Pedro Ribeiro

Cida Borghetti

A pandemia tem produzido situações que vão do encantamento à decepção, do aplauso à revolta. Nos encantamos com a genialidade que encontra soluções incríveis para problemas complexos; admiramos a solidariedade que nunca deixa de socorrer quem precisa; aplaudimos o desprendimento que salva vidas.

São marcas da índole do brasileiro, que gostamos de exaltar como princípios éticos de uma população formada por “gente do bem”. Sim, há no Brasil uma maioria que preserva valores sociais, culturais, humanitários e cristãos em quaisquer situações.

Mas, para tristeza de muitos, há uma minoria que nos surpreende negativamente. É o lado sombrio desses tempos difíceis, que apaga o brilho da nossa longa tradição de praticar o bem, e nos impõe uma reflexão: o que justifica o aumento assustador dos casos de violência contra mulheres e crianças?

O que podemos – e precisamos – fazer para retomar o caminho da normalidade? Porque nada justifica a violência, nem mesmo a pandemia que bagunçou nossas vidas.

Como Embaixadora da Organização Mundial da Família (OMF), vejo com preocupação a escalada desse tipo de violência. Se levarmos em conta o fato de que há subnotificação, por causa das limitações impostas pela pandemia, é de se supor que estamos diante de uma tragédia de grandes proporções.

Dados recentes revelam que temos hoje mais casos de violência e maus tratos contra mulheres, crianças e adolescentes do que em situações normais.

Também cresceram muito os números de crianças nas ruas, pedindo esmola e comida nos semáforos de todas as cidades – já não é um fenômeno restrito aos grandes centros urbanos.

Com as escolas fechadas, a sociedade perde uma importante referência no combate a esse tipo de crime. Além de ser fator inibidor da violência, a escola também faz a notificação dos casos às autoridades competentes, e a mediação com as famílias para identificar a origem dos problemas que levam à violência.

Outro ponto bastante preocupante é o fato das escolas particulares já estarem funcionando há alguns meses de forma presencial, enquanto que muitas públicas permanecessem apenas com aulas virtuais, em muitos casos, precárias por falta de infraestrutura nas instituições de ensino e/ou nas casas dos estudantes. Isso acentua a desigualdade entre os alunos que pode ser irreversível no futuro.

É mais do que urgente retomar a atividade escolar. Sabemos que há recomendações técnicas que precisam ser rigorosamente seguidas. Afinal, ninguém quer colocar em risco a saúde da grande comunidade escolar: nossas crianças e jovens, professores, pais, servidores. Mas é possível compatibilizar a atividade escolar com medidas de prevenção sanitárias.

Confinadas em casa, algumas famílias se converteram em focos de violência. O que revela uma distorção, pois ali deveria reinar a harmonia, a segurança e a proteção, longe dos perigos do mundo externo.

Por isso, é necessário avaliar outros fatores, como o desemprego, a queda na renda das famílias e a dificuldade de adaptação ao trabalho remoto. E, em última instância, os problemas de relacionamento interfamiliares.

De todo modo, a sociedade precisa ficar atenta a esse fenômeno, subproduto da pandemia, e cobrar das instituições – em especial as públicas – uma atuação mais firme e resolutiva.

Proteger nossas crianças é investir no futuro. Já temos problemas que nos bastam; não podemos permitir que a violência venha engrossar estatísticas tão desabonadoras para o Brasil.

Cida Borghetti

Embaixadora da Organização Mundial da Família (OMF)