Preço do combustível de navegação dispara e deve pressionar frete de cargas

Enquanto a Petrobras segura repasses da disparada da cotação do petróleo, o transporte de cargas já começa a sentir os efeitos da guerra na Ucrânia

Enquanto a Petrobras segura repasses da disparada da cotação do petróleo ao preço da gasolina e do diesel, o transporte de cargas já começa a sentir os efeitos da guerra na Ucrânia em seus custos, com o aumento dos combustíveis de navegação. Segundo a S&P Global Platts, esses produtos atingiram recordes históricos na América Latina após o início do conflito no Leste Europeu. No Porto de Santos, o principal do país, já se aproximam dos US$ 1.000 (R$ 5.000) por tonelada, de acordo com o setor.

Companhias de navegação dizem que essa é hoje a principal preocupação do setor, que já convive com fretes elevados desde que a paralisação da atividade industrial no início da pandemia desequilibrou a logística global. “No momento a mais evidente preocupação é o rápido aumento dos custos de combustíveis”, diz, em nota, o CentroNave (Centro Nacional de Navegação Transatlântica), entidade que reúne as 19 maiores empresas de navegação de longo curso atuando no Brasil.

A entidade diz que os impactos da guerra no transporte mundial de contêineres ainda são pequenos e localizados na região do conflito. “Contudo é preciso ponderar que se trata de um cenário volátil e que a situação pode mudar rapidamente.” Diferentemente da gasolina e do diesel, em que os reajustes são definidos por um comitê interno da Petrobras de acordo com a evolução das condições de mercado, os preços dos combustíveis para navegação são alterados diariamente.

Na terça-feira (1º), de acordo com a S&P Global Platts, o bunker com 0,5% de enxofre, mais usado nos motores de grandes embarcações, bateu US$ 798 (cerca de R$ 4.000) por tonelada em Santos. Segundo a Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), a cotação chegou a bater US$ 900 (R$ 4.500) nesta quinta-feira (2). No início de 2020, o preço do produto oscilava em torno de US$ 680 por tonelada.

O gasóleo marítimo, conhecido como MGO e usado principalmente para geração de energia nos navios, chegou a US$ 893 por tonelada na terça, também o maior preço já registrado desde que a consultoria começou a acompanhar o porto, em 2016. O presidente da Abac, Luiz Resano, diz que os navios de grande porte costumam ter grandes estoques de combustível, mas em breve começarão a comprar produtos com os preços mais altos.

Os contratos de frete, afirma, geralmente têm cláusulas que permitem o repasse imediato de grandes oscilações no preço do combustível. “Se o preço não cair no curto prazo, vai haver impacto tanto na cabotagem quanto no longo curso”, diz. “E o frete certamente vai aumentar.” O presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, diz que ainda não há impacto da crise atual no custo do frete, mas a expectativa é que os preços fiquem ainda mais pressionados.

“Por enquanto, está todo mundo paralisado para ver o que vai acontecer”, afirma. “Mas se o frete aumentar ainda mais, vai acabar inviabilizando algumas operações.” Procurada, a Petrobras afirmou que “mantém seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado internacional”. A empresa disse ainda que os preços do bunker nos principais portos do mundo “seguem a dinâmica do petróleo, que já vinha de um momento de volatilidade alta, agravada pelos últimos eventos”.

A Petrobras vem repetindo que está observando o cenário antes de decidir por repasses aos preços da gasolina e do diesel, decisão que conta com apoio de representantes dos acionistas privados no conselho de administração da companhia, segundo a Folha apurou. No próprio mercado financeiro, há dúvidas sobre a viabilidade de reajustes nesse momento. Analistas do banco UBS BB, por exemplo, acreditam que a estatal não mexerá nos preços agora.

“Concordamos que as incertezas continuam altas e que o cenário ainda não é claro”, escreveram os analistas Luiz Carvalho, Matheus Enfeldt e Tasso Vasconcellos, que veem os preços internos 25% abaixo das cotações internacionais. Eles acrescentam que reajustes nesse momento têm altos custos políticos e reputacionais, já que poderiam dar combustível a defensores de mudanças na política de preços da companhia.