamento. É provável que em um futuro próximo, todos os genes da Retinose Pigmentar possam ser tratados geneticamente”, explica o médico. Ele ressalta, ainda, a importância de exames de prevenção, que podem indicar alterações significativas. “Ao menos 1 vez por ano, os pacientes devem se consultar com um oftalmologista de confiança”, aconselha.

CONHECIMENTO PARA O TRATAMENTO

No caso de Odin, o conhecimento prévio poderia ter evitado algumas angústias – e talvez dado o acesso a terapias que pudessem parar ou retardar o avanço da doença. Isso inclui uma avaliação simples: a da árvore genealógica. “Minha mãe teve dois tios que ficaram cegos, mas ninguém deu atenção. Somente quando eu recebi o diagnóstico foi que ela se deu conta da possível relação entre o meu caso e os deles. Entre os meus irmãos (um homem e três mulheres) ninguém desenvolveu a doença, que na minha família atinge somente homens”. Por outro lado, os filhos das filhas dele podem ter a retinose pigmentar. “Mas elas não têm medo. Dizem que se eles tiverem a vida que eu tenho, está tudo bem”. Para além da raridade da própria doença, Odin se deu de presente a raridade de uma vida bem vivida.

RETINOSE PIGMENTAR

A retinose pigmentar é uma doença rara, genética e hereditária, que surge quando as estruturas fotorreceptoras do olho (cones e os bastonetes) deixam de captar luz. Dessa forma, a formação da imagem pela retina fica prejudicada.

PRINCIPAIS SINTOMAS

  • Dificuldade de enxergar à noite;
  • Visão lateral prejudicada;
  • Perda do campo visual periférico;
  • Esbarrões constantes, como em móveis, por exemplo.
     

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