Pedro Ribeiro
(Foto: José Tramontin/Athletico)

O presidente Jair Bolsonaro decepciona a cada dia que passa. Não bastasse seu pífio desempenho em relação à pandemia que já matou mais de 420 mil brasileiros, agora surge o escândalo do orçamento secreto que beneficiou o “centrão”, comandado pelas raposas do Congresso Nacional. Um balcão sujo de negócios.

Quem não lembra das entusiasmadas palavras de Bolsonaro, ainda em campanha e também como presidente em início de mandato, de que ele não dobraria os joelhos para o Congresso Nacional. Está fazendo justamente o contrário do que falou e, além disso, se humilhando às velhas raposas e se transformando em refém da escória que domina o Congresso Nacional.

Informações colhidas no Senado Federal revelam que pelo menos 20 senadores alegaram “segurança de Estado” e até “risco a sua honra e de sua família” para esconder ofícios enviados por eles ao governo com o objetivo de direcionar recursos do orçamento secreto criado pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua base de apoio no Congresso. As respostas foram dadas, por escrito, a questionamentos feitos pelo Estadão com base na Lei de Acesso à Informação.

Contemplado com a terceira maior cota do orçamento secreto – R$ 125 milhões – o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), respondeu que não iria divulgar os ofícios alegando que “documentos sigilosos produzidos ou sob a guarda do Senado Federal, observado seu teor, poderão ser classificados como ultrassecretos, secretos ou reservados”.

Por esse e inúmeros outros motivos é que o Congresso Nacional está desacreditado perante a população. Pesquisa do Instituto Paraná Pesquisa revela que apenas 2,8% da população confia no Senado e 2,6% na Câmara dos Deputados.

Orçamento para os amigos

O presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro (editorial desta quarta-feira do Estadão)

 

O governo de Jair Bolsonaro montou um esquema de rateio de recursos públicos entre parlamentares de sua base, fora dos controles orçamentários, conforme mostraram reportagens do Estado publicadas desde domingo.

Trata-se de um escândalo que espanta não apenas pelos valores envolvidos – em torno de R$ 3 bilhões, até onde a reportagem pôde verificar –, mas também pela sorrateira engenharia para escamotear a escassez de critérios técnicos e a abundância de critérios políticos para a distribuição do dinheiro. Nada nessa história parece nem remotamente republicano.

No esquema, dezenas de parlamentares governistas ganharam a chance de determinar a destinação de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional. O manejo dos recursos, por lei, cabe somente à pasta, dentro dos limites estabelecidos pelo Orçamento, mas o governo, no afã de agradar a sua base, simplesmente abriu mão dessa prerrogativa.

As verbas em questão resultam das chamadas “emendas de relator”, modalidade de emenda parlamentar ao Orçamento introduzida no ano passado. O relator-geral do Orçamento pode encaminhar emendas para, entre outros objetivos, remanejar recursos para determinadas áreas. Nessa modalidade, não cabe ao relator indicar qual município receberá o dinheiro nem qual obra será financiada. Essa tarefa – a execução orçamentária – é do Ministério.

Mas o governo de Jair Bolsonaro concedeu a parlamentares aliados a possibilidade de direcionar essas verbas remanejadas conforme seus interesses políticos. Deputados e senadores já têm a prerrogativa de encaminhar emendas pessoais ao Orçamento, nas quais apontam o beneficiário e a justificativa técnica do gasto, e em geral servem para atender a suas bases eleitorais. Nesse caso, as cotas são iguais para todos os parlamentares – e limitadas a R$ 8 milhões por ano. No esquema revelado pelo Estado, contudo, quem vota com o governo ganha a chance de apadrinhar projetos cujo valor vai muito além do limite estabelecido para as emendas.

A título de exemplo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), um dos premiados, determinou a destinação de R$ 277 milhões de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional. O senador levaria 34 anos para conseguir indicar esse valor caso se restringisse a encaminhar emendas parlamentares.

Os ofícios enviados pelos parlamentares para movimentar o Orçamento fora dos controles públicos mostram a sem-cerimônia. Nos documentos, obtidos pela reportagem, os políticos usam expressões como “minha cota”, “fui contemplado” e “recursos a mim reservados”.

Para adicionar insulto à injúria, parte considerável do dinheiro manejado pelos parlamentares destinou-se à compra de máquinas agrícolas a um custo várias vezes superior ao estabelecido pela tabela do governo. Portanto, há claros sinais de superfaturamento.

Grande como é, o escândalo agora revelado embute um outro, igualmente impressionante: é a incrível expansão da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), estatal que recebeu boa parte dos recursos irregularmente direcionados pelos parlamentares governistas.

A estatal, criada em 1974 para atender 504 cidades e desenvolver as margens do Rio São Francisco, hoje atua em nada menos que 2.675 municípios – alguns dos quais distantes 1.500 km do rio.

A dilatação da Codevasf foi patrocinada pelo presidente Bolsonaro, que incluiu mil municípios na cobertura da estatal com vista a ganhar apoio à sua reeleição. Até o Amapá do senador Alcolumbre, a léguas do Rio São Francisco, agora é atendido pela Codevasf. Ademais, Bolsonaro loteou as diretorias da Codevasf entre os partidos do Centrão, que trataram de articular a abertura de superintendências regionais para distribuí-las a aliados.

Assim, o presidente Bolsonaro ofereceu às raposas do Congresso não somente as galinhas, como os ovos e as chaves do galinheiro. Como se sabe, a elaboração e a execução do Orçamento são reguladas por rígida legislação, que exige total transparência. Mas Bolsonaro e seus felpudos associados não gostam muito de leis.