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Feminismo para quem?

Feminismo para quem?

Apesar dos avanços e conquistas em relação aos direitos e a cidadania das mulheres, o feminismo, enquanto um movimento de igualdade, ainda se faz necessário em nossa sociedade

Daiana Allessi - quinta-feira, 19 de outubro de 2023 - 10:02

Avançamos muito em relação à conquista de direitos femininos, entretanto, essa constatação que deveria gerar esperança, produz o efeito inverso gerando angústia e inúmeros questionamentos sobre os motivos pelos quais ainda precisarmos lutar por direitos básicos que sempre foram assegurados aos homens.

Há quem diga que falar sobre igualdade de gênero, direitos das mulheres e combate ao machismo é repetitivo e cansativo, mas, como o óbvio nunca é óbvio, cotidianamente seguimos lutando por garantias e pela manutenção dos direitos conquistados.

Já ouvi de homens e, infelizmente de mulheres, que o feminismo não serve para nada, que é um movimento de supremacia das mulheres e que gera transtornos sociais. E asseguro que todas essas premissas são falsas!

Afinal, você sabe o que é feminismo?

Não podemos confundir o feminismo e considerá-lo como o contrário de machismo. As pessoas que se consideram feministas, e nisso incluo os homens, não querem estabelecer um sistema de inferiorização masculina, como o machismo atua em relação às mulheres.

Trata-se de um movimento social, político e cultural que busca a igualdade de gênero, a promoção dos direitos das mulheres e a eliminação da discriminação baseada no gênero. 

O conceito central é a promoção da equidade e o reconhecimento das mulheres como sujeitos de direitos, sem intenção de “subverter” a sociedade. Porém, se você considerar que a equivalência de direitos básicos entre homens e mulheres, e o respeito à diferença é algo absurdo, então, pode considerar o feminismo subversivo.

O feminismo segue sendo fetichizado e até difamado pelos (as) que não possuem interesse no rompimento com o patriarcado, pois se trata de um movimento contra hegemônico que trabalha para ampliar as perspectivas sobre gênero, reconhecendo que essa discriminação não afeta somente as mulheres, mas também os homens e pessoas de diferentes identidades de gênero ou orientação sexual.

Portanto, o feminismo enquanto um movimento plural e de igualdade, atua desde a defesa de direitos reprodutivos e a igualdade salarial até a conscientização sobre a violência de gênero e o empoderamento das mulheres em várias esferas da vida.

Adiante, irei ressaltar alguns exemplos de como as mulheres foram preteridas pela cultura patriarcal vigente em nosso país, pelo simples motivo de serem mulheres. 

Espero que ao ler cronologicamente os “nossos avanços”, além de surpresa, você se lembre de que o que chamamos de conquistas femininas, sempre foram direitos básicos e assegurados legalmente para os homens, (menciono, porém, não explorarei as opressões relacionadas à classe social e à raça) e garanto que os fatos adiante expostos serão suficientes para a constatação da discriminação e desigualdade;

– 1827 Meninas são liberadas para frequentarem a escola;

Embora as mulheres sejam maioria em relação à formação superior (aproximadamente 25% são mulheres e 18% homens que ingressam nas universidades, segundo OECD, 2022), o acesso à educação básica foi por muito tempo negado às meninas, em virtude da divisão de espaços e do mito de que as mulheres não eram aptas à vida pública e ao trabalho fora de suas casas.

– 1879 Mulheres conquistam o direito ao acesso às faculdades;

Com muito atraso as mulheres só puderam ingressar nas faculdades em 1879. Uma possibilidade formal que sempre esteve acompanhada das impossibilidades imaginárias do machismo impregnado na sociedade.

– 1910 O primeiro partido político feminino é criado;

O espaço político, do poder e das decisões é a gênese da construção social, posto que é desse lugar que derivam as regulamentações e leis que organizam a sociedade. Ainda sem direito ao voto, e como forma de pressão e resistência, Leolinda Daltro fundou em 1910 o primeiro partido feminino brasileiro, Partido Republicano Feminino.

– 1932 Mulheres conquistam o direito ao voto;

Em 1932, o sufrágio feminino foi garantido pelo primeiro Código Eleitoral brasileiro: uma vitória da luta das mulheres que, desde a Constituinte de 1891, pleiteavam o direito ao voto. Frisa-se que o voto feminino era facultativo e só foi equiparado ao dos homens em 1965.

– 1962 É promulgado o Estatuto da Mulher Casada;

Sob a égide do Código Civil de 1916, extremamente patriarcal e restritivo em relação aos direitos femininos, foi promulgada a Lei nª 4.121/196227 conhecida como o Estatuto da Mulher Casada, permitindo que as mulheres não precisassem mais da autorização do marido para trabalhar. Essa lei também garantiu que as mulheres passassem a ter direito à herança e a chance de pedir a guarda dos filhos em casos de separação que até então não lhes era permitido.  

