Perda cognitiva pós-Covid é similar a 20 anos de envelhecimento, sugere estudo

Estudo sugere que a perda cognitiva que pode ocorrer de seis a dez meses após a alta hospitalar por Covid é semelhante a de um envelhecimento natural de 20 anos

Diversos estudos já mostraram como a Covid-19 pode ser uma doença com efeitos em todo o corpo, não só respiratórios. Entre as partes do organismo que podem ser afetadas pelo coronavírus Sars-CoV-2 está o sistema nervoso, com danos já bem conhecidos.

Efeitos neurológicos pós-Covid, como dificuldades de sono, estresse, ansiedade, depressão, perda de memória e sensação de “névoa cerebral” (que engloba dificuldade de concentração, confusão mental e fadiga cerebral, entre outros sintomas) já foram descritos como possíveis sequelas da doença.

Agora, um novo estudo sugere que a perda cognitiva que pode ocorrer de seis a dez meses após a alta hospitalar por Covid é semelhante a de um envelhecimento natural de 20 anos.

A mesma deficiência cognitiva equivale a uma perda de dez pontos de QI, segundo a pesquisa feita por cientistas da Universidade de Cambridge e do Imperial College de Londres. O artigo descrevendo o achado foi publicado no último dia 28 na revista eClinical Medicine, do grupo Lancet.

No estudo, os pesquisadores também encontraram que a gravidade da perda cognitiva e dos sintomas neurológicos está ligada ao quadro mais severo durante o período de internação, com necessidade de ventilação mecânica e indicação de inflamação no organismo.

Para calcular a perda cognitiva como consequência da Covid, os cientistas realizaram testes neurológicos em 46 pacientes que tiveram alta hospitalar após uma infecção pelo vírus. Os pacientes foram avaliados de seis a dez meses depois da infecção aguda.

A pesquisa avaliou ainda 460 indivíduos que possuíam as mesmas características (gênero, idade, língua materna e condição socioeconômica) que os pacientes analisados, porém não foram hospitalizados com Covid, permitindo assim comparar os resultados obtidos dos testes no grupo controle e no estudado.

As principais diferenças observadas foram na velocidade de resposta (demora para responder), maior esquecimento de palavras ou frases completas e de menor noção espaço-temporal nos pacientes analisados que tiveram sequelas de Covid em relação aos indivíduos que não foram infectados.

Ainda, comparando com o observado em 28 pacientes diagnosticados com demência, os cientistas viram que os danos cognitivos nos pacientes mais graves seriam semelhantes aos dos pacientes que sofrem com doença degenerativa, indicando uma perda gradual de velocidade e capacidade cognitiva pós-Covid.

A recuperação, segundo os autores, é possível, porém é lenta e gradual, com um sinal muito reduzido de melhora observado em alguns dos indivíduos seis meses após a alta.

“Embora não seja ainda estatisticamente significativa, essa recuperação ao menos aponta para uma direção, que é bem provável que algumas dessas pessoas nunca se recuperem totalmente”, disse o pesquisador David Menon, da Divisão de Anestesia da Universidade de Cambridge e último autor do estudo.

Possíveis causas

Um ponto importante do estudo é que os pacientes que tiveram mais sequelas cognitivas após a alta hospitalar por Covid não tinham diagnóstico relevante de alguma condição de saúde mental antes da infecção, como maior propensão a depressão, ansiedade ou até mesmo estresse pós-traumático, que poderiam ter piorado a condição pós-Covid.

Dentre as hipóteses de por que os pacientes com alta hospitalar pós-Covid podem desenvolver sequelas cognitivas estão infecção direta do coronavírus nos neurônios, oxigenação ou aporte de sangue ao cérebro ineficiente durante a fase aguda da doença e a formação de pequenos coágulos cerebrais, segundo os autores. Porém, mais estudos que relacionem esses fatores como possíveis causas da perda de memória são necessários.

O neurologista do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, Augusto Penalva, que comentou o estudo a pedido da reportagem, pondera que o mecanismo de inflamação após uma Covid grave pode ser um dos fatores que influenciam os efeitos da Covid longa no cérebro, mas não o único.

“Em nossa coorte [conjunto de pessoas analisadas], com mais de 200 pacientes em São Paulo, vimos que mais ou menos a metade possui síndrome de Covid longa, mas menos da metade dos nossos pacientes apresentou quadro grave de Covid. Ou seja, mesmo em quadros leves o vírus pode causar danos neurológicos”, disse.

Penalva explica que o entendimento das diferentes vias que o coronavírus pode afetar no cérebro tem crescido e que isso também vai implicar um processo de recuperação maior ou não. “Se o que houve foi uma interrupção das conexões devido a um processo inflamatório, sabemos que isso pode ser recuperado, pois as sinapses vão e voltam. Agora, se houve perda celular, como ocorre com doenças degenerativas, o processo é mais gradual”, afirmou.