Economia
Tesouro Selic repete 2002 e tem rendimento negativo

Tesouro Selic repete 2002 e tem rendimento negativo

Nem a renda fixa escapou da volatilidade do mercado brasileiro nas últimas semanas. Títulos do Tesouro e fundos DI, que ..

Folhapress - quarta-feira, 7 de outubro de 2020 - 09:12

Nem a renda fixa escapou da volatilidade do mercado brasileiro nas últimas semanas. Títulos do Tesouro e fundos DI, que investem nestes tipos de ativo, encerraram setembro em queda, assustando investidores. É o caso dos títulos pós-fixados (LFTs), conhecidos como Tesouro Selic.

As LFTs com vencimento de setembro de 2022 a setembro de 2026, por exemplo, caíram 0,04% a 1,01% no mês passado, respectivamente, segundo dados da Economatica. É a segunda vez que isso acontece.

A primeira foi em maio de 2002, quando passou a valer a regra de marcação a mercado, contabilização dos papéis de um fundo com base em seu valor de mercado –antes, o investidor via o valor de aquisição dos títulos. A mudança assustou investidores e os levou a trocar fundos de renda fixa pela poupança, reduzindo a rentabilidade dos fundos, que tiveram que se desfazer de papéis para dar saída ao investidor.

A grande pressão vendedora deixou a rentabilidade dos títulos naquele mês negativa. Além disso, as LFTs vinham de forte queda com o risco fiscal pré-eleições presidenciais, que levaram Lula ao seu primeiro mandato. Conforme o petista crescia nas pesquisas, investidores cobravam mais caro para financiar o governo em títulos de vencimento a partir de 2003, por temores à política econômica que seria adotada no novo governo. No ano seguinte, porém, os ativos dos fundos se ajustaram conforme o governo Lula mantinha as políticas monetária e fiscal.

Rendimento negativo dos títulos do Tesouro é raro, mas possível porque os títulos são negociados no mercado, como ações ou soja. E, quanto maior a oferta para um demanda constante, menor o preço, mesmo em títulos de renda fixa. Em setembro, o Tesouro Nacional realizou leilões destes papéis, que tiveram baixa procura, em especial a LFT. Em um deles, o órgão vendeu 53% do lote inicialmente planejado de 500 mil papéis e, em outro, apenas 18% de um lote de tamanho semelhante.

Por estar atrelado à taxa básica de juros, hoje na mínima histórica de 2% ao ano, este título tem um rendimento real (descontado da inflação) negativo -segundo a previsão do mercado, o IPCA de 2020 será de 2,12%, o que, naturalmente, reduz sua demanda. Além disso, o aumento do risco fiscal com o Renda Cidadã, substituto inflado do Bolsa Família, levou a uma alta nos juros futuros -taxas esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos.

Estas taxas são a principal referência para os juros liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro. Com a perspectiva de elevação do déficit fiscal e quebra do teto de gastos, o investidor cobra mais caro para emprestar para o governo, elevando a remuneração dos títulos do Tesouro. Segundo Bruno Funchal, secretário do Tesouro, o Brasil não conta com espaço para errar na gestão das contas públicas no pós-pandemia e a elevação recente dos prêmios de risco na curva de juros é um alerta nesse sentido.

“A gente não tem espaço para errar. A gente precisa andar com as reformas e os preços refletem justamente a situação. É justamente um alerta. O que a gente tem visto na dinâmica ao longo das últimas semanas é um sinal de que você tem risco, você tem incertezas em relação aos próximos eventos”, disse Funchal entrevista à agência de notícias Reuters no fim de setembro.

Quanto maior o juro do título, menor o valor deste papel, em uma relação inversamente proporcional. Para comprar o Tesouro Selic, por exemplo, o investidor pediu ao governo uma taxa maior do que os 2%, gerando um spread -diferença entre taxas de captação e remuneração. Essa remuneração mais elevada levou a uma queda no preço do papel. O Tesouro Selic 2025, por exemplo, está com uma rentabilidade anual de Selic (2%) + 0,3083%, o maior spread desde sua emissão, com investimento mínimo de R$ 105,68.

Títulos prefixados e atrelados ao IPCA com vencimento a partir de 2023 também apresentam rendimentos negativos em setembro e iniciaram outubro em queda. “As taxas ) de grandes bancos, com liquidez diária -dinheiro cai na conta no dia do resgate- que pagam 100% do CDI, para evitar o rendimento negativo caso seja necessário resgatar o título do Tesouro antes do prazo, por exemplo.

Tais produtos, porém, costumam estar disponíveis apenas para o cliente alta renda. O varejo encontra opções acima do CDI em bancos menores e mais arriscados. Segundo levantamento do buscador de investimentos Yubb, CDBs dos cinco grandes bancos (Caixa, Bando do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) têm rendimentos, em média, de 84,5% do CDI para aportes até R$ 10 mil. No segmento private, voltado ao público alta renda, aplicações até R$ 10 mil rendem, em média, 100% do CDI.

Em ambos os casos, a remuneração aumenta conforme o valor investido, podendo chegar, na média, a 93% do CDI no varejo e 105,5% no private. Para evitar perdas e impulsionar ganhos, o indicado é diversificar os investimentos conforme seu perfil de risco e objetivos. “Não existe nada sem risco”, diz Moreli.

O que são fundos DI?

São fundos com rentabilidade atrelada às taxas de juros. Os DI acompanham as taxas do mercado de CDI (Certificado de Depósito Interbancário), hoje a 1,90% ao ano. O CDI acompanha a Selic, sendo, geralmente, 0,1 ponto percentual abaixo da taxa básica de jutos. Os Fundos DI devem ter, no mínimo, 95% de sua carteira aplicada em títulos públicos do Tesouro Nacional ou em títulos de dívida de empresas privadas de baixo risco de crédito que seguem o CDI ou a Selic.

O que é marcação a mercado?

Na marcação a mercado, o gestor deve calcular diariamente quanto cada título do fundo está valendo, como se fosse vendê-lo naquele dia, e repassar o preço apurado ao valor da cota, proporcionalmente ao seu peso no portfólio e prazo de vencimento. Sem esse procedimento, o rendimento da aplicação pode estar desatualizado, refletindo um valor mais baixo ou mais alto do que é na realidade.

*matéria escrita pela jornalista Júlia Moura, para a Folhapress

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