– 1974 – Mulheres conquistam o direito de portarem um cartão de crédito;

Até 1974, o cartão de crédito era um direito exclusivo dos homens, e a interferência econômica/bancária atingia a autonomia e direito de escolha das mulheres inclusive em relação ao seu próprio dinheiro, pois as mulheres solteiras ou divorciadas que solicitassem um cartão de crédito ou empréstimo eram obrigadas a levar um homem para assinar o contrato. 

A mulher não tinha liberdade de escolha e era vista como um objeto que pertencia ao pai ou ao marido, sem voz ativa. Somente em 1974 foi aprovada a “Lei de Igualdade de Oportunidade de Crédito”, para que clientes não fossem mais discriminados (as) com base no gênero ou estado civil.

– 1977  A Lei do Divórcio é aprovada;

Até a promulgação em 26 de dezembro, da Lei nº 6.515/1977, as mulheres permaneciam presas aos casamentos, ante a regra da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Era uma sociedade baseada no contrato e não na felicidade. A partir de então o divórcio passou a ser permitido no Brasil, como uma opção legal.

– 1979  Mulheres garantem o direito à prática do futebol;

“PÉ DE MULHER NÃO FOI FEITO PRA SE METER EM CHUTEIRAS!”. Sim, essa era a manchete de um jornal em 1941, (escrevi sobre isso em outra coluna STCN durante a Copa do Qatar). 

No Decreto editado por Getúlio Vargas, estava claro: as mulheres não podiam praticar esportes incompatíveis com as “condições de sua natureza”. O argumento era de que a prática feria a chamada “natureza feminina” e com isso, de 1941 até 1979, foi eliminada qualquer chance de atletas mulheres praticarem esportes de maneira profissional. 

Após quatro décadas, a regulamentação do futebol feminino veio em 1983, mas devemos lembrar o quanto a proibição trouxe reflexos negativos no esporte até hoje, como o pouco incentivo ao futebol feminino e a falta de patrocinadores.

– 1988 – A Constituição Brasileira passa a reconhecer as mulheres como iguais aos homens;

Foi apenas na Constituição de 1988 que as mulheres passaram a ser vistas pela legislação brasileira como iguais aos homens. As mulheres foram incluídas legalmente como cidadãs com os mesmos direitos e deveres dos homens, ao menos, formalmente na Constituição. 

– 2002 “Falta da virgindade” deixa de ser motivo para anular o casamento;

Apenas no século 21, com o Código Civil atual que revogou as disposições do Código de 1916, inclusive o artigo que permitia a anulação do casamento pelo homem, caso descobrisse que sua esposa não era mais virgem, é que se deixou de se utilizar o argumento da virgindade feminina como justificativa plausível para anulações e divórcios.

– 2006 É sancionada a Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006;

Maria da Penha, a farmacêutica que deu seu nome à lei, precisou ser vítima de duas tentativas de homicídio e lutar por quase 20 anos para que finalmente, conseguisse colocar o agressor, seu ex-marido, atrás das grades. A Lei nº 11.340/2006 é uma das três melhores legislações do mundo em matéria de combate à violência contra a mulher.

– 2015 É aprovada a Lei do Feminicídio;

No dia 9 de março de 2015, a Constituição Federal reconheceu a partir da Lei nº 13.104/2015 a tipificação do feminicídio como um crime de homicídio qualificado, ou seja, o crime de matar uma mulher, por violência doméstica ou menosprezo à sua condição de mulher.

– 2018 A importunação sexual feminina passou a ser considerada crime, Lei nº 13.718/2018;

Ser mulher ainda, e infelizmente, é motivo para vivenciar situações de assédio e violência no dia a dia, no transporte coletivo, em aplicativos de carros particulares ou em saídas corriqueiras como ir ao mercado ou sair para trabalhar. A ocorrência deste tipo de prática contra as mulheres é tanta que a importunação sexual passou a ser criminalizada.

E por aí vai…
 

Você consegue imaginar algumas dessas tipificações em relação aos homens? A resposta é não, pois o patriarcado instituiu um sistema de discriminação e menosprezo às mulheres. 

Espero que até aqui você se convença que falar sobre feminismo e igualdade é uma necessidade diante das inúmeras violências que continuam a serem cometidas em desfavor do feminino.

Precisamos seguir avançando e conquistando espaços, e essa caminhada é de todos e todas, pois tenho esperança de que um dia, talvez, não seja necessário falar em feminismo ou desigualdade de gênero. 

Por enquanto, nos resta seguir falando e repetindo, no singelo propósito de mudar as narrativas sociais!

“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados.” (Simone de Beauvoir)
“Feminismo é uma outra palavra para igualdade.” (Malala Yousafzai)
 

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