Pedro Ribeiro
(Foto: divulgação)

Ao completar 1000 dias no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro tem muito pouco o que comemorar. O País está com inflação de 10%, mais de 14 milhões de desempregados, economia em frangalhos e muita confusão no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional. Para lembrar a data, o jornal O Estadão faz uma análise do governo federal e inicia o testo com esta frase: “Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia de Jair Bolsonaro no Planalto, o mais completo e desastroso desgoverno do Brasil independente”.

Ao mesmo tempo, o senador Omar Aziz, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga ações do governo em relação à pandemia, com compra de vacinas, também diz, em artigo (publicado abaixo), que “Bolsonaro, que sempre fomentou uma disputa entre a economia e a saúde, levou o país ao pior dos cenários: quase 600 mil mortes, milhares de pessoas com sequelas graves e persistentes, famílias devastadas e a economia em frangalhos, com inflação em alta, desemprego crescente e a queda da renda dos brasileiros”.

MIL DIAS A MENOS – ESTADÃO

Completados mil dias, são mil dias a menos com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia do mais completo e mais desastroso desgoverno do Brasil independente. Haver sobrevivido também pode ser uma razão para festejar, se for possível conter, por algum tempo, a indignação e a dor pelos milhares de mortes atribuíveis ao negacionismo, à irresponsabilidade e a uma incompetência fora dos padrões conhecidos. Passados quase três quartos do mandato, restam, no entanto, os perigos associados à ambição de um presidente empenhado em continuar no poder – se possível, por meio de uma reeleição.

Não há por que esperar uma transfiguração de Bolsonaro, em sua luta para sobreviver politicamente e adiar, ou talvez evitar, as consequências legais de seus desmandos e omissões. Enquanto estiver na Presidência, ele tentará preservar o custoso apoio do Centrão. Além disso, continuará forçando a equipe econômica a encontrar, no Orçamento, recursos para gastos eleitoreiros. Não há por que esperar, também, um desempenho, em qualquer setor – educação, crescimento econômico, saúde, emprego e bem-estar –, melhor do que aquele registrado até agora.

O primeiro grande feito de Bolsonaro foi interromper a recuperação econômica iniciada em 2017, depois da recessão de 2015-2016. A economia cresceu apenas 1,4% em 2019, menos que no ano anterior, e já estava mais fraca no começo de 2020, antes da pandemia. O recuo de 4,1% naquele ano foi menor que o de várias economias desenvolvidas e emergentes, mas o País entrou em 2021 com desemprego de 14,7%, muito acima dos padrões dos países de renda média. Pior que isso, milhões de pessoas estavam desassistidas e dependentes de campanhas de solidariedade para comer.

Ameaças golpistas foram o complemento do cenário econômico de insegurança, desemprego e miséria crescente. Logo depois da invasão do Congresso americano por uma turba incitada pelo presidente Trump, Bolsonaro ameaçou algo semelhante, no Brasil, se a eleição do próximo ano for feita com voto eletrônico. Meses depois, um projeto de restabelecimento do voto impresso foi derrubado no Parlamento, mas o presidente continuou insistindo no assunto.

Conflitos com os Poderes Legislativo e Judiciário marcaram toda a gestão bolsonariana, e neste ano ele se concentrou em ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ataques às duas Cortes foram temas das manifestações golpistas de 7 de setembro, lideradas pelo presidente em Brasília e em São Paulo. Essas manifestações foram por ele descritas como democráticas, em seu vergonhoso discurso na abertura da assembleia anual das Nações Unidas, em Nova York.

Rejeição das instituições e ameaças de golpe, mais ou menos ostensivas segundo as circunstâncias, foram acompanhadas, em alguns dos momentos mais feios, de elogios à ditadura militar e a um notório torturador daquele período, o coronel Brilhante Ustra, chamado de herói por Bolsonaro. O mesmo qualificativo foi atribuído a um conhecido miliciano morto pela polícia na Bahia.

Elogios a um torturador e a um miliciano combinam com a política de facilitação de acesso às armas. Pessoas sérias podem apoiar essa política, mas seus principais beneficiários são obviamente os criminosos e os bolsonaristas dispostos a formar milícias de apoio a um líder antidemocrático.

Alimentada pela incompetência e pela irresponsabilidade, a inflação acumulada em 12 meses bateu em 10%, atormentando famílias já acuadas pelo desemprego e pela perda de renda. As projeções de crescimento econômico em 2022 estão abaixo de 2% e algumas instituições do mercado já anunciaram estimativas próximas de 0,5%. O desastre na saúde e o fracasso econômico foram complementados, nesses mil dias, com devastação ambiental, desmonte do Ministério da Educação e comprometimento da imagem do País, manchada por um extremista percebido em todo o mundo como caricatura patética do já patético Donald Trump. Cada um desses mil dias é para ser lamentado.

AS LIÇÕES DA CPI DA COVID

A CPI da Covid no Senado caminha para o seu final fazendo história e superando o descrédito de quem apostou que ela acabaria em pizza. Em cinco meses de comissão, os senadores provaram o cometimento de vários crimes, que contribuíram para a morte de milhares de brasileiros, além de provocarem consequências graves na economia, na educação e em toda a sociedade brasileira.

No início dos trabalhos, em abril, afirmei que, como filho de italiana com árabe, garantia que a CPI não acabaria em pizza nem em esfiha. E é o que vai acontecer. Eu e meus colegas do grupo majoritário do colegiado comprovamos que o governo do presidente Jair Bolsonaro se recusou a comprar vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, preferindo investir em medicamentos sem eficácia comprovada.

Cientistas independentes ouvidos pelo CPI estimam que o atraso na aquisição dessas vacinas poderia ter salvo a vida de pelo menos 90 mil brasileiros. Se a compra tivesse sido antecipada pelo governo, todos os idosos teriam sido vacinados até fevereiro, o que poderia ter salvo outras 70 mil vidas.

Mas, aconselhado por seu gabinete paralelo, preferindo apostar na politização em detrimento da ciência, o Brasil foi um dos últimos países de seu porte a iniciar o processo de vacinação. Uma tentativa de atingir a imunidade de rebanho também se mostrou desastrosa.

Bolsonaro, que sempre fomentou uma disputa entre a economia e a saúde, levou o país ao pior dos cenários: quase 600 mil mortes, milhares de pessoas com sequelas graves e persistentes, famílias devastadas e a economia em frangalhos, com inflação em alta, desemprego crescente e a queda da renda dos brasileiros.

Mais recentemente, foi desvendado pela CPI o crime contra a vida cometido na rede de hospitais do plano de saúde Prevent Senior, que fez experimentos em pacientes com remédios de eficácia não comprovadas, os mesmos defendidos pelo presidente. Caso tão grave quanto o visto em meu Amazonas, onde centenas de pessoas morreram asfixiadas, sem acesso a oxigênio por conta do descasos dos governos federal e estadual, como também ficou explícito nas sessões da CPI.

Ao contrário do que dizem aqueles que criticam a comissão e apoiam o governo, não houve perseguição a adversários políticos, mas um trabalho técnico, apoiado por especialistas do Senado, médicos e cientistas renomados, além de um grupo de juristas que dará respaldo ao relatório final, que será entregue nos próximos dias.

Sem cometer pré-julgamento, é evidente que um esquema de corrupção envolvendo uma liderança do governo no Congresso foi acobertado. Há indícios fortíssimos de busca de vantagens na negociação de vacinas e de que houve prevaricação por parte do presidente da República.

A CPI cumpriu o seu primeiro papel, que era garantir duas doses de vacina no braço de cada brasileiro. A evidência de que o governo estava negligenciando esse direito dos brasileiros fez com que a vacinação fosse acelerada, já atingindo mais de 70% dos brasileiros. E o segundo papel virá em breve, com o relatório final, que fará com que, antes da justiça divina, que pague com a justiça dos homens aqueles que são responsáveis pelas mortes que ocorreram no Brasil —principalmente no Amazonas.

Nosso relatório final será robusto e consistente, produzido com técnica e responsabilidade, a ponto de impedir que ele seja engavetado. Há evidências claras de crime contra a vida, crime sanitário, omissão do governo, corrupção, entre outras irregularidades. Confio nas instituições e na seriedade da Procuradoria-Geral da República para dar o andamento devido ao relatório, sem deixá-lo parado irresponsavelmente em escaninhos ou gavetas metafóricas ou reais.

A CPI trouxe o debate público para a população. Os brasileiros passaram a debater o tratamento precoce, a imunidade de rebanho e perceberam que o presidente e seus auxiliares estavam trilhando um caminho errado. Os trabalhos da comissão abriram uma caixa preta e expuseram uma série de absurdos. Além de iluminar o passado e investigar o presente, a CPI vai deixar uma lição para o futuro, para que descalabros como esses nunca mais se repitam.

*Omar Aziz é formado em Engenharia, foi deputado estadual, vice-prefeito de Manaus, vice-governador e governador amazonense por dois mandatos. É senador desde 2015 e atualmente preside a CPI da Covid