(Foto: divulgação)

Márcia Huçulak, a porta-voz das más notícias

Quando a pandemia de covid-19 levou as autoridades a tomarem medidas restritivas para conter a disseminação do novo coro..

Quando a pandemia de covid-19 levou as autoridades a tomarem medidas restritivas para conter a disseminação do novo coronavírus, a partir do ano passado, alguns rostos e nomes até então desconhecidos passaram a fazer parte do dia a dia das pessoas. Em Curitiba, uma funcionária pública de carreira, enfermeira por formação, virou a “porta-voz” das más notícias, como ela mesma admite. É Márcia Huçulak, a secretária municipal da Saúde, que há mais de um ano conduz a equipe que enfrenta a covid no município e aparece em frente às câmeras para anunciar os números da doença e a necessidade de ajustar a vida da cidade à situação de cada momento.

E essas decisões, assim que conhecidas, geram reações. muitas delas, negativas. Pelas redes sociais e por aplicativos de mensagens, Márcia recebe xingamentos e até ameaças físicas contra si e sua família. Mas diz que aprendeu a lidar com o problema e não deixar que esse tipo de coisa afete seu trabalho.

“A secretarinha que fica fechando e abrindo coisa”

“Eu sou muito xingada. No meu Facebook e no meu Messenger já recebi muita ameaça de gente. Ameaça física, inclusive. Me chamaram de genocida. Nem vale a pena falar. Eu deleto esse tipo de coisa e bloqueio a pessoa”, diz Márcia Huçulak.

A secretária garante que entende. “A pessoa está perdendo seu negócio, deve estar enfurecida, e não está entendendo que o problema não sou eu, é o vírus. Entendo que as pessoas têm que culpar alguém, alguém tem que ser o culpado: a miserável dessa secretarinha aí. que fica fechando e abrindo coisa”.

O parâmetro das bandeiras, “doa a quem doer”

Márcia Huçulak conta que já na primeira semana da pandemia, em março de 2020, percebeu que a contenção do vírus teria que ser feita com base em parâmetros bem definidos.

“Quando começou essa história da covid e pressão de todos os lados eu falei: a gente vai seguir. Eu fiz a primeira bandeira”, lembra ela. “Muito focada”, como ela própria se define, a secretária fez valer sua proposta junto ao prefeito Rafael Greca. “E a gente constituiu a bandeira, o parâmetro que iria nos guiar e levar à decisão. Doa a quem doer.”

Esta política das bandeiras está mantida desde então, às vezes com alguns ajustes para períodos específicos. Foi o que aconteceu esta semana, com o decreto de bandeira laranja mantido até 12 de maio, mas com exceções abertas para a comemoração do Dias das Mães no domingo (9).

Primeira da classe e caderno com florzinha

Focada é um adjetivo que serve bem para Marcia Huçulak desde a infância. Na escola católica, ela mesma conta, era a primeira da classe, tinha o caderno bonito, com florzinha, respondia às perguntas da professora.

E foi assim, sabendo o que queria, que cursou Enfermagem na PUC e em seguida começou a trabalhar no Hospital Evangélico. Passou pela emergência, pela UTI e fez parte da equipe do primeiro transplante cardíaco no Paraná.

Em 1986, resolveu prestar concurso para a prefeitura. Foi aprovada e desde então é funcionária pública, “com muito orgulho”. Teve o privilégio de, após a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) em 1988, ver nascer o protagonismo do município no atendimento à saúde pública.

“Eu conheço essa secretaria há muito tempo. Trabalhei em unidade básica, montei unidade básica. Quando eu entrei a gente devia ter 12 a 15 unidades. Agora nós temos 111. Eu vi esse crescimento lá na base”, lembra Márcia.

Gestão em saúde, o caminho escolhido

A partir daí, ficou claro para ela, que tinha vocação para a gestão. E ela foi atrás de mais formação na área.

“Em 1989, fiz minha primeira especialização, pela Fundação Osvaldo Cruz: especialista em saúde coletiva. Em 1992 me inscrevi para um bolsa no Conselho Britânico e fui para a Inglaterra em 1993. Fiquei até 1994, e fiz o meu mestrado. Já nessa área de Planejamento e Financiamento de Saúde”.

De volta ao país, esteve durante o governo Jaime Lerner na Secretaria Estadual da Saúde, em diferentes funções de gestão. Voltou ao município, passou um tempo em Brasília, como assessora técnica do Conass (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde) e voltou ao estado na gestão de Beto Richa como governador.

Em 2016, juntou-se ao time de campanha de Rafael Greca à prefeitura de Curitiba, contribuindo para o programa de governo na área de saúde. Assumiu a superintendência da secretaria municipal em janeiro de 2017, e já em abril passou ao cargo de secretária, com a saída de João Carlos Baracho.

Huçulak e a  síndrome de Cassandra

“Aí veio a pandemia, e eu aceito esse momento como uma missão. Até porque eu já estou aposentada do serviço público, já cumpri meu tempo de serviço”, conta a secretária.

Mas se engana quem pensa que ela subestimou a missão. Lá no comecinho, quando muitos ainda achavam que a situação seria resolvida rapidamente, ela conta que já sabia que não seria assim. “A gente tem a maldição de Cassandra: a gente sabe o que vai acontecer e não pode mudar os fatos futuros, e ninguém acredita no que a gente fala.”

“As pessoas tinham no imaginário que se a gente fizesse um bom lockdown, em 60 dias estava tudo resolvido. Eu eu falava assim: meu Deus, não serei eu que vou dizer que não. Ninguém vai acreditar em mim”.

“Nenhuma pandemia, no histórico de pandemias que a gente acompanha”, diz, “dura menos que dois anos. Só que a gente não pode tirar a esperança das pessoas. Vai que eu esteja errada. Mas a gente sabia que iria pelo menos dois anos, 2020, 2021.”

O dia a dia ditado pela pandemia, sem covid

Se a covid-19 mudou o dia a dia da cidade, não foi diferente com a rotina da pessoa que conduz o trabalho de combate à doença. Mas depois de um primeiro ano de ficar mais de 12 horas por dia na secretaria, Marcia Huçulak conta que já consegue equilibrar melhor o tempo entre a vida pessoal e o trabalho. Resultado da organização do trabalho e da possibilidade de contatos constantes por WhatsApp, inclusive com o prefeito Rafael Greca.

Assim, já conseguiu retomar seu hábito de caminhar e correr pela vizinhança, no Capão Raso, onde mora com o marido e o filho, Bernardo, de 20 anos. Ainda não voltou à academia. “Tenho medo”, admite.

Márcia conta que toda a família capricha no isolamento. O filho, jovem, praticamente não sai, a não ser para assuntos ligados aos estudos (faz Medicina na Universidade Mackenzie). “Eu tenho dó”, diz. Ela e o marido têm praticamente só um programa fora de casa: ir às compras de mercado no sábado.

Já os pais dela, ambos com 83 anos, só saíram recentemente para tomar a vacina contra a covid no Pavilhão do Barigui. Acompanhados pela filha secretária, claro. E pelo menos por enquanto, todo esse cuidado tem dado certo: ninguém na família contraiu covid